segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Entrevista com José Nicodemo Costa


Revisão: Siovani



Apresentação: Lulu

José Nicodemo Costa 
Esta apresentação, como muitas, escrita após à entrevista concluída, considera a predileção do entrevistado e os seus valores cristãos, que muitas vezes o levam a ver qualidades noutros que de fato são suas.
Um homem que valoriza tanto a humildade já decerto a tem como virtude e é bem provável que a cultive com esmero. Assim vejo o nosso entrevistado, José Nicodemo Costa, que não se ocupa das vantagens e prazeres que lhe podem trazer a ostentação e a vaidade.Mesmo conhecendo-o de pouco convívio, apenas dos encontros da EASO, confesso que pude observar de perto seu comportamento quando esteve em Senhora de Oliveira durante o VIII Encontro da EASO, e dele formar um juízo positivo. A humildade, que ele tanto aprecia nos outros, nele emerge natural e soma-se a outros atributos que moldam o caráter. O mundo carece do que nele sobeja. Neste sentido, testemunhei um comportamento que mostra o quanto este nosso colega preza a amizade: uma boa parte dos ex-seminaristas deve conhecer e lembrar-se da estória triste de José Cezário, que, por recomendação médica, teve que sair da EASO. Este bom seminarista fora acometido, ainda menino, de uma doença com um prognóstico desfavorável à cura. Como uma exceção à regra, não foi incentivado a ficar em casa nem saiu por vontade própria, seu desligamento se deu por recomendação dos padres que seguiam, por sua vez, a dos médicos. Quis o bom senso dos Crúzios e o destino que fosse ele consolado, na aproximação da derradeira viagem, pelo caloroso amor de mãe e pelo olhar afetuoso de sua família. Foi para casa morrer no conforto do lar, e o previsto se consumou. Nicodemo conhecia esses fatos e, ao saber que a mãe do José Cezário ainda vivia, quis conhecê-la, e pediu-me para acompanhá-lo à casa dela. Sendo aquela senhora minha madrinha, tive muito prazer em levá-lo a essa homenagem póstuma àquele cujos parentes mostraram-se agradavelmente surpreendidos com a inesperada presença do amigo de outrora. Infelizmente a visitada, já em idade quase centenária, não mais podia entender a grandeza do gesto daquele senhor grisalho que ali fora pela memória de um menino que conhecera há mais de cinquenta anos.
É comum ver-se pessoas cheias de atitudes nobres, mas poucas são as que vão além disso, ou seja, que conseguem transformar as boas intenções em comportamentos e gestos de grandeza, seres que mudam o mundo com ações e não apenas com palavras.
Nosso entrevistado é determinado à ação, como se pode colher de suas respostas nesta entrevista. Não é desses em que a bonomia religiosa costuma anular aquelas qualidades que tornam a pessoa competitiva e útil nas atividades laicas. Ao contrário, sua vida é pé no chão. Foi gerente e vendedor de sucesso. De perto nós o vimos agindo na coordenação do X Encontro da EASO, tarefa que realizou com discrição e objetividade. Mas, de longe, o mais importante de sua vida está na construção de uma família bem estruturada. Através de sua luta há de deixar o seu legado para as novas gerações.

A entrevista

Lulu: inicialmente solicito ao Nicodemo que faça um resumo de sua vida. Esse material será a base para nos orientar quanto às perguntas mais pertinentes.

Nicodemo - 
Vamos começar.


Meu nome completo: José Nicodemo Costa.
A partir da direita: Luciano, caçula; Alessandra; Nicodemo;
Julieta, a esposa; Fernanda, sobrinha.
Sou natural de Cristais, MG.
Nicodemo no festival do chopp
em 1973, Campo Belo - MG
Nasci em uma fazenda em 22/07/1949.
Sou o mais velho de 4 irmãos, hoje, apenas 2. Fiquei órfão aos 7 anos; meu pai faleceu com apenas 33 anos em 1956.
Vivi na roça até os meus oito anos; frequentei escola de roça por um ano. Aos oito anos fui para Cristais para estudar, onde fiz o primário. Durante esse período estudava e vendia frutas e verduras, além de cuidar de uma ceva de engorda de porcos, que meu tio tinha em Cristais, e, nos finais de semana, engraxava sapatos na rua.
Em 1963 vim para o Seminário, onde fiquei por dois anos, mas continuei estudando no saudoso Ginásio Dom Cabral, hoje Colégio Dom Cabral, onde fiquei até a 3ª série. Esse período foi terrível, pois além dos estudos, também vivia na boemia.

Em 1974 eu me casei; temos dois filhos, a mais velha é farmacêutica, e o caçula formou-se em educação física, mas não exerce a profissão, agora  está fazendo Agrimensura e vai se formar em 2019, se DEUS quiser.

O mais, vamos deixar para as respostas das perguntas.


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Pergunta 1:

Quando estudante participando da Charanga do Colégio
Dom Cabral, Campo Belo - MG

Lulu - Como as dificuldades de sua infância, órfão tão novo, e o pouco tempo de seminário contribuíram na formação de seu caráter?

Nicodemo - Graças a DEUS, eu tive uma Mãe que, apesar de ter ficado viúva com apenas 28 anos, soube nos dar uma boa educação; e no seminário, depois no GINÁSIO DOM CABRAL, foi onde aprendi a vencer as barreiras da vida.
Tudo o que aprendi e o que sou, agradeço aos Padres Crúzios, inclusive minha formação religiosa.





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Pergunta 2:

Fundos da capela de Cristais, onde Nicodemo
foi coroinha.
Lulu - Por que você entrou e por que saiu do seminário?

Nicodemo - Na época eu era coroinha do saudoso Padre Celso Pinheiro e estava sempre participando das festas religiosas, com isso foi-me despertado o desejo de ir para o seminário, onde passei o melhor tempo da minha vida, apesar das dificuldades.
Saí por ignorância do Padre Humberto. Eu tinha ido fazer uma visita para a minha avó, que morava na fazenda; isso foi em um final de semana e foi justamente naquele final de semana que o padre foi a Cristais. Na semana seguinte eu recebi uma carta dele dispensando-me.

Lulu - Na resposta acima ficou a seguinte dúvida: por que o padre Humberto o expulsou?Você foi para a casa da sua avó sem ter autorização?Como isso era possível, se ele, o Padre Humberto, era o diretor?

Nicodemo - Mas era período de férias!

Lulu - Nas férias você não podia sair da zona urbana de Cristais? Afinal o que dizia a carta?

Nicodemo - Dizia que nos finais de semana eu deveria estar na cidade e participar das missas, e que eu não tinha vocação.

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Pergunta 3

Lulu - Quais são suas melhores recordações daquele tempo?

Nicodemo -  São várias: as aulas de declamação; a sala de recreio; as peladas; as viagens para as cidades vizinhas e as cachoeiras.

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[13/12 05:01] Luiz Alfenas: Seoldo enviou por Skype algumas perguntas para você
:
[13/12 05:01] Luiz Alfenas: 12/12 8:33 PM (Horário de Arizona, EUA)  Geraldo H Seoldo - 


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Pergunta 4: 


A partir da esquerda: Nicodemo (pela metade), Rafael 
e Tião Rocha.

Seoldo - Oi, Nicodemo! Não foi no mesmo tempo, mas ambos, você e eu, passamos pela Escola Apostólica Santa Odília... Também eu fui um simples menino da roça sem muitos recursos... Gostaria de que você desse mais detalhes do tempo em que viveu no Seminário: Você queria ser padre mesmo? Quais seus melhores colegas? Gostava do regime e da comida? Qual seu esporte preferido?

Nicodemo - Sim, eu queria, tanto é que, até hoje, às vezes eu me questiono porque eu não procurei outro seminário logo que saí da EASO. Mas eu queria ser Crúzio, devido ao carisma deles.
Com relação aos amigos daquele tempo, para mim não tinha nenhum melhor que o outro, eu me dava bem com todos. Hoje, porém, eu tiro o meu chapéu para um que não sei se foi do seu tempo, esse eu tenho o prazer de escrever o nome dele com letras maiúsculas, sem desmerecer os demais, LUIZ ALFENAS (LULU), esse cara é de uma humildade e uma simplicidade sem igual. Para ele eu tiro o chapéu.
Regime do Seminário: Era muito rígido, mas foi muito bom para nós, você não concorda? Eu sou muito grato aos Padres Crúzios pelo que sou hoje.
Meu esporte preferido: eu sempre gostei de pescaria, mas tem muito tempo que não pesco, meus amigos de pescaria já morreram todos.
 
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Pergunta 5:

Seoldo
Mais detalhes, depois que saiu do Ginásio Dom Cabral na 3ª série: 
a) foi direto trabalhar em que e onde...
b)como encontrou sua esposa...
c) como conseguiu a educação dos filhos...
d) como vê a situação atual de Cristais, de Minas, do Brasil, e, sobretudo, da Igreja Católica?

Nicodemos -


a) Você perguntou se eu fui direto trabalhar: não, quando eu saí do seminário fui morar na casa de minha prima, e só no ano seguinte foi que viemos definitivamente para Campo Belo. Eu comecei em uma seção de peças durante as férias. Em 1967 fui trabalhar com um meu primo que tinha um bar, estudava de manhã e à tarde ia para o bar. Nesse bar, comecei a beber, parei de estudar, todo serviço que arrumava eu não gostava. Trabalhava durante o dia e à noite ia para a boemia, eu detestava ficar atrás de uma mesa ou balcão; essa vida continuou até 1972, nesse ano eu estava trabalhando no escritório de um laticínio, foi quando conheci um senhor que fazia a manutenção das máquinas;um dia ele me chamou e perguntou-me se eu queria trabalhar de vendedor para ele, aceitei na hora, era uma firma representante das máquinas e calculadoras Olivetti, foi a primeira porta a se abrir para mim, depois fui para  uma firma de montagem comercial, onde fiquei por cinco anos. Fui gerente de filial de uma transportadora por oito anos e, por fim, voltei para as vendas, onde fiquei até me aposentar.


b
O casamento feito pelo Padre
Arthur.
) Como encontrei minha esposa: Foi através de uma minha prima.
Quando eu ia trabalhar, sempre me encontrava com ela vindo do colégio. Um dia, conversando com minha prima, comentei com ela, pois as duas estudavam no mesmo colégio e eram da mesma sala.
Um belo dia, eu estava em casa quando chegaram as duas, e fomos apresentados um ao outro, aí tudo começou. Dia 21 de dezembro de 2018 vamos fazer 44 anos de casados.


Julieta e Nicodemo: casamento em 1974
c) Como conseguimos educar nossos filhos:

Olha Seoldo, foi uma luta. Eu viajava e minha esposa lecionava. Minha filha fazia faculdade em Três Corações e, em uma consulta médica, foi descoberta uma infecção nos intestinos; esta infecção chama-se Crohn, não é grave, mas não tem cura, só controle.
Na época ela fazia uso de um medicamento cujo nome é PENTASO, que custava quase R$500,00 a caixa com 28 comprimidos,suficientes para 7 dias.
Meu filho formou-se na UNIPAC e agora está fazendo Agrimensura à distância, com aulas presenciais três vezes por mês.
Esta foi a minha vida com altos e baixos, mas venci graças ao nosso bom DEUS.


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Pergunta 6

Seoldo - " Sempre haverá gente melhor e pior que você.... gente mais e menos importante que você....  Você é filho do universo.... Você tem o direito de estar aqui e agora.... " 
Poderia fazer um comentário sobre isto? Boa Sorte e Felizes Festas!!!!


Nicodemo - Não, não há ninguém mais importante ou menos importante, como diz aquele velho ditado popular: cada macaco no seu galho. Para mim somos iguais, indiferente à cor, raça, credo e classe social.
Completando esta resposta:
Para os amantes da música caipira, já deve ter ouvido uma música que tem como título O Doutor e o Caipira, se ainda não ouviu, procura ouvir.



Goiano e Paranaense.

Letra:
Eu dou motivo pra me chamar de caipira
Mas continuo lhe tratando de senhor
Eu não me zango, pois não disse uma mentira
Pelo contrário isso até me dá valor
Sua infância foi lições de faculdade
Na realidade hoje é grande doutor
Não tive estudos minha escola foi trabalho
Desbravando meu sertão no interior

Foi importante eu ter feito esta viagem
Pois conheci esta frondosa capital
Estou surpreso vendo tanta aparelhagem
Para o senhor tudo isto é normal
Sou um paciente que o destino lhe oferece
Não me conhece como um profissional
Lá onde eu moro o senhor se sentiria
Como eu me sinto aqui nesse hospital

Lá eu domino aquele incêndio alastrado
Que sempre um raio deixa fogo no espigão
Se der um golpe em um jatobá erado
Eu sei o lado que a árvore cai no chão
Sou especialista em mata-burros e porteiras
Sei a madeira que se usa pro mourão
Vamos comigo ver meu mundo ao céu aberto
Onde o trabalho também é uma operação

Todas as vezes que me chamam de caipira
É um carinho que recebo de alguém
É uma prova que a pessoa me admira
E nem calcula o prazer que a gente tem
Doutor agora nós já somos bons amigos
Vamos comigo conhecer o meu além
Para dizer que sou caipira da cidade
Mas lá no mato eu sou um doutor também


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Pergunta 7
Irmã Eufronésia (85)

Eustáquio - Fale um pouco sobre seu trabalho na pastoral vocacional em Campo Belo.

NicodemoSobre a pastoral vocacional:
Tudo começou em 1996, quando  minha esposa e eu fizemos E.C.C.Durante as reuniões para os encontros, foi despertando-me o desejo de participar de  algum movimento ou pastoral.Reunimos cinco casais e fundamos a pastoral familiar, que funcionou dois anos, mais ou menos. Depois, uns saíram e outros morreram, foi até acabar.  Fiquei novamente pensando no que fazer.
Conversei com o padre Donizete, que era o pároco, isso em 1997. Foi aí que tudo engrenou, eu e a Irmã Eufronésia fomos para Oliveira fazer um curso, começamos com cinco agentes. Promovemos palestras nas escolas, várias reuniões, indo atrás de jovens que manifestassem interesse, e a encontros de jovens vocacionados de fora de Campo Belo.Desses encontros, hoje temos quatro padres: Padre Tiago, da paróquia Nossa Senhora do Carmo; Padre Sebastião Israel, capelão da Vila Vicentina e Padre Robson, de Cristais, e, ainda, Frei Agnaldo, um franciscano que trabalha em São Paulo.
A Irmã Eufronésia trabalhou aqui no antigo Colégio São José, onde foi professora por vários anos. Trabalhou muito para que fosse fundada a paróquia de São Sebastião. Hoje ela mora e trabalha em Belo Horizonte, no bairro Taquaril.
Continuamos à procura de novos vocacionados,fazendo reuniões, rezando pelas vocações e agora vamos rezar o terço vocacional todo dia 5 de cada mês.
Por favor, reze pelas vocações sacerdotais e religiosas. Obrigado.


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Pergunta 8:   

´
Reunião de 2008, em Campo Belo, com Ázara, Nonato,
Nicodemo, Ni e Rafael. 

Nonato - Depois de tantos anos que se passaram daquele convívio no seminário, começamos (alguns ex-seminaristas) a nos encontrarmos. Você acha que tem valido a pena, mudou ou influencia alguma coisa na vida dos que têm participado dos nossos encontros?

NicodemoSim, vale muito ver no rosto de cada um a alegria estampada, lembrar as histórias daquele tempo; pena que é uma só vez por ano.
Cada vez que nos reunimos, eu, particularmente, tiro proveito de alguma coisa.
Você se recorda dessa nossa reunião? (vide foto ao lado)


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Pergunta 9

Padre Humberto (primeiro assentado à direita); Padre 
Marino (primeiro assentado à esquerda); Padre Lucas (com
a cruz colorida)
Nonato - Ainda no seminário, qual padre você acha que melhor nos servia como exemplo para a vida religiosa? 

Nicodemo - Eu penso que cada um tinha as suas qualidades, eu vou enumerar 3:
1 - Pe. Humberto, como catequista;
2 - Pe. Marino, amigo e conselheiro;
3- Pe. Lucas, pela espiritualidade.


Um pequeno comentário:


Na comemoração dos 60 anos de ordenação do Padre Lucas, o bispo, naquela ocasião era Dom Francisco Barroso, em sua homilia falou que se quisesse encontrar com o Padre Lucas no colégio Dom Cabral, era só ir à capela, que lá estaria ele fazendo suas orações.


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Pergunta 10

Lulu -  Nicodemo, que perguntas você mesmo faria para o cidadão Nicodemo, e como as responderia? Fique à vontade e mostre a que veio.

Nicodemo: Lulu, esta foi muito boa.


As perguntas seriam estas:

a) Você já foi humilhado ou discriminado?


b) Você se sente inferior a outras pessoas?


E estas seriam as respostas:     


a) Sim! Algumas vezes por não ter um curso superior ou por não ter uma situação financeira boa.


b) Não! Não existe ninguém melhor que o outro, somos todos iguais, filhos de um mesmo pai, DEUS.