domingo, 21 de maio de 2017

Tradição Oral


Seoldo sob o  sol de Tucson, AZ, USA.
TRADIÇÃO ORAL SOBRE 3 GRUPOS
DE EASISTAS
DA ZONA DA MATA MINEIRA
 

     (EASISTA: Este termo aqui significa ex-seminaristas da Escola Apostólica Santa Odília em Campo Belo. MG).


     Foi um EASISTA da capital – não se sabe qual a capital e tampouco o EASISTA – que começou a espalhar o seguinte conto, baseado numa forte tradição oral de mais de 50 anos atrás... isto é, dos inícios do Seminário Santa Odília dos padres crúzios em Campo Belo, MG.
(Coincidência: a história de Cristo também só começou a ser escrita depois de 50 anos de sua crucificação... tudo foi passado por tradição oral até este ponto). Então a tradição é a seguinte:

       Havia 3 grupos de EASISTAS bem distintos da Zona da Mata Mineira no Seminário Santa Odília. Muitos, nestas alturas, pensavam que Seminário é como um parque para brincar... A única coisa que tinham em comum era o orgulho de sua origem local.

       Grupo 1 – Grupo de Juiz de Fora (inclusive Bicas)
       Grupo 2 - Grupo de Senhora de Oliveira (inclusive Senhora dos Remédios)
       Grupo 3 - Grupo de Leopoldina (inclusive Recreio, menos Miracema).

       Era de se notar de longe que estes três grupos não combinavam bem entre si: muita vaidade e ambição... que os pés de goiabas e jabuticabas de um lugar eram melhores do que dos outros... que os limões de um lugar eram mais azedos do que dos outros... que os cachorros de um lugar eram menos sem vergonha do que dos outros... que eles (os cachorros) tinham melhores olfatos para achar as cachorras perdidas do que dos outros... E por aí seguiam discutindo/brigando com palavrões o tempo todo. Além das lorotas vaidosas, havia muitos xingamentos feios, muitos empurrões, beliscões, trombadinhas de propósito, calços no pé de trás quando se saía da capela e nos corredores, e, sobretudo, aqueles 'pecadinhos' de passar a mão por detrás na b... e quando se descuidava um pouquinho aqui e ali... e muitos peidinhos fedorentos quando apareciam as oportunidades (durante as horas de estudo e de noite depois que Padre Marino apagava as luzes, e mesmo nas horas de recreio sem menos esperar). Era só catimba pra lá e pra cá de um grupo contra os outros...  Padre Marino observava tudo aquilo caladinho, com o olhar de um corujão resignado, pois havia muitos padres disponíveis para ouvir as confissões desses 'pecadinhos’... - incluindo aqui 'os maus pensamentos' -  (o falecido Padre Luís morria de rir quando chegava sua vez de ouvir as confissões!).

      Porém, o ambiente entre estes três grupos foi ficando cada vez mais tenso e carregado de magnetismo, e a coisa foi complicando-se de mal para pior: muita briga com bordoadas pra valer... Chegou ao ponto de o Padre Marino, após consultar-se com o Padre Clemente, e com a aprovação do Padre Lucas, ter selecionado 4 'capetas' representantes de cada grupo:
      Grupo 1 de Juiz de Fora: Arnaldo, Alfredo, Benone; reserva: Vicentão.
      Grupo 2 de Senhora de Oliveira: João Saturnino, Rosalino, Ildeu; reserva: Canhão.
      Grupo 3 de Leopoldina: Zé Geraldo, Lydio, Carlinhos; reserva: Edmundo.

      Padre Marino primeiro alugou um ônibus de assentos duros, e com os 3 grupos partiram juntos para o litoral e foram sair lá em Porto Seguro, no Recôncavo Baiano (território que deveria pertencer aos mineiros; talvez um dia...).  De lá, alugou uma velha balsa importada de Belém do Pará, e foram encalhar numa ilha chamada – conforme a tradição dos mais velhos -Marteinz Veinz, uma Irma gêmea da Martins Vaz. Despejou os 3 grupos lá e disse-lhes: que se virem e revirem!
      Na ilha só havia uns poucos pés de coco, muitos morcegos chupadores de sangue, algumas lagartixas rajadas, gaivotas bicudas, aqui e ali caranguejos tortos, e muitas latas e garrafas vazias... O resto era só areia, pedras e uns lixos podres que iam chegando do Mar dos Sargaços...  Claro, aí sim é que aumentou a safadeza entre os grupos...  Até que um dia chegaram à conclusão por unanimidade que o certo era que EASISTA DEVIA RESPEITAR UM AO OUTRO conforme ditava o Sermão da Montanha e o mandamento do deserto... Então era abraços pra lá e abraços (não beijos) pra cá. Começaram a se afinar em tudo direitinho com muito respeito e educação um para com os outros; por exemplo: quando um precisava fazer uma necessidade biológica (isto é, uma cagada boa) devia afastar-se para longe e esconder-se, etc.
      Num belo dia sem ventos e tempestades, um deles (a tradição fortemente indica que foi o Rosalino) avistou uma garrafa boiando por perto e ele logo pulou na água para agarrá-la e assim aumentar sua coleção que já estava bem avançadinha... Deparou, todavia, com que havia algo estranho dentro da garrafa em um envelope de plástico, e também que a garrafa era meio protegida por uma casca de bananeira (tipo a Germana atual). Rosalino, muito assanhado, pegou a garrafa e saiu correndo em direção aos grupos que, nestas alturas, estavam concentrados ouvindo a piada do mineiro, do gaúcho e do paulista... Todos se concentraram agora na garrafa e depois na mensagem, muito curiosos. Porém, outra vez, o problema era quem iria ler a mensagem?! Começaram o jogo de porrinha... Primeiro, quem seriam os dois primeiros e assim por diante... Veio a noite e não se chegara a um finalista... Decidiram continuar na madrugada... Foi muito divertido o jogo de porrinha! Finalmente apareceu o ganhador, aquele que iria oficialmente ler a mensagem (se não estivesse em latim):

                                               O   A L F R E D O ! ! !

      Porém, sem demora, começaram os protestos contra o Alfredo, que, nestas alturas, parecia mais uma toalha amassada:
-        que o Alfredo tinha a voz de vendedor de remédios... até ajudou no nome de Senhora dos Remédios;
-        que o Alfredo grita com voz retumbante e esperneia quando o ônibus está lotado;
-        que o Alfredo tinha a voz de pato rouco de tanto rezar as penitências de seus pecadinhos depois das confissões;
-        que a voz do Alfredo estragou-se bastante também de tanto falar/cochichar de noite com seu travesseiro... (aprendeu com o Toinzé);
-        que a voz do Alfredo se estragou um pouco depois que começou fumar aqueles ‘cigarros dos padres’ influenciado pelo Arnaldo;
-        que a voz do Alfredo parecia um murmúrio da 'Mula sem Cabeça' nas noites sem lua;
-        que o Alfredo não deveria desgastar muito sua voz, pois iria precisar dela no futuro para discutir com ambulantes e pequenos produtores/criadores/agricultores sobre arrecadações de impostos;
-        que a voz do Alfredo tinha o sotaque dos tropeiros, a quem ele se juntava, para vender seus remédios de porão;
-        que a voz do Alfredo não era apropriada para este ambiente marítimo, mas sim para o mundo interior de Minas nas sombras das estatuas do Aleijadinho;
-        que a voz do Alfredo, às vezes, combinava com a do Sapo-Boi-Cururu sendo muito monótona e sem graça... talvez ela servisse para espantar grilos mal-educados;
-        que o Alfredo nem sabia pronunciar a palavra GOL direito... sempre dizia GOLE... GOLE...GOLE... mais um GOLE!;
-        que a voz do Alfredo se desarranjou de tanto gritar 'meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?… depois de tanto cair nos jogos/peladas e acrescentava ainda na sua súplica: 'por favor, Deus, eliminai a Lei da Gravidade nos campos onde estou jogando bola'.

E seguia por aí a ladainha de protestos contra a indicação do Alfredo... Chegou a um ponto em que todos concordaram:  ELIMINARAM O ALFREDO POR CAUSA DA SUA VOZ (no final haverá mais comentários sobre este assunto).

        Resolveram substituí-lo, sem reclamações, como sempre acontecia nos campos de jogos/peladas... Depois de dar um empurrão no Vicentão, o Acelerado Benone, com voz de futuro vendedor de sapatos/alpercatas para moleques, abriu a boca e anunciou, piscando o olho esquerdo: CADA GRUPO SÓ TEM UM DESEJO ÚNICO (assinado por Padre Marino).

                    Levaram mais dois dias jogando porrinha para determinar qual grupo iria primeiro, segundo e terceiro, e também quem seria o leitor de cada grupo com relação ao 'desejo'. Pois bem, para fazer esta 'Tradição Oral' menos longa e menos cheia de zigue-zagues, e para evitar muita falação sem PÉ nem cabeça, ficou a ordem dos grupos assim:
  
-        Primeiro: Grupo de JF ---- orador: Vicentão (que tinha voz tipo comandante da Arca de Noé);
-        Segundo: Grupo de SO ---- orador: João Saturnino (que tinha a voz do deus Saturno);
-        Terceiro: Grupo de LEO --- orador: Edmundo (que teria a voz de fazer subir e abaixar aviões).

                   Porém, foram todos dormir, porque começou uma chuvinha enjoada e fria vinda do sul, isto é, do Continente Antártico (onde só tem pinguins, etc...). De manhã cedo, depois de pentearem os cabelos com os dedos, mesmo em jejum, todos estavam alertas, curiosos e animados para o que desse e viesse...
                   Então o orador Vicentão pediu a palavra e a atenção de todos, porque já estavam começando a desmoralizar... Tentou e falou com uma voz não muito impressionante: o nosso desejo é: VOLTAR IMEDIATAMENTE PARA O SEMINÁRIO SANTA ODÍLIA e estudar muito sem briguinhas... B U M !.... ZUN!... Passou como que um relâmpago cósmico, arrebatou-os e foram aparecer sentados na sala de estudos e logo começaram a fazer o dever de tradução de latim dado pelo Padre Lucas...
                   Em seguida veio a vez do Grupo de SO. O orador João Saturnino (cujo nome, conforme a tradição, parece ter sido sugerido pelo Zeus Júpiter encarnado em murundus de cupins) adiantou-se e com a boca um pouco torta, imitando uma estátua do Aleijadinho, despejou sem respirar: o desejo do nosso grupo é VOLTAR IMEDIATAMENTE PARA O SEMINÁRIO SANTA ODÍLIA e ir para a sala de recreio... B U M!... Z U N!... O mesmo relâmpago galáctico os arrebanhou, e (conforme a tradição) foram aparecer sentados naqueles banquinhos do lado de fora da sala de recreio, cortando os cabelos uns dos outros, bem como, aproveitando a oportunidade, catando um piolho aqui e ali... tudo dentro de um clima pacifico e respeitoso mesmo sob as gozações de alguns plebeus biscoiteiros...

                    Foi então que chegou a vez do último Grupo de LEO... Notou-se que esse grupo parecia muito triste e até mesmo com os olhos um pouco molhados de lágrimas (de jacaré), e sobretudo inquieto... Pois Zé Geraldo não parava de coçar o saco... O Lydio só assoando o nariz de um lado e de outro... O Pandeló soltando uns PUNS fedorentos... Mas o quietinho Edmundo, com sua voz de fazer aviões pedirem licença, anunciou bem claro, olhando para as nuvens: o nosso desejo é... é... é que OS GRUPOS DE JUIZ DE FORA E DE SENHORA DE OLIVEIRA VOLTEM IMEDIATAMENTE PARA CÁ, PARA ESTA ADORÁVEL ILHA, onde não precisamos estudar-rezar-trabalhar-confessar nossos pecadinhos... Ademais, estamos já com muitas saudades deles! B U M!...B U M!
...Z U N!...  Z U N!...   Lá voltaram os grupos para a Ilha Marteinz Veinz... E outra vez começaram as braçadas, os xingamentos feios e tudo o mais...

                    Conforme a tradição, nenhum deles virou santo nem terminou o seminário menor. Todos cresceram e multiplicaram-se adequadamente...

(Esta tradição oral ainda está sendo passada de geração em geração... Agora precisamos de um estudioso para averiguar os detalhes sem deixar-se levar pelas emoções).

EASISTA FIEL: Geraldo Hélcio Seoldo Rodrigues – 75 anos de idade – vivendo no meio dos cactos dos desertos de Arizona, com barba e, às vezes, usando bengala.