sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Entrevista com Raimundo Nonato

Entrevistado: Raimundo Nonato Costa  (67)
Período no seminário: 1958-1964
Formação acadêmica: Curso de Formação de Oficiais
Países onde fez cursos de aperfeiçoamento: Portugal, Espanha, França, Holanda, Alemanha, Suíça, Itália, Estados Unidos e Guiana Francesa

Apresentação
Ele galgou os degraus da escada íngreme na vida profissional, chegando ao posto máximo dentro de sua carreira e aponta os caminhos para os mais jovens. Fala afetuosamente de sua esposa, Nazaré, e é evidente a felicidade do casal, na medida em que se observa que os dois, sempre juntos, demonstram a grande alegria das pessoas que conhecem os atalhos para o sucesso na vida conjugal.
Demonstra sua gratidão pelos padres do tempo do seminário. A disciplina aprendida naquela casa abençoada, onde tudo era realmente cronometrado, deixa sua modéstia aflorar, ao agradecer a oportunidade de ter sido seminarista.
Nazaré e Nonato: a alegria
de um casal que conhece
o atalho para o sucesso
da vida conjugal.


Sua profunda preocupação com o ser humano o fez escolher ser um salvador de vidas. Por ser, entre outras qualidades, estudioso, religioso, pontual, rigoroso no bom sentido e competente, iniciou no Corpo de Bombeiros como soldado e chegou ao posto máximo de coronel. Atingindo esta patente, tornou-se Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros do Estado do Pará. Diante desta constatação, vemos que nosso entrevistado é um verdadeiro vencedor.
Quando fala do Pará, percebe-se claramente seu amor por sua terra, pelo povo, pela cultura, pela riqueza moral e natural do seu torrão. Traçou diversos projetos em prol da sociedade. É um dos responsáveis por estes magníficos encontros dos ex-seminaristas que acontecem anualmente. Nós nos orgulhamos de ter colegas do quilate do Raimundo Nonato Costa e muitos outros. Grande colega, nosso entrevistado é um exemplo de vida para qualquer cidadão de bem.

I – PERFIL

Cheguei ao Seminário no dia 23 de março de 1958, com 14 anos de idade, e saí em outubro de 1964, com 21 anos, período em que cursei a antiga admissão, todo o ginasial, indo até o 2º científico, como era chamado naquela época.
Adriano, Andrei, Nonato e
Artur

FAMÍLIA: Sou filho do meio de uma família de sete irmãos, sendo duas mulheres e cinco homens. Destes, dois já faleceram, e meus pais também. Meu pai era um simples artesão que fazia sapatos, profissional de primeira linha. Minha mãe cuidava da família em casa. Ambos conseguiram criar e educar muito bem todos os filhos, porém com muito sacrifício. E graças aos exemplos, à dedicação e ao amor de ambos, todos os seus filhos se formaram, constituíram belas famílias que estão bem e moram todos em Belém. Casei-me, em janeiro de 1972, com Nazaré de Fátima, esposa, amiga e companheira. Graças às suas virtudes, seu amor e dedicação, hoje contamos com 39 anos de muitas felicidades em nosso lar.

 Nonato e Nazaré e os netos: Antônio José, Andrei Nonato,
Andra Helena e Adrielle Cilena
Temos três filhos: o Andrei que é tenente-coronel do Corpo de Bombeiros, casado com Adamilena. O casal tem quatro filhinhos, todos lindos e sapecas: Adriele (6 anos), Andra (3 anos), Andrei Nonato e o Antônio José, ambos com um ano, são gêmeos, portanto já sou avô. O Adriano é engenheiro civil e está noivo. O Artur, ainda solteiro, é administrador de empresas, fez o mestrado e é professor universitário. Estes dois ainda moram conosco. Todos são bons filhos, constituem um presente que Deus nos deu.



De pé: os noivos - Adriano e Juliana,; assentados: Nonato e Nazaré

Colagem: a partir da esquerda: de pé - Andrei, Artur, Adriano, assentado -Nonato e Nazaré; de pé - Andrei, Adalmilena, assentados:  Nonato e Nazaré e os netos: Antônio José, Andrei Nonato, Andra Helena e Adrielle Cilena; Nonato e os netos: Antônio José, Andrei Nonato
ESPORTE PREFERIDO: Meu esporte preferido sempre foi o futebol, mas hoje tenho a frustração de não poder jogar mais por causa da vista. Gosto também de natação, mas atualmente meu esporte preferido mesmo é viajar de carro com a família, especialmente viajar com a Nazaré por esse Brasil afora. Assim, temos feito muitas viagens fantásticas.

FILMES E LEITURA PREFERIDA:Aprecio bons filmes, de preferência de humor e bangue-bangue.
Por leitura não tenho preferência, leio de tudo, mas não gosto muito de leitura de autoajuda, que está empesteando o comércio. Sou viciado em palavras cruzadas. Curto boas músicas e adoro o canto gregoriano. Adoro levantar cedo, respirar o ar puro da manhã, ouvir os pássaros, cantar e cuidar do jardim.

"Creio em Deus, como o Ser Supremo e Criador de todas as coisas. Acredito em todas as religiões, cujo objetivo seja louvar a Deus e servir como meio para conduzir o ser humano ao bem e à felicidade ".        

FILOSOFIA POLÍTICA, RELIGIÃO E PESSOAS QUE O INSPIRAM:

Como todos os seres humanos, sou um ser político na acepção da palavra, gosto e vivo em sociedade. Não participo de política partidária, mas lamento muito que hoje no Brasil não existam partidos políticos com ideologia própria, uma filosofia ou um programa pelo qual possam lutar para implantá-lo, são incapazes de formar uma oposição responsável ou de brigar por uma causa digna e patriótica.
RELIGIÃO Creio em Deus, como o Ser Supremo e Criador de todas as coisas. Acredito em todas as religiões, cujo objetivo seja louvar a Deus e servir como meio para conduzir o ser humano ao bem e à felicidade eterna para a glória de Deus. Sou católico apostólico romano e entendo que esta Igreja não é, sempre, só o dom de Deus. Mas também é muito humana.
PESSOAS QUE O INSPIRAM:Uma pessoa que sempre me inspirou e me inspira até hoje, apesar de já ter falecido, foi meu pai, por sua vida exemplar de humildade, muita sabedoria, abnegação e perseverança. Era um batalhador incansável, amante e temente a Deus. Também me inspiro em minha mãe, por seu amor e toda a dedicação à nossa família. Inspirei-me muito nos meus mestres, tais como os padres Jorge Cursters, Marino Verkuylen e Humberto Nienhuis. Com este último, apesar de polêmico e controverso, aprendi muitíssimo. Padre Justino e o nosso inesquecível Professor João Dias Ibiapina.  Uma pessoa que nunca esqueci e sei que teve muita influência em meu comportamento foi a catequista que me preparou para a primeira comunhão e que nos monitorava na Cruzada Eucarística, chama-se Maria Araújo, hoje bem velhinha. O Cel. Oliveira,militar de postura ilibada e com firmeza de caráter. Hoje me inspiro muito nos meus filhos, e a grande inspiração de minha vida   é a minha querida esposa.
CITAÇÕES QUE ASSINARIA EMBAIXO:Poderia citar várias frases bonitas e bem elaboradas, mas nenhuma diria nada perante estas duas: "Ama o próximo como a ti mesmo" e "Não faças aos outros o que não queres que façam contigo". Estas são a base de tudo, de todos os princípios, da filosofia, da moral e da ética, da conduta do bem viver e até da política.


Coronel Nonato Comandante
 Geral do CBMPA de 1988
 a 1991 e de 2003 e 2004

"Acredito ter cumprido a missão que Deus me destinou como profissional bombeiro e a Ele sou totalmente
agradecido".        


VIDA PROFISSIONAL:Abracei a carreira militar. Alistei-me no Corpo de Bombeiros, fiz o Curso de Formação de Oficiais, galguei todos os postos de Aspirante a Coronel. Fiz todos os cursos regulares para percorrer esta ascensão funcional. Para meu aperfeiçoamento profissional tive que fazer vários cursos de especialização e viagens de estudos, não só por alguns estados da federação como também pelo exterior, como Portugal, Espanha, França, Holanda, Alemanha, Suíça, Itália, Estados Unidos e Guiana Francesa. Entendi que, para ser bombeiro, tinha de ser eclético, pois a profissão o exigia. Na verdade foi o que aconteceu: como bombeiro combatente, desenvolvi tarefas na área de engenharia civil, química e hidráulica, não só no combate a incêndio, mas principalmente na área de prevenção; nas tarefas da área de saúde, às vezes como paramédico e socorrista; na área de resgate, fui alpinista, mergulhador, atuando no ar, na terra e no mar; na área de ensino, fui instrutor, professor, pedagogo; na área de direito, fui advogado e juiz como comandante em vários níveis e como Coordenador de Defesa Civil no Estado, fui administrador, psicólogo, assistente social, conferencista, estrategista, contabilista, economista e relações públicas. Na formação acadêmica civil sou Administrador de Empresas, com Curso de Especialização em Organização e Métodos. Por dedicação à bombeirística, abandonei no fim do terceiro ano a Faculdade de Farmácia e Bioquímica, como deixei também de fazer o Curso de Educação Física, depois de ter passado no vestibular. Acredito ter cumprido a missão que Deus me destinou como profissional bombeiro e a Ele sou totalmente agradecido.

Padre Humberto
"O nosso famoso e, por que não dizer, estimado Padre Humberto que, quando me chamava a atenção em razão das minhas inflexibilidade  e rebeldias, sempre me aconselhava".

II – PERGUNTAS GERAIS

Blog – Fazendo uma retrospectiva da vida, o que a EASO significou neste contexto?

Nonato – As circunstâncias da vida no Seminário são responsáveis pelo que sou. Lá vivi dos 14 aos 21 anos, exatamente todo o período em que um jovem se desenvolve. Adquiri um perfil físico, moral, comportamental e de conhecimentos básicos, ou melhor, a educação para a vida futura. Apesar dos conflitos que eram próprios da época, para mim tudo foi muito positivo. Saí de lá embasado para qualquer curso acadêmico, disciplinado, de modo que não tive problemas de adaptação na vida militar. Nesse quesito, há um particular muito especial que vale ser mencionado: o nosso famoso e, por que não dizer, estimado Padre Humberto que, quando me chamava a atenção em razão das minhas inflexibilidades e rebeldias, sempre me aconselhava com as sábias palavras: "Meu filho, as coisas não são assim, você tem que ser mais flexível, mais humilde, precisa ter disciplina; em todo lugar, para se dar bem, há que se ter disciplina de ações, tanto para consigo como para com os outros". E, nesse diapasão, falava como se estivesse prevendo o meu futuro: na vida militar, por exemplo, muitas vezes se tem que fazer o que não se quer, mas é preciso obedecer, senão há consequências... Muitas vezes na minha vida profissional, quando surgiam certos conflitos, naturalmente tinha que refletir e aceitar o conselho basilar do Padre Humberto. Cada passo daquela vivência me marcou muito, a disciplina com os horários, para as aulas, para as refeições, para rezar, para dormir e para o recreio. Acredito que, em função desta disciplina, me acostumei a obedecer aos horários especialmente para as refeições até hoje! Foram tantas as influências, especialmente na convivência com os colegas, o respeito que se tinha pelos mais velhos e a amizade com todos.

Blog - Quais as lembranças que você tem da EASO e das pessoas com quem conviveu?

"... meu amigo e irmão José Rafael".

Foto à esquerda: Rafael e Nonato nos anos 60
Nonato – Eu sou um saudosista contumaz e as lembranças vêm e voltam, dependendo de cada momento. Lembro-me dos lugares, como por exemplo, aquela subida sinuosa para se chegar ao Colégio, passando pelo nosso campinho de peladas, da sala de recreios, ali embaixo, ao lado esquerdo do prédio, do primeiro dormitório, com a janelinha para o quarto do Padre Marino, por onde um colega sonâmbulo passou e foi assustar o Padre. Da hora das refeições e do tempo em que eu e alguns colegas coletávamos pedrinhas do arroz, a ponto de encher uma caixinha de fósforos em apenas uma semana. Da sala de estudos, das épocas de provas próximas das férias, das férias em Santana do Jacaré e das viagens que se fazia para lá, em cima de um caminhão cheio de colchões por aquela estrada que era só poeira. Das visitas às fazendas de onde trazíamos sacos de laranjas, das caminhadas no sol quente para a piscina no clube da cidade. Das peladas no nosso campinho na frente do colégio, dos domingos à tarde, quando fazíamos as preliminares para os jogos do Comercial Esporte Clube. Por derradeiro, das férias em Belo Horizonte com a família à qual passei a pertencer. 
Todas as lembranças são boas. Das pessoas não se pode esquecer, da Sá Luca com seus biscoitos duros e seu bolo de milho que, aos domingos à noite, a gente roubava para comer escondido com alguns colegas na hora do recreio. E claro, da sua dedicação pelos seminaristas. Do Padre Marino ensaiando o nosso coro e jogando bola de óculos, e da conversa particular em sua sala, o que acontecia periodicamente. Do Padre Humberto, não só pelas suas piadas e "cutucadelas" com o cotovelo, mas também pelas aulas de Declamação e Matemática. Do grande professor de Português, João Dias Ibiapina, com sua peculiar didática, do "caderno nobre" que ele sabia que ia nos ser muito útil. Porém, sempre avisava: "Se este caderno de nada servir para vocês agora, pelo menos guarde-o para, quando nele olharem, sentirem saudade e se lembrarem de mim." Ele nem imaginava o quanto este caderno iria valer-me, como de fato aconteceu.
Nonato (à esquerda) com os colegas, nesta foto a presença
de Eustáquio, Padre Agostinho e Max (de chapéu) 
Lembro-me dos colegas com os quais convivi, um aprendizado para conviver com as diferenças. Lembro-me em especial do Edson, que teve a coragem de me escalar para o primeiro time, do Bessa, único padre daquela turma, meu irmãozão e às vezes confidente, do Reginaldo, o craque do futebol e o melhor jogador do colégio, do Carraro, meu rival, do Antônio de Ázara, outro irmãozão, do João Henrique, o homem que sabe fazer churrasco, do Benone, do Alfredo e do Renato Fideles meus amigos de turma, do Marcos Rocha, o nosso ponta esquerda, do Tião Coelho, o nosso goleirão e a patota das traquinagens e peraltices, tais como Tião Rocha, Aloísio, Geraldo Lemos, Pedro Afonso e o meu amigo e irmão José Rafael. Enfim, lembro-me de todos e tenho muita gratidão por terem me suportado e terem colaborado na minha formação de cidadão.

Blog – Para você o que é ser bem-sucedido na vida?

"... olhar para o passado e ver que tudo
 o que fez foi com amor... ".

Anos 60, Padre Lucas condecora
Nonato
Nonato – Em princípio, dificilmente o homem será bem-sucedido enquanto ele aspirar a mais alguma coisa. Contudo, olhando pelo ângulo das realizações na fase da vida em que o homem desenvolve suas atividades produtivas ou profissionais e, ao chegar à idade como a nossa, já aposentado de qualquer atividade, pode fazer-se uma avaliação de sua vida e de seu espírito, se ele se sentir tranquilo e satisfeito com tudo o que fez e sem nenhum arrependimento, sentir que agradou pelo bem que fez com sua atividade, pelo menos à maioria daqueles com quem conviveu, sentir que uma grande parcela deles lhe devota admiração e apreço, olhar para o passado e ver que tudo o que fez foi com amor e se tivesse que refazer, ou começar tudo de novo, ter convicção de que faria tudo do mesmo jeito, sentir a sensação do dever cumprido e recompensado pelo reconhecimento de tudo o que fez, este homem pode dizer que é bem-sucedido.

Blog – O que o levou a se incorporar no Corpo de Bombeiros?

Quartel do Comando Geral   do
Corpo de Bombeiros Militar
do Pará (CBMPA).
Nonato – De uma coisa tenho certeza: não foi um ideal sonhado. Nunca pensei em ser bombeiro, mas tão logo me incorporei e conheci a profissão, adotei-a como meu ideal e passei a vivê-la com dedicação total. Na verdade, o que me levou para o Corpo de Bombeiros (CB), primeiro foi a necessidade, depois a oportunidade. Necessidade porque estava procurando emprego que, na época, era o que mais precisava; oportunidade e até exclusividade, porque foi a única coisa que se me ofereceu e achei oportuno. Acho que o interessante não foi o que me levou a incorporar e sim, o que me fez permanecer no CB. Quando resolvi incorporar-me, a minha intenção era "passar uma chuva" até arranjar uma coisa melhor, mas logo senti que aquela era a melhor coisa. Quando tomei conhecimento do que se fazia na corporação, a partir do lema "vidas alheias e riquezas a salvar" e a filosofia de vida "servir bem sem olhar a quem", aí não tive dúvidas de que Deus não me quis como salvador de almas, mas sim como salvador de vidas e bens materiais. A essa altura dos acontecimentos, minha inclusão no CB não seria mais um simples emprego, mas sim uma bênção e uma graça divina.

Blog- Como foi sua trajetória, desde o início na carreira até se tornar Comandante Geral do Corpo de Bombeiros do Estado do Pará?

Nonato – Não foi tão fácil, porque exigiu de mim muita dedicação, muitas renúncias e acima de tudo muita perseverança. Também não foi tão difícil porque gostava de tudo o que fazia e fazia com prazer e nada foi além da minha capacidade. Incorporei no CBMPA como Soldado Bombeiro, depois fiz o Curso de Formação de Oficiais e saí Aspirante a Oficial, depois fui galgando todos os postos, fui a 2º Tenente por merecimento, a 1º Tenente por antiguidade e depois todas as minhas promoções até Coronel foram por merecimento. Ainda como Tenente-Coronel, em 1988, quando o CB ainda era incorporado à Polícia Militar, assumi o comando do CB, subordinado ao Comandante-Geral da PMPA- Polícia Militar do Pará; em 1991, quando fomos desvinculados da PMPA, passei a ser Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Pará.

"... e a implantação do Serviço de Prevenção e Proteção contra Incêndios, em 1974, ..., hoje Belém quase não tem mais incêndio"

Blog - Que realizações foram mais marcantes ao longo de vitoriosa carreira?


Concurso público em 2003. Imagem
de parte do documento (clique e abra
o documento para  vê-lo  na íntegra)
Nonato – Sei que não sou muito modesto, por isso não gosto de falar das minhas realizações, prefiro que outros falem... Contudo, se vocês me perguntam, me aguentem: quando entrei para ser bombeiro, senti que aqueles homens com um ofício tão nobre, pareciam não ter uma autoestima. Gostavam do que faziam, mas tinham vergonha de ser bombeiros, parecia-lhes uma profissão sem qualificação e por isso pejorada pela sociedade. Firmei o propósito de reverter o quadro e, ao longo dos anos, trabalhei juntamente aos colegas oficiais contemporâneos para melhorar o padrão de vida de cada um, dando-lhes o entendimento da grandeza do nosso trabalho em benefício da sociedade, ensinando-lhes novas técnicas, incentivando-os a estudar, cobrando uma boa apresentação, enfim proporcionando-lhes meios para sentirem-se com dignidade.
Minha satisfação foi imensa quando o Corpo de Bombeiros foi desvinculado da PMPA e assumimos o Comando-Geral. Trocamos  de uniforme e pude sentir realizado o objetivo desejado. Aqueles que tinham vergonha até de sair vestidos com o uniforme da corporação, agora, desfilavam pelas ruas uniformizados, cheios de orgulho, com brio e autoestima lá em cima. Considerei isso uma realização marcante. Podemos citar outras realizações: a estruturação organizacional e a implantação do Serviço de Prevenção e Proteção contra Incêndios, em 1974, que fez com que o número de ocorrências, no espaço de um ano, fosse reduzido consideravelmente e, com a continuação deste serviço, hoje Belém quase não tem mais incêndios.
Fui o primeiro bombeiro especializado em perícia de incêndio do Pará e criei o Setor de Perícia no Serviço de Prevenção, o que colaborou em muito para a redução dos incêndios. Fizemos um trabalho junto à Assembleia Constituinte do Estado em 1989, para desvincular o CB da PMPA e com sucesso, em 1990, conseguimos efetivar a desvinculação, criando uma nova corporação O CORPO DE BOMBEIROS DO ESTADO DO PARÁ.
Quando voltamos a comandar a corporação em 2003, conseguimos para o Estado, junto à Aeronáutica, novas instalações para o Comando-Geral do Corpo de Bombeiros, e hoje podemos dizer que temos um dos quartéis mais bonitos e mais bem localizados estrategicamente para proteger a cidade, se fizermos a comparação com outras cidades do Brasil.
Com mais de trinta anos de serviços prestados, foi oportuno desenvolver algumas realizações com dedicação e amor e hoje com a consciência do dever cumprido, tenho a satisfação de gozar da estima e ser recebido de braços abertos pelos atuais membros da corporação e ouvi-los afirmarem que, nos últimos tempos, cada momento importante da corporação teve a participação, a marca e a chancela do Coronel Nonato. Isso me deixa muito orgulhoso.

Blog- Que recomendações você daria para os jovens que desejam entrar para o Corpo de Bombeiros? Que oportunidades a corporação oferece?

Nonato – A primeira recomendação que faria é que estudem e se preparem bem, porque a concorrência é grande, atualmente são mais de 50 candidatos para uma vaga. Muitos querem ser bombeiros porque, desde a infância, sonharam com isso por causa da figura do bombeiro-herói. Isso é muito gratificante para nós, como motivo de relações públicas, mas se o jovem quer ser mesmo bombeiro, esqueça-se esse negócio de ser herói, herói é o homem morto. O CB precisa é de homens vivos, técnica e moralmente bem preparados e que sejam corajosos, altruístas e desprendidos, a ponto de renunciarem a qualquer coisa para efetivarem com sucesso qualquer missão. Preparem-se para executar algumas vezes ações extraordinárias, sem necessariamente se tornarem heróis. Finalmente quero dizer que a vida de um bombeiro é um constante exercício de amor ao próximo e vale aqui repassar as palavras de Santa Tereza d'Ávila: "Jamais podemos amar perfeitamente ao próximo se não existe em nós um grande amor a Deus", o que muitas vezes me foi ensinado.
Quanto à oportunidade que a corporação lhes oferece, é a satisfação de se tornarem úteis à sociedade, um ambiente sadio para trabalhar e um serviço do qual eles só vão se orgulhar.

Blog - E o Estado do Pará, como você descreve no cenário nacional, em termos de economia, cultura, crescimento social, etc.? Que espécie de atividades o Corpo de Bombeiros mais desempenha por lá?


"Apregoam um desenvolvimento sustentável que nada mais é do que condenar o estado a voltar ao extrativismo e a população a voltar para as ocas".


Nonato – A economia paraense vem desempenhando um papel destacado na estratégia nacional para o equilíbrio das contas externas do país, figurando entre os maiores estados exportadores do Brasil. As principais atividades econômicas estão voltadas para o mercado externo, figurando com destaque na pauta de exportação. Os principais produtos exportados pelo Estado do Pará são: entre os minerais, hematita, alumínio e derivados, caulim, alumina e óxidos, ouro, bauxita, ferro-gusa, manganês e silício; produtos tradicionais: madeira, pasta química de madeira, pimenta, camarões congelados, castanha-do-pará, palmito em conserva, dendê, peixes, móveis e artigos de madeira, couros e peles, sucos e frutas. Devo ressaltar que o Pará é um estado com uma população muito pobre, com um índice de analfabetismo muito alto, portanto, um estado pobre, mas potencialmente rico. Vale notar que o Pará é detentor das principais jazidas minerais do país e do mundo, dentre as quais se destacam o minério de ferro, bauxita e cobre. Também com grande potencial de minerais não metálicos, como a gipsita, quartzo, caulim e muitos outros como o petróleo, urânio e mais. Não sei por que razão, não se pode nem falar que tudo isso existe no Pará. É importante destacar que o Estado do Pará concentra em seu território cerca de 34% de toda a Bacia Amazônica, ou seja, mais de um milhão de quilômetros quadrados, sendo incalculável seu potencial hidrelétrico que está sendo subutilizado com a Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
A fisiografia do Estado do Pará, como toda região amazônica, condicionou fortemente o processo de ocupação econômica do seu território até meados do século XX, tendo por base o extrativismo animal e vegetal. Com abertura de grandes eixos viários, tanto no sentido norte-sul, através da rodovia Belém-Brasília, como leste-oeste, com a Rodovia Transamazônica, essa tendência natural alterou-se radicalmente nas décadas de 1960, 1970, 1980 e 1990, dando origem à implantação de grandes projetos agropecuários e industriais, desencadeando um intenso fluxo migratório que fez proliferar numerosos núcleos urbanos, especialmente no sul do estado. Esse processo foi induzido pelo governo brasileiro a partir da década de 1960. Tornou-se ainda mais acelerado na década seguinte, através de políticas de desenvolvimento regional com o objetivo de integrar o Pará à economia nacional. Ao final desse período, o estado chegou a absorver cerca de 40% das migrações interestaduais, revelando o caráter polarizador que passou a assumir na região.
Hoje o Pará sofre um descompasso, é o inverso, as políticas públicas direcionadas para cá são feitas sob ideologia terrorista de devastação da Amazônia, aquecimento global, agora mudanças climáticas, falta d'água no planeta e outras baboseiras, afetando a economia do estado, onde é proibido plantar soja, cana-de-açúcar e até criar gado. Não se pode fazer pasto. Apregoam um desenvolvimento sustentável que nada mais é do que condenar o estado a voltar ao extrativismo e a população a voltar para as ocas.
Quanto à cultura, um traço marcante do povo paraense é a hospitalidade. Somadas a esta afetividade que prende, no bom sentido, e cativa os visitantes, temos as comidas regionais, como o pato no tucupi, o tacacá, a maniçoba, o vatapá, o caruru, o pirarucu e uma variedade de pescado com o sabor especial da terra paraense, sem contarmos com a variedade de frutas com as quais são feitos sorvetes e outras delícias com sabores diversos, não se esquecendo do açaí. Na arte cerâmica temos a cultura marajoara, tapajônica e outras. Temos o Círio de Nazaré, que é a maior festa religiosa do povo paraense. Mas também não deixa de haver os costumes, como também o seu folclore; deleitamo-nos com as danças como o carimbó, o síria, a lambada, e agora o brega. A propósito: venham nos visitar, o Pará terá um enorme prazer em recebê-los, assim poderão sentir o que não sei, ou não consigo descrever.

Blog – Que espécie de atividades o Corpo de Bombeiros mais desempenha por lá?

Nonato – O Corpo de Bombeiros desenvolve várias atividades, além de combater incêndios, que podemos dizer que é a sua principal razão de ser. Por sinal, hoje é o que menos se executa no CB, em função do eficiente serviço de prevenção, a sua principal atividade. Esse serviço de prevenção é executado diariamente através de vistorias nas edificações, aprovação de projetos de segurança contra incêndio e educação, através de cursos e palestras. Quanto aos serviços de socorro, o que mais se destaca é o serviço de salvamento, principalmente nas ocorrências de acidentes de trânsito.

Blog – Após ter chegado ao posto máximo no Corpo de Bombeiros, a que atividades você se dedica atualmente?

Nonato – Atualmente a minha atividade... Bem, já tive outras atividades depois que aposentei, mas atualmente mesmo a minha atividade é a mesma de quando era moleque: faço o que quero e o que bem entendo e às vezes nada, além de brincar com meus netinhos, cuidar do meu sitiozinho, viajar com minha esposa e tudo mais o que Deus me permite, a Quem rendo muitas graças.

Blog – Em que pontos a sua formação como seminarista ajudou no sucesso de sua profissão e de suas atividades atuais?

"... saber conviver com diferentes tipos de comportamentos...".

Nonato – Como já citei, tudo que aprendi no tempo de seminarista e as circunstâncias daquela vida, são responsáveis pelo que sou. Os pontos de maior relevância daquele aprendizado são a disciplina, o cumprimento dos horários, o respeito que se tinha para com os mais antigos, isso me ajudou muito no trato com a hierarquia. O amor ao próximo que nos era ensinado, saber conviver com diferentes tipos de comportamentos, isso foi o maior prodígio para nossa vida.  Uma coisa que inegavelmente foi de muito grande valia para mim, foi  lá que aprendi a estudar, e a outra foi que ao deixar o seminário saí com base de conhecimentos para enfrentar qualquer curso de graduação.

Blog – Há algum fato pitoresco ou interessante que ocorreu com você naqueles velhos tempos?

Nonato – Fato pitoresco ou interessante que tenha ocorrido comigo, no momento não me ocorre nenhum. Sempre fui um cara comum que vivia e vivo o dia a dia da maneira que se apresenta, procurando viver da melhor maneira possível. Entretanto, se porventura a minha rebeldia e o meu espírito de aventura tenham extrapolado algumas vezes... Mas isso quem sabe contar são meus colegas e meus antigos mestres, eu não me lembro.


Blog – Há algum outro esclarecimento que queira oferecer aos nossos amigos do blog?
Em 2007, Rafael, Nonato, Benone e
Alfredo reunidos em Juiz de Fora,
tema: organização do I Encontro.  
Nonato – Quero dizer da minha satisfação de poder estar me comunicando com vocês, depois de quase 50 anos, e até poder me reunir anualmente com alguns. Este foi um sonho que almejei por todos estes longos anos e só foi possível depois que o meu estimado amigo José Rafael se juntou a mim com o mesmo sonho. Gostaríamos de ter conseguido isto bem antes, quando ainda não fôssemos, alguns carecas, outros de cabelos brancos e a maioria barriguda, para podermos jogar aquela pelada. A satisfação é grande, principalmente, em sentir que todos ainda guardam as boas lembranças daquela época e que todos formaram belas famílias e estão bem felizes.

domingo, 16 de outubro de 2011

Entrevista com o Professor Luís Fransen



Entrevistado: Ludovicus Johannes Hubertus Maria Fransen (86)
Nome adotado no Brasil: Luís Fransen
Natural de Helmond, Holanda.
Data de Nascimento: 13/09/1925
Formação acadêmica: Teologia/Filosofia/Língua Inglesa pela Universidade de Cambridge, Inglaterra.
Profissão: Professor (aposentado desde 1986)
Disciplinas que ministrou: História, Geografia, Filosofia, Francês e Inglês.


  
Eduardo Jenner (de pé), Professor Luís Fransen e Brigitte
 Louise
Apresentação
Esta é uma entrevista fora dos  moldes tradicionais. O nosso entrevistado encontra-se enfermo, tem os movimentos limitados e fala com dificuldades.Contudo, essas restrições não são totalmente impeditivas, o Professor Luís tem boa visão, excelente audição e, o mais importante , está em pleno gozo de sua capacidade intelectual. Dentro desse quadro, evitamos perguntas que pudessem exigir respostas mais discursivas, e, para trazer à tona aspectos relevantes de sua vida que pudessem exigir respostas mais elaboradas, contamos com a ajuda de sua sobrinha Brigitte e de seu amigo Eduardo Jenner, este um ex-aluno no Colégio Dom Cabral de Campo Belo. Com a ajuda deles, o Professor Luís nos relatou aspectos importantes de sua vida com poucas, mas significativas palavras.

Os dois entrevistadores, conselheiros do Blog, tiveram  semelhante impressão  desde o primeiro contato com o Professor: havia ali a presença de um espírito forte sustentado pela figura de um homem inteligente e realizado. Nenhuma de nossas fotos pôde captar, em sua inteireza, essa força, mas ela se manifesta na vivacidade de seu olhar e, sobretudo, num sorriso discreto que ilumina  sua face com uma expressão de serenidade, a dignidade mora ali em grandeza substancial. Num determinado momento da entrevista, como se quisesse deixar isso bem claro para nós, chamou sua sobrinha e, com dificuldades, disse-lhe baixinho ao ouvido: "Diga-lhes que sou abençoado"... "Muito feliz". E, como que para nos indicar a causa, completou: "sou um homem muito religioso".

Durante a nossa visita, houve uma pequena interrupção da entrevista para que o Professor pudesse receber alimentação parenteral. Uma casual evidência de que ele dispõe de recursos e amigos em favor da saúde e bem-estar dele e de sua esposa Emília, esta acamada. Adota-se  o rodízio de enfermeiras e secretárias do lar e, quando necessária, é chamada a assistência ambulatorial especializada em Mal de Parkinson e Tireoide. A localização de sua casa, na região central de Poços de Caldas, facilita o atendimento em domicílio para que lhe prestem os serviços e cuidados de que necessita, evita-se, assim, a internação hospitalar para eventuais recaídas de menor gravidade.

Um pouco antes do término da entrevista, numa surpreendente demonstração de sua capacidade de atenção para com as visitas, o Professor Luís chamou suas auxiliares e mandou que nos servissem  café com bolo de milho e pão de queijo, o que,  como bons mineiros que somos, não dispensamos. Noutro momento, fez um gesto muito eloquente enquanto apontava para o piso e dizia alguma coisa em voz baixa, sua sobrinha Brigitte interpretou-o: "ele está dizendo que quer visitas", o Professor concordou com um movimento da cabeça que não deixava dúvidas quanto ao asserto dessa versão. Prometemos, em nosso nome e de todos os ex-seminaristas, visitá-lo sempre que possível. 
Mostrou-se prestativo em se deixar fotografar, e, no dia seguinte, em nos ceder algumas fotos de seus arquivos.


A alegria com que nos recebeu e a emoção com que nos viu partir contagiaram-nos. 

Perfil




Professor Luís Fransen e Emília Fransen (foto de 1986)

Família: casado com Emília Fransen (89), tem fortes laços com a sua família holandesa através de sua sobrinha Brigitte que se considera como uma filha.

Hobbies:
  • Música clássica;
  • Poesia;
  • Esportes em geral; caminhadas, em especial;
  • Viagens pelo Brasil (Prefere cidades históricas).
Residências no Brasil:

Belém - PA: 1953/1954;
Campo Belo - MG: 1954/1963;
São Paulo - SP:1964/1986;
Poços de Caldas - MG:1987


Perguntas específicas

Professor Luís Fransen com os Crúzios, foto
dos anos 1960


Blog Que fatos são inesquecíveis em sua vida?

Professor Luís Fransen:
  • Primeira comunhão quando eu tinha 5 ou 6  anos;                                                 
  • Minha formatura no Colégio;
  • Minha Ordenação Sacerdotal;
  • Meu casamento com a Emília. 


Blog —  Que recordações o senhor tem do tempo em que era Professor no Colégio Dom Cabral? Alguma lembrança da Escola Apostólica Santa Odília?

 Professor Luís Fransen —  Tenho boas lembranças daquele tempo. Gostava muito dos meus alunos, mas  não me lembro de nomes de ex-seminaristas porque não dava aulas específicas para os seminaristas.



 Blog — O senhor teria algum conselho para os jovens que querem entrar na vida religiosa como sacerdotes?

Professor Luís Fransen —  Posso dizer que a vida religiosa é tudo e que a vida como sacerdote foi muito importante para mim . Mas é muito difícil dar conselhos para os que querem seguir o sacerdócio , pois já faz muitos anos  que eu saí da vida eclesiástica e não me sinto à vontade para aconselhar a esse respeito. Mas quero destacar: sou muito religioso.


 Blog —  O que o senhor destacaria na sua vida?

Professor Luís Fransen —  Considero-me abençoado e feliz pelo que fiz de minha vida e pelas oportunidades que tive de repartir o meu conhecimento com meus alunos. Tenho um casamento muito feliz e trabalhei duro na Cultura Inglesa de São Paulo.

 Informações prestadas por Eduardo Jenner:


Eduardo Jenner
(Set/2011)


Blog — Como você conheceu o Professor Luís e como é o  seu relacionamento com ele?

Campo Belo, anos 1960
Foto: cortesia de Rodolfo
Rodarte

Eduardo   Em 1958, quando eu iniciei o curso ginasial, nossa turma foi transferida para o prédio novo do Colégio Dom Cabral, foi o primeiro ano em que o Ginasial funcionou no prédio novo...  Eu fiquei conhecendo o professor em 1959. Naquele ano ele foi meu Professor no segundo ano ginasial, ele lecionava História e Geografia... Eu sentava na carteira da frente, da janela para a porta da entrada da sala, na segunda fila. Eu tinha um pequeno problema de audição e ficava sempre na frente, dada a qualidade das aulas do Professor que me prendiam muito. Ele me dava bastante atenção e eu me tornei seu admirador desde que assisti a sua primeira aula. Passados alguns anos, eu precisei sair de Campo Belo para iniciar a minha vida profissional, isso em 1962, depois de fazer o primeiro científico no Dom Cabral e o Tiro de Guerra em Campo Belo. Fui, então, para São Paulo e consegui um emprego no Banco de Crédito Real.  O motivo de eu estar fazendo essa explanação é para frisar que, de 1963 a 1966, o Professor e eu saímos de Campo Belo. Eu saí para um lado e ele para outro, ambos buscando suas opções de vida.  

 Blog  E como suas vidas se cruzaram novamente?

 Eduardo Cheguei a Poços de Caldas em 1986 e o professor chegou, já aposentado, em 1987. Eu vim a me aposentar em 1992. Com a aposentadoria, nós passamos a conviver mais.


 Blog Como foi esse reencontro?

Carteira de 1987


Eduardo Foi casual, eu morava relativamente perto dele, nos encontramos no caminho de uma leiteria que existia perto de nossas casas.  A partir daí ocorreu  a nossa reaproximação e quando eu me aposentei, em 1992, ele convidou-me para alguns passeios às cidades históricas. Ele queria verificar "in loco" aspectos de seus estudos de História e Geografia. Visitamos, então, algumas cidades históricas.  Fizemos de cinco a seis viagens, saíamos na segunda-feira e voltávamos na sexta. Foi um fantástico e rico período de nossas vidas.  E à medida que os anos foram passando, o nosso material foi se desgastando (pelo gesto que acompanhou sua fala, o Eduardo refere-se, neste trecho,  ao desgaste físico), o envelhecimento veio, e, ultimamente, nós estamos (plural de modéstia) dando a assistência que você acabou de perceber: um profissional da área de saúde vem dando um apoio para ele, ajudando com a alimentação parenteral. Atualmente eu convivo mais com ele de que com minha família de Campo Belo, meus irmãos, os quais moravam lá, já se foram...

Blog Parece-nos que não se trata de uma relação profissional, mas de uma convivência entre amigos, é isso mesmo?

Eduardo Amigo, amigo... desprendimento, afetividade.  (Aqui Brigitte fez um aparte, dizendo: "para nós da família do Luís, é muito importante o que o Eduardo faz, porque não podemos fazer o que ele faz...")

Blog — Você sabe por que o professor escolheu Poços de Caldas para morar depois que se aposentou?


Poços de Caldas, vista parcial, Set/2011


Eduardo  — O porquê não posso dizer com certeza, mas sei que não foi uma decisão casual, ele viajou a várias cidades  do Sul de Minas e escolheu Poços de Caldas.


 Blog Vocês mantêm contatos com Eduardo?(essa pergunta foi dirigida a Brigitte, mas foi o Eduardo quem respondeu primeiro)


Eduardo Sim, por correio eletrônico, nós temos passado as necessidades dele para a família na Holanda e, agora, para a Brigitte na Bélgica, pois, com a morte da mãe dela,  é ela quem cuida dos assuntos do Tio. A família tem feito um trabalho muito importante, está sempre presente nestes últimos cinco anos.

Brigitte: (referindo-se ao  seu  relacionamento com o seu Tio Luís): nós temos uma relação muito carinhosa, muito boa para mim também... É uma troca em que nós dois somos beneficiados.



Informações prestadas pela sobrinha do Professor, a Senhora Brigitte Marie Louise Kuijpers van den Assem

Brigitte

Blog — Brigitte, gostaríamos que você falasse um pouco de você e de sua família? 

Brigitte Sou filha da irmã mais velha do Luís. Eu  tenho cinco irmãos, ou melhor, dois irmãos e três irmãs. O Tio Luís tem, também, cinco  irmãos (um irmão e quatro irmãs). Eu vivo na Bélgica há um ano, casei-me com o Hans e, infelizmente,  não tenho filhos.

Blog Por que você, e não outro da família, cuida de seu Tio?

Brigitte — Minha mãe ajudava ao Tio Luís, da Holanda. Depois que minha mãe morreu, há dez anos, eu substituí minha mãe e sou como se fosse uma filha do Tio Luís. Eu já estive no Brasil por seis meses, em 1976-77. Viajei por todo o país e nos intervalos, entre um passeio e outro, eu ficava, por algum tempo, com meu tio e tia. É por isso que eu os conheço melhor do que os outros membros da família o conhecem.


Blog Você vem com frequência ao Brasil?
Brigitte    Em 1976 tive que viajar sozinha no Brasil durante seis meses. Em 2008, meu marido e eu viemos ao Brasil e fizemos uma viagem ao Pantanal, a São Paulo, a Brasília, ao Rio de Janeiro, às Cataratas do Iguaçu  e  a Poços de Caldas;  em 2009, fiz um trabalho voluntário na Santa Casa por quase três meses; em 2010, vim a Poços de Caldas com meu marido, ficamos algumas semanas aqui; em 2011 estive  aqui em Poços de Caldas duas vezes, primeiro em maio, quando meu Tio ficou doente, depois,  agora em setembro, por mais dez dias.


Blog — Como você aprendeu português, praticando ou estudando?
Brigitte Aprendi algumas palavras quando estive no Brasil, em 1976, mas depois estudei Português na Holanda, e, pratico  quando venho aqui

Blog: — Qual é sua profissão?

 
Brigitte Eu sou formada em Business Administration (Administração de Empresas). Quando falo Business Administration ninguém  aqui  entende. Estudo também Health Science (Ciência de Saúde). (Eduardo fazendo um aparte: “desta vez ela ficou aqui em Poços de Caldas mais tempo e vai embora depois da amanhã. Está trabalhando e se aperfeiçoando em hospitais daqui”).
Blog Fale um pouco sobre o Professor Luís.

Professor Luís Fransen em seu escritório (foto de 1997)


Brigitte Ele é um intelectual, poliglota, tradutor, está sempre estudando, gosta muito de ler (Eduardo esclareceu que de três meses para cá o Professor tem dificuldades na leitura por causa da limitação dos  movimentos).

Blog — O Professor viaja muito para a Holanda?

Brigitte —  Poucas vezes. Parece que ele foi lá quando morava ainda em Campo Belo. Depois, ele foi  única vez na Holanda com a Emilia para visitar a mãe. Foi no anos de 1976


***
Poços de Caldas, Minas Gerais, Brasil, 20 de Setembro de 2011




quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O que diz uma foto?

Antonio José Ferreira (Santana)

Navegando pelas páginas do Blog, deparei-me refletindo diante de uma foto emblemática formada pelo núcleo de padres crúzios mais assíduos na Escola Apostólica Santa Odília e Colégio Dom Cabral, em Campo Belo, nos idos de 60. Trata-se da foto 14 do acervo 2 do Blog, que parece ter sido tirada no espaço em frente às salas de aula e embaixo da grande rampa que dá acesso ao andar superior do colégio.

Com os olhos fitos na imagem, veio-me o pensamento: o que sonhavam esses padres? Quais os seus objetivos? Que razões os fizeram deixar sua terra natal, a Holanda, um avançado país da Europa, e se embrenhar num país distante, bem menos desenvolvido e totalmente diferente do seu? Será que havia somente o fervor religioso ou algo mais os movia?

Fixando o olhar no conjunto de padres, deparo com o Pe. Justino, em pé, no lado esquerdo da foto. Quem foi o Pe. Justino? Difícil defini-lo, tamanha a sua envergadura. Todavia, muito resumidamente, posso dizer que, além de padre, Justino Obers foi um cientista que durante duas décadas dirigiu com brilho o D. Cabral, ao mesmo tempo em que ministrava aulas de Química e de Física do mais alto nível para a educação brasileira da época. Depois de deixar a direção do colégio, Pe. Justino passou a se dedicar às lides da terra, tornando-se agricultor e também defensor do homem do campo e do meio ambiente – foi, inclusive, um dos fundadores da Sociedade de Defesa do Meio Ambiente - SODEMA. Participou da Pastoral da Terra e se aproximou do MST.

Muitos agricultores da região perceberam nele um líder rural, tanto que seu nome ficou perpetuado em duas escolas municipais, uma em Campo Belo e outra em Aguanil e um centro educacional, o Centro Educacional Municipal Padre Justino Obers, em Campo Belo. Seu reconhecimento se estendeu até a Universidade Federal de Lavras, onde foi criado um núcleo de pesquisas com seu nome, o Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar Justino Obers. Teve a vida interrompida abruptamente, em 1992, quando ainda poderia prestar enorme contribuição ao nosso país, considerando a sua grande capacidade de liderança e visão.

Voltando à foto, percebo, sentado próximo ao Pe. Justino, o Pe. Marino Verkuylen, com quem não convivi como gostaria, pois quando cheguei ao seminário, em 1961, ele acabara de deixar a função de diretor. Mas me lembro que foi com ele que eu tive a primeira conversa, quando decidi entrar para o seminário. O Pe. Marino entrevistou-me e, depois, me passou as instruções de costume, como a lista do enxoval necessário, o número de identificação de meus pertences, assim como outras que já não me lembro mais.

Os veteranos da época o elogiavam muito pela forma de conduzir o seminário e pelo seu modo franco e aberto de se relacionar com os seminaristas. Era muito entrosado com a turma e até participava do time de futebol e, segundo me disseram, também era goleador. Recordo-me, ainda, que, depois de deixar o cargo de diretor, o Pe. Marino passou a se dedicar à tarefa de garimpar novos candidatos para o seminário, na capital e no interior de Minas. De vez em quando voltava a casa, com seu fusquinha azul claro sempre brilhando. Acredito que muitos dos nossos colegas chegaram por suas mãos e motivados pelo seu entusiasmo.

Indo para o outro lado da foto, vejo sentado mais à direita o Pe. Humberto Nienhuis que, substituindo o Pe. Marino, foi diretor do seminário por aproximadamente cinco anos, de 1961 a 1965, se eu não estiver equivocado. Tenho boas lembranças do Pe. Humberto. Sempre me tratou muito bem, apesar de algumas vezes me advertir com energia. Gostava de contar piadas, que nem sempre eram muito engraçadas, mas todo mundo ria por respeito e para não deixá-lo sem graça. Também gostava de nos levar em passeios a pé ou em carrocerias de caminhões para piqueniques em fazendas, nadar em piscinas, represas ou rios. Todavia mantinha muito rigor e disciplina na condução do seminário, principalmente nas horas de estudo, orações e, ainda, no refeitório e no dormitório.

Pe. Humberto foi infeliz e rigoroso em algumas medidas tomadas ocasionalmente, que afetaram a vida de alguns colegas. Segundo fiquei sabendo, reconheceu seus erros de avaliação e até pediu desculpas a alguns com os quais se encontrou posteriormente. Era um excelente professor de Matemática e muito lhe devo e agradeço por seus ensinamentos. Depois que deixou a direção do seminário, segundo consta, assumiu um trabalho pastoral no Rio de Janeiro, do qual não encontrei nenhuma informação registrada. Se alguém tiver alguma informação a esse respeito e quiser colaborar, no intuito de reconhecer seus méritos, sinta-se à vontade para enviar-nos ou acrescentar como comentário a essa crônica, que ficaremos agradecidos.

Pesquisando na Internet, encontrei três obras do Pe. Humberto, em forma de livros, que pretendo ler e já providenciei a aquisição, conforme nomeio a seguir:

1. Creio em um só Deus, 1976, 128p. – Edições Paulinas
2. Compromisso da Fé, 1981, 115p. – Edições Paulinas
3. São José o Carpinteiro, 1987, 109p. – Edições Paulinas

Já recebi o primeiro livro que solicitei. Coincidentemente é o primeiro da lista acima (Creio em um só Deus). Na apresentação do livro, o Pe. Humberto dá uma indicação de que, na ocasião da publicação (1976), ele era o coordenador da catequese paroquial da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Infelizmente, não foi possível extrair mais informações de sua biografia ou de sua função na arquidiocese, pois o livro não apresenta nenhuma informação referencial sobre o autor, conforme é usual pelas editoras, geralmente, na última página ou na contracapa do livro.

O livro “Creio em um só Deus” é apresentado como um catecismo destinado aos catequistas, às crianças da catequese paroquial e a todos os pais de crianças que estão freqüentando a catequese. Inicialmente, pareceu-me um livro muito elementar de catequese. Todavia, estou percebendo, depois de algumas páginas lidas, que o livro é uma obra de Teologia, exposta de uma maneira simples e acessível para um público não acostumado com as questões teológicas. Para isso, o Pe. Humberto utiliza exemplos da vida cotidiana de nosso povo, costumes brasileiros que ele bem assimilou depois de longa vivência conosco. A linguagem que ele utiliza torna mais fácil o entendimento de temas de difícil compreensão como a Santíssima Trindade, a filiação e missão do Cristo em sua natureza divino-humana, entre outros.

Esse conhecimento do Pe. Humberto não causa surpresa a nós que tivemos oportunidade de ouvi-lo em suas homilias e assistir suas aulas de religião. Talvez não percebêssemos na época, mas hoje podemos avaliar que o Pe. Humberto foi realmente um grande teólogo.

Quem quiser adquirir algum dos livros citados acima, basta acessar algum dos sites de buscas na internet e fazer uma pesquisa para “Pe. Humberto Nienhuis” e aparecerão diversos endereços de sebos, com ofertas desses livros, a preços de pechincha.

Vou encerrar por ora esta minha reflexão para não me tornar cansativo, prometendo retornar em breve com considerações e insights sobre outros personagens retratados na foto 14. Quem sabe não estarei mais inspirado, sendo mais justo e fiel com as pessoas representadas, expondo melhor suas qualidades como seres humanos, padres e educadores!