quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

CRÔNICA DE 1960 (Ipsis litteris)



Crônicas
       Prosseguindo com o conto dos principais acidentes além dos de costume na nossa convivência, vide adiante o período em que vivemos de 5 de Outubro até nossa saída para as férias (9 de dez.).
       Em primeiro plano, surgem as brincadeiras, cujo tempo vivido, às vezes se prolongam ou então é quase efêmero. O certo é que em determinada época do ano tornam a voltar.
       Foi o que se deu com as bolinhas de gude. Pe. Cornélio trouxe de sua terra novas e bonitas bolinhas de gude, que distribuídas, entre nós iniciaram um jôgo muito simpático a todos. Jôgo êste de ganhar ou perder, quer dizer, "a valer". Interessante é que as bolinhas holandêsas estão bem guardadinhas (para levar para casa) enquanto que as disputadas, são as brasileiras, velhas ou manjadas. Nos primeiros dias, há um pouco de confusão por causa das regras mas, dá-se um jeitinho e temos as regras próprias do seminário.  

Como acontece com todos os brinquedos, êste também foi-se extinguindo paulatinamente.






       É certo "a pelada e voleibol", um outro divertimento que vem atravessando o ano todo é o jôgo de botão. Êste, numa palavra, é próprio dos pequenos, porque os maiores gostam mais de ler ou ouvir rádio. Quanto ao futebol e voleibol, estamos parados. Parados assim, não topando com outro  quadro, porque aqui principalmente futebol, nunca morrerá. Se é paixão dos brasileiros como alguns dizem, é pelo menos o melhor meio que temos para as conversas, para passear, para assistir aos jogos aqui na cidade.
       Fizemos uma partida de voleibol com os ginasianos. Coitados! Suaram para sair do zero, o que mostra não haver necessidade de não dizer quem venceu.
        O nosso espírito neste fim do ano é outro. Nossos pensamentos, nossas conversas têm como alvo os exames, aquêles dias que resumem  todo ano escolar.  É justo que tenhamos algum receio, porque perder um ano! Graças a Deus, já chegaram, já passaram, levando as pragas de uns e os louvores de outros.
       Por duas vêzes, deixou-nos o nosso diretor: a primeira, indo a Belo Horizonte para lá passar o décimo aniversário da paróquia de Santa Teresa nas mãos dos Crúzios, o que era muito natural, tendo sido êle o primeiro vigário de lá; a segunda, levando a Juiz de Fora o seminarista Francisco Afonso cujo pai lhe faltara.
       Domingo das Missões, 23 de outubro, esteve nossa Congregação Mariana em movimento pela quarta vez no ano. Como parte principal, sobressaiu o discurso de Marcos Antônio sôbre o ferenho e ameaçador inimigo nosso: o comunismo.
       Depois de muitos choros, reclamações, deu-se o que há muito havia sido planejado: um piquenique temporão. Foi no nosso lugarzinho costumeiro no rio Jacaré em Santana.
       Acompanhou-nos Pe. Clemente que não teve um instante de sossêgo. Tinha mêdo de que alguém se afogasse! Ainda mais desorientado ficou depois que viu alguns passando um bocado de apêrto para safar-se da água.
        18 de novembro, sexta-feira, no meio das provas parciais, um dia de folga. É claro! Pois é o dia do aniversário do Pe. Diretor; é o dia de fazermos um passeio, é o dia de passarmos bem, um dos melhores do ano. Mas quase que ficamos aqui, porque já amanheceu chovendo e o tempo estava mal. Pareceu que com a choradeira e o desespêro fizeram-no além de bom, até muito propício.
       Asistida a missa, com cântigos, tomados os cafés (duas vêzes) raspamos para a usina elétrica de Candeias. Lugar longe, mas ótimo.
Um acontecimento que muito deu que fazer e falar foi a captura de um mico na viagem. Diziam-se que êle era um novo seminarista, etc... mas, qual  foi o espanto quando depois de três dias viemos saber que em vez de mico era uma mica!



Nuns dias assim é a barriga que mais fica cansada, porque  não  enjeitamos nada, somos tal qual bando de gafanhotos; apesar da muita merenda, não poupamos os pés de frutas com que topamos (manga verde, côco, ingá). É bom lembrar que um pouco antes, dia 13, quase limpamos os pés de jabuticabas de um vizinho que nos convidara para chupar algumas!
       Entre as provas escritas e orais, para ganharmos mais ânimo, fizemos uma espécie de teatro, exclusivamente para nós e os padres, apenas três. Incialmente parece que estava meio sem "sal", frio , etc. Porém, com a aparição de alguns que têm mesmo jeito de palhaço, passamos uns instantes gozados.
       Calma e lentamente passam os útlimos dias.
       Tendo em vista só o dia 9 parece-nos que os outros se vão preguiçosamente fenecendo a não quer pôr término nunca nêste ano da graça de 1960.
       Nossa alegria é grande. Projetos e mais projetos já foram traçados para as férias. Há dois aqui que estão contentes qual duas criancinhas, só porque irão gastar sua férias em suas próprias casas no Pará, após estarem aqui aproximadamente quatro anos. Que sejam felizes e levem aos seus um pouco de Minas.
       Ganhamos mais dois dias de férias pela entrada do novo Superior Regional eleito: Padre Arnaldo Van Cuyk.
      Olhando-se para a esquerda do ginásio vê-se a desoladora construção do campo de futebol. É um azar! A máquina vem, trabalha uns dias, quebra e fica quase meio ano na oficina.  A enxorrada que  não se desvia mesmo, leva tôda a terra fazendo do campo um não sei que de buracos. Já duas vêzes se deu isto e o campo está na mesma.
       Bem, agora vamos para casa, dando aos padres e às cozinheiras um pouco de alívio.
       A todos boas férias; aos leitores Feliz Natal e Própspero Ano Novo.
                 Geraldo Hélcio Seoldo Rodrigues
                                                 4a. série






Resultado final do ano escolar de 1960
Total de seminaristas: 30
Arpovados:                 25
2a. época:                    1
Reprovados:                4
 No próximo número daremos uma relação mais completa
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Um comentário:

  1. Foi o único caso conhecido em que a Mica pagou o Mico. Aliás, cheguei até a desconfiar que a expressão "Pagar o Mico" pudesse ter origem nesse episódio, mas não foi assim, segundo nos informa o professor Ari Riboldi no seu livro O Bode Expiatório, no baralho do jogo infantil 'Mico Preto', cada carta corresponde à figura de um animal, com macho e fêmea, constituindo, assim, o par. Somente o mico não tem par. Formados todos os pares, o jogo termina e o perdedor é o que fica com a carta do mico na mão.

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