domingo, 16 de outubro de 2011

Entrevista com o Professor Luís Fransen



Entrevistado: Ludovicus Johannes Hubertus Maria Fransen (86)
Nome adotado no Brasil: Luís Fransen
Natural de Helmond, Holanda.
Data de Nascimento: 13/09/1925
Formação acadêmica: Teologia/Filosofia/Língua Inglesa pela Universidade de Cambridge, Inglaterra.
Profissão: Professor (aposentado desde 1986)
Disciplinas que ministrou: História, Geografia, Filosofia, Francês e Inglês.


  
Eduardo Jenner (de pé), Professor Luís Fransen e Brigitte
 Louise
Apresentação
Esta é uma entrevista fora dos  moldes tradicionais. O nosso entrevistado encontra-se enfermo, tem os movimentos limitados e fala com dificuldades.Contudo, essas restrições não são totalmente impeditivas, o Professor Luís tem boa visão, excelente audição e, o mais importante , está em pleno gozo de sua capacidade intelectual. Dentro desse quadro, evitamos perguntas que pudessem exigir respostas mais discursivas, e, para trazer à tona aspectos relevantes de sua vida que pudessem exigir respostas mais elaboradas, contamos com a ajuda de sua sobrinha Brigitte e de seu amigo Eduardo Jenner, este um ex-aluno no Colégio Dom Cabral de Campo Belo. Com a ajuda deles, o Professor Luís nos relatou aspectos importantes de sua vida com poucas, mas significativas palavras.

Os dois entrevistadores, conselheiros do Blog, tiveram  semelhante impressão  desde o primeiro contato com o Professor: havia ali a presença de um espírito forte sustentado pela figura de um homem inteligente e realizado. Nenhuma de nossas fotos pôde captar, em sua inteireza, essa força, mas ela se manifesta na vivacidade de seu olhar e, sobretudo, num sorriso discreto que ilumina  sua face com uma expressão de serenidade, a dignidade mora ali em grandeza substancial. Num determinado momento da entrevista, como se quisesse deixar isso bem claro para nós, chamou sua sobrinha e, com dificuldades, disse-lhe baixinho ao ouvido: "Diga-lhes que sou abençoado"... "Muito feliz". E, como que para nos indicar a causa, completou: "sou um homem muito religioso".

Durante a nossa visita, houve uma pequena interrupção da entrevista para que o Professor pudesse receber alimentação parenteral. Uma casual evidência de que ele dispõe de recursos e amigos em favor da saúde e bem-estar dele e de sua esposa Emília, esta acamada. Adota-se  o rodízio de enfermeiras e secretárias do lar e, quando necessária, é chamada a assistência ambulatorial especializada em Mal de Parkinson e Tireoide. A localização de sua casa, na região central de Poços de Caldas, facilita o atendimento em domicílio para que lhe prestem os serviços e cuidados de que necessita, evita-se, assim, a internação hospitalar para eventuais recaídas de menor gravidade.

Um pouco antes do término da entrevista, numa surpreendente demonstração de sua capacidade de atenção para com as visitas, o Professor Luís chamou suas auxiliares e mandou que nos servissem  café com bolo de milho e pão de queijo, o que,  como bons mineiros que somos, não dispensamos. Noutro momento, fez um gesto muito eloquente enquanto apontava para o piso e dizia alguma coisa em voz baixa, sua sobrinha Brigitte interpretou-o: "ele está dizendo que quer visitas", o Professor concordou com um movimento da cabeça que não deixava dúvidas quanto ao asserto dessa versão. Prometemos, em nosso nome e de todos os ex-seminaristas, visitá-lo sempre que possível. 
Mostrou-se prestativo em se deixar fotografar, e, no dia seguinte, em nos ceder algumas fotos de seus arquivos.


A alegria com que nos recebeu e a emoção com que nos viu partir contagiaram-nos. 

Perfil




Professor Luís Fransen e Emília Fransen (foto de 1986)

Família: casado com Emília Fransen (89), tem fortes laços com a sua família holandesa através de sua sobrinha Brigitte que se considera como uma filha.

Hobbies:
  • Música clássica;
  • Poesia;
  • Esportes em geral; caminhadas, em especial;
  • Viagens pelo Brasil (Prefere cidades históricas).
Residências no Brasil:

Belém - PA: 1953/1954;
Campo Belo - MG: 1954/1963;
São Paulo - SP:1964/1986;
Poços de Caldas - MG:1987


Perguntas específicas

Professor Luís Fransen com os Crúzios, foto
dos anos 1960


Blog Que fatos são inesquecíveis em sua vida?

Professor Luís Fransen:
  • Primeira comunhão quando eu tinha 5 ou 6  anos;                                                 
  • Minha formatura no Colégio;
  • Minha Ordenação Sacerdotal;
  • Meu casamento com a Emília. 


Blog —  Que recordações o senhor tem do tempo em que era Professor no Colégio Dom Cabral? Alguma lembrança da Escola Apostólica Santa Odília?

 Professor Luís Fransen —  Tenho boas lembranças daquele tempo. Gostava muito dos meus alunos, mas  não me lembro de nomes de ex-seminaristas porque não dava aulas específicas para os seminaristas.



 Blog — O senhor teria algum conselho para os jovens que querem entrar na vida religiosa como sacerdotes?

Professor Luís Fransen —  Posso dizer que a vida religiosa é tudo e que a vida como sacerdote foi muito importante para mim . Mas é muito difícil dar conselhos para os que querem seguir o sacerdócio , pois já faz muitos anos  que eu saí da vida eclesiástica e não me sinto à vontade para aconselhar a esse respeito. Mas quero destacar: sou muito religioso.


 Blog —  O que o senhor destacaria na sua vida?

Professor Luís Fransen —  Considero-me abençoado e feliz pelo que fiz de minha vida e pelas oportunidades que tive de repartir o meu conhecimento com meus alunos. Tenho um casamento muito feliz e trabalhei duro na Cultura Inglesa de São Paulo.

 Informações prestadas por Eduardo Jenner:


Eduardo Jenner
(Set/2011)


Blog — Como você conheceu o Professor Luís e como é o  seu relacionamento com ele?

Campo Belo, anos 1960
Foto: cortesia de Rodolfo
Rodarte

Eduardo   Em 1958, quando eu iniciei o curso ginasial, nossa turma foi transferida para o prédio novo do Colégio Dom Cabral, foi o primeiro ano em que o Ginasial funcionou no prédio novo...  Eu fiquei conhecendo o professor em 1959. Naquele ano ele foi meu Professor no segundo ano ginasial, ele lecionava História e Geografia... Eu sentava na carteira da frente, da janela para a porta da entrada da sala, na segunda fila. Eu tinha um pequeno problema de audição e ficava sempre na frente, dada a qualidade das aulas do Professor que me prendiam muito. Ele me dava bastante atenção e eu me tornei seu admirador desde que assisti a sua primeira aula. Passados alguns anos, eu precisei sair de Campo Belo para iniciar a minha vida profissional, isso em 1962, depois de fazer o primeiro científico no Dom Cabral e o Tiro de Guerra em Campo Belo. Fui, então, para São Paulo e consegui um emprego no Banco de Crédito Real.  O motivo de eu estar fazendo essa explanação é para frisar que, de 1963 a 1966, o Professor e eu saímos de Campo Belo. Eu saí para um lado e ele para outro, ambos buscando suas opções de vida.  

 Blog  E como suas vidas se cruzaram novamente?

 Eduardo Cheguei a Poços de Caldas em 1986 e o professor chegou, já aposentado, em 1987. Eu vim a me aposentar em 1992. Com a aposentadoria, nós passamos a conviver mais.


 Blog Como foi esse reencontro?

Carteira de 1987


Eduardo Foi casual, eu morava relativamente perto dele, nos encontramos no caminho de uma leiteria que existia perto de nossas casas.  A partir daí ocorreu  a nossa reaproximação e quando eu me aposentei, em 1992, ele convidou-me para alguns passeios às cidades históricas. Ele queria verificar "in loco" aspectos de seus estudos de História e Geografia. Visitamos, então, algumas cidades históricas.  Fizemos de cinco a seis viagens, saíamos na segunda-feira e voltávamos na sexta. Foi um fantástico e rico período de nossas vidas.  E à medida que os anos foram passando, o nosso material foi se desgastando (pelo gesto que acompanhou sua fala, o Eduardo refere-se, neste trecho,  ao desgaste físico), o envelhecimento veio, e, ultimamente, nós estamos (plural de modéstia) dando a assistência que você acabou de perceber: um profissional da área de saúde vem dando um apoio para ele, ajudando com a alimentação parenteral. Atualmente eu convivo mais com ele de que com minha família de Campo Belo, meus irmãos, os quais moravam lá, já se foram...

Blog Parece-nos que não se trata de uma relação profissional, mas de uma convivência entre amigos, é isso mesmo?

Eduardo Amigo, amigo... desprendimento, afetividade.  (Aqui Brigitte fez um aparte, dizendo: "para nós da família do Luís, é muito importante o que o Eduardo faz, porque não podemos fazer o que ele faz...")

Blog — Você sabe por que o professor escolheu Poços de Caldas para morar depois que se aposentou?


Poços de Caldas, vista parcial, Set/2011


Eduardo  — O porquê não posso dizer com certeza, mas sei que não foi uma decisão casual, ele viajou a várias cidades  do Sul de Minas e escolheu Poços de Caldas.


 Blog Vocês mantêm contatos com Eduardo?(essa pergunta foi dirigida a Brigitte, mas foi o Eduardo quem respondeu primeiro)


Eduardo Sim, por correio eletrônico, nós temos passado as necessidades dele para a família na Holanda e, agora, para a Brigitte na Bélgica, pois, com a morte da mãe dela,  é ela quem cuida dos assuntos do Tio. A família tem feito um trabalho muito importante, está sempre presente nestes últimos cinco anos.

Brigitte: (referindo-se ao  seu  relacionamento com o seu Tio Luís): nós temos uma relação muito carinhosa, muito boa para mim também... É uma troca em que nós dois somos beneficiados.



Informações prestadas pela sobrinha do Professor, a Senhora Brigitte Marie Louise Kuijpers van den Assem

Brigitte

Blog — Brigitte, gostaríamos que você falasse um pouco de você e de sua família? 

Brigitte Sou filha da irmã mais velha do Luís. Eu  tenho cinco irmãos, ou melhor, dois irmãos e três irmãs. O Tio Luís tem, também, cinco  irmãos (um irmão e quatro irmãs). Eu vivo na Bélgica há um ano, casei-me com o Hans e, infelizmente,  não tenho filhos.

Blog Por que você, e não outro da família, cuida de seu Tio?

Brigitte — Minha mãe ajudava ao Tio Luís, da Holanda. Depois que minha mãe morreu, há dez anos, eu substituí minha mãe e sou como se fosse uma filha do Tio Luís. Eu já estive no Brasil por seis meses, em 1976-77. Viajei por todo o país e nos intervalos, entre um passeio e outro, eu ficava, por algum tempo, com meu tio e tia. É por isso que eu os conheço melhor do que os outros membros da família o conhecem.


Blog Você vem com frequência ao Brasil?
Brigitte    Em 1976 tive que viajar sozinha no Brasil durante seis meses. Em 2008, meu marido e eu viemos ao Brasil e fizemos uma viagem ao Pantanal, a São Paulo, a Brasília, ao Rio de Janeiro, às Cataratas do Iguaçu  e  a Poços de Caldas;  em 2009, fiz um trabalho voluntário na Santa Casa por quase três meses; em 2010, vim a Poços de Caldas com meu marido, ficamos algumas semanas aqui; em 2011 estive  aqui em Poços de Caldas duas vezes, primeiro em maio, quando meu Tio ficou doente, depois,  agora em setembro, por mais dez dias.


Blog — Como você aprendeu português, praticando ou estudando?
Brigitte Aprendi algumas palavras quando estive no Brasil, em 1976, mas depois estudei Português na Holanda, e, pratico  quando venho aqui

Blog: — Qual é sua profissão?

 
Brigitte Eu sou formada em Business Administration (Administração de Empresas). Quando falo Business Administration ninguém  aqui  entende. Estudo também Health Science (Ciência de Saúde). (Eduardo fazendo um aparte: “desta vez ela ficou aqui em Poços de Caldas mais tempo e vai embora depois da amanhã. Está trabalhando e se aperfeiçoando em hospitais daqui”).
Blog Fale um pouco sobre o Professor Luís.

Professor Luís Fransen em seu escritório (foto de 1997)


Brigitte Ele é um intelectual, poliglota, tradutor, está sempre estudando, gosta muito de ler (Eduardo esclareceu que de três meses para cá o Professor tem dificuldades na leitura por causa da limitação dos  movimentos).

Blog — O Professor viaja muito para a Holanda?

Brigitte —  Poucas vezes. Parece que ele foi lá quando morava ainda em Campo Belo. Depois, ele foi  única vez na Holanda com a Emilia para visitar a mãe. Foi no anos de 1976


***
Poços de Caldas, Minas Gerais, Brasil, 20 de Setembro de 2011




quinta-feira, 6 de outubro de 2011

O que diz uma foto?

Antonio José Ferreira (Santana)

Navegando pelas páginas do Blog, deparei-me refletindo diante de uma foto emblemática formada pelo núcleo de padres crúzios mais assíduos na Escola Apostólica Santa Odília e Colégio Dom Cabral, em Campo Belo, nos idos de 60. Trata-se da foto 14 do acervo 2 do Blog, que parece ter sido tirada no espaço em frente às salas de aula e embaixo da grande rampa que dá acesso ao andar superior do colégio.

Com os olhos fitos na imagem, veio-me o pensamento: o que sonhavam esses padres? Quais os seus objetivos? Que razões os fizeram deixar sua terra natal, a Holanda, um avançado país da Europa, e se embrenhar num país distante, bem menos desenvolvido e totalmente diferente do seu? Será que havia somente o fervor religioso ou algo mais os movia?

Fixando o olhar no conjunto de padres, deparo com o Pe. Justino, em pé, no lado esquerdo da foto. Quem foi o Pe. Justino? Difícil defini-lo, tamanha a sua envergadura. Todavia, muito resumidamente, posso dizer que, além de padre, Justino Obers foi um cientista que durante duas décadas dirigiu com brilho o D. Cabral, ao mesmo tempo em que ministrava aulas de Química e de Física do mais alto nível para a educação brasileira da época. Depois de deixar a direção do colégio, Pe. Justino passou a se dedicar às lides da terra, tornando-se agricultor e também defensor do homem do campo e do meio ambiente – foi, inclusive, um dos fundadores da Sociedade de Defesa do Meio Ambiente - SODEMA. Participou da Pastoral da Terra e se aproximou do MST.

Muitos agricultores da região perceberam nele um líder rural, tanto que seu nome ficou perpetuado em duas escolas municipais, uma em Campo Belo e outra em Aguanil e um centro educacional, o Centro Educacional Municipal Padre Justino Obers, em Campo Belo. Seu reconhecimento se estendeu até a Universidade Federal de Lavras, onde foi criado um núcleo de pesquisas com seu nome, o Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar Justino Obers. Teve a vida interrompida abruptamente, em 1992, quando ainda poderia prestar enorme contribuição ao nosso país, considerando a sua grande capacidade de liderança e visão.

Voltando à foto, percebo, sentado próximo ao Pe. Justino, o Pe. Marino Verkuylen, com quem não convivi como gostaria, pois quando cheguei ao seminário, em 1961, ele acabara de deixar a função de diretor. Mas me lembro que foi com ele que eu tive a primeira conversa, quando decidi entrar para o seminário. O Pe. Marino entrevistou-me e, depois, me passou as instruções de costume, como a lista do enxoval necessário, o número de identificação de meus pertences, assim como outras que já não me lembro mais.

Os veteranos da época o elogiavam muito pela forma de conduzir o seminário e pelo seu modo franco e aberto de se relacionar com os seminaristas. Era muito entrosado com a turma e até participava do time de futebol e, segundo me disseram, também era goleador. Recordo-me, ainda, que, depois de deixar o cargo de diretor, o Pe. Marino passou a se dedicar à tarefa de garimpar novos candidatos para o seminário, na capital e no interior de Minas. De vez em quando voltava a casa, com seu fusquinha azul claro sempre brilhando. Acredito que muitos dos nossos colegas chegaram por suas mãos e motivados pelo seu entusiasmo.

Indo para o outro lado da foto, vejo sentado mais à direita o Pe. Humberto Nienhuis que, substituindo o Pe. Marino, foi diretor do seminário por aproximadamente cinco anos, de 1961 a 1965, se eu não estiver equivocado. Tenho boas lembranças do Pe. Humberto. Sempre me tratou muito bem, apesar de algumas vezes me advertir com energia. Gostava de contar piadas, que nem sempre eram muito engraçadas, mas todo mundo ria por respeito e para não deixá-lo sem graça. Também gostava de nos levar em passeios a pé ou em carrocerias de caminhões para piqueniques em fazendas, nadar em piscinas, represas ou rios. Todavia mantinha muito rigor e disciplina na condução do seminário, principalmente nas horas de estudo, orações e, ainda, no refeitório e no dormitório.

Pe. Humberto foi infeliz e rigoroso em algumas medidas tomadas ocasionalmente, que afetaram a vida de alguns colegas. Segundo fiquei sabendo, reconheceu seus erros de avaliação e até pediu desculpas a alguns com os quais se encontrou posteriormente. Era um excelente professor de Matemática e muito lhe devo e agradeço por seus ensinamentos. Depois que deixou a direção do seminário, segundo consta, assumiu um trabalho pastoral no Rio de Janeiro, do qual não encontrei nenhuma informação registrada. Se alguém tiver alguma informação a esse respeito e quiser colaborar, no intuito de reconhecer seus méritos, sinta-se à vontade para enviar-nos ou acrescentar como comentário a essa crônica, que ficaremos agradecidos.

Pesquisando na Internet, encontrei três obras do Pe. Humberto, em forma de livros, que pretendo ler e já providenciei a aquisição, conforme nomeio a seguir:

1. Creio em um só Deus, 1976, 128p. – Edições Paulinas
2. Compromisso da Fé, 1981, 115p. – Edições Paulinas
3. São José o Carpinteiro, 1987, 109p. – Edições Paulinas

Já recebi o primeiro livro que solicitei. Coincidentemente é o primeiro da lista acima (Creio em um só Deus). Na apresentação do livro, o Pe. Humberto dá uma indicação de que, na ocasião da publicação (1976), ele era o coordenador da catequese paroquial da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Infelizmente, não foi possível extrair mais informações de sua biografia ou de sua função na arquidiocese, pois o livro não apresenta nenhuma informação referencial sobre o autor, conforme é usual pelas editoras, geralmente, na última página ou na contracapa do livro.

O livro “Creio em um só Deus” é apresentado como um catecismo destinado aos catequistas, às crianças da catequese paroquial e a todos os pais de crianças que estão freqüentando a catequese. Inicialmente, pareceu-me um livro muito elementar de catequese. Todavia, estou percebendo, depois de algumas páginas lidas, que o livro é uma obra de Teologia, exposta de uma maneira simples e acessível para um público não acostumado com as questões teológicas. Para isso, o Pe. Humberto utiliza exemplos da vida cotidiana de nosso povo, costumes brasileiros que ele bem assimilou depois de longa vivência conosco. A linguagem que ele utiliza torna mais fácil o entendimento de temas de difícil compreensão como a Santíssima Trindade, a filiação e missão do Cristo em sua natureza divino-humana, entre outros.

Esse conhecimento do Pe. Humberto não causa surpresa a nós que tivemos oportunidade de ouvi-lo em suas homilias e assistir suas aulas de religião. Talvez não percebêssemos na época, mas hoje podemos avaliar que o Pe. Humberto foi realmente um grande teólogo.

Quem quiser adquirir algum dos livros citados acima, basta acessar algum dos sites de buscas na internet e fazer uma pesquisa para “Pe. Humberto Nienhuis” e aparecerão diversos endereços de sebos, com ofertas desses livros, a preços de pechincha.

Vou encerrar por ora esta minha reflexão para não me tornar cansativo, prometendo retornar em breve com considerações e insights sobre outros personagens retratados na foto 14. Quem sabe não estarei mais inspirado, sendo mais justo e fiel com as pessoas representadas, expondo melhor suas qualidades como seres humanos, padres e educadores!

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Ecos de estradas e encontros


Edgard Miranda Alfenas - autor



O ENCONTRO DOS EX-SEMINARISTAS

15 de setembro de 2011, quinta-feira, 10 horas , Olímpio, Cátia e eu saímos do Rio de Janeiro e pegamos a BR 040 com destino a Belo Horizonte. No dia seguinte seguiríamos pela Rodovia Fernão Dias para Campo Belo - MG, onde aconteceria  o encontro dos ex-seminaristas da Escola Apostólica Santa Odília (EASO) no Colégio Dom Cabral.
Olímpio Set// 2011
Nas proximidades de Petrópolis, por volta das 11 horas, Olímpio recebeu uma ligação. Apesar de não ser possível ouvir o interlocutor, facilmente percebemos tratar-se do seu sócio do escritório de contabilidade. Marinho, que pelo visto, estava nervoso ou temia ficar sozinho diante de algumas responsabilidades consideradas muito pesadas para ele, ao faltar-lhe a competente presença do Olímpio. Marinho estava confuso, pois havia documentos por regularizar, folhas de pagamento, fundo de garantia, INSS; a vida de um Contador é osso. Olímpio demonstrava  amizade pelo sócio: “Calma, Marinho, eu não poderia deixar de fazer esta viagem, pois ela tem grande significado para mim. Depois você tira também uns dias de férias. Estou indo ao encontro de grandes amigos."
Mas Marinho parecia não estar convencido. Acho que Olímpio não negociou bem essa viagem, pois temia que o sócio não concordasse e isso seria o fim... Na subida da Serra de Petrópolis, enquanto apreciávamos a beleza da Mata Atlântica,  o celular continuava a martelar. Olímpio atendia, escutava com paciência  e argumentava com calma.  Por fim silenciou-se a vã caixinha preta. Marinho fora vencido pelos argumentos do Olímpio, pelo cansaço ou  entráramos em área fora da cobertura?  Jamais saberemos. Na oportunidade comentamos  sobre  a dificuldade de nos afastarmos do trabalho para uma tal viagem, eu tinha o mesmo problema com meus negócios.
Olímpio é um profissional de grande experiência. Já trabalhou em grandes empresas, entre elas a Brasilit, também foi vendedor de café produzido na região de  Campo Belo, por isso entendeu a preocupação de seu sócio, mas ficou tranquilo. A viagem fluía maravilhosamente bem. Apenas Olímpio se sentia  dividido entre o sócio e os amigos que iria encontrar. Do sócio fazia excelentes referências, dizia tratar-se de um homem de conduta ilibada, de  procedimento exemplar e inigualável.  Olímpio, quando fala dos amigos ou colegas, deixa aflorar um traço marcante de sua personalidade,  gaba-os em seus méritos, mesmo mínimos,  com poderosos adjetivos e cala-se quando não tem motivos para elogiá-los. Por outro lado, é um homem que valoriza a tradição, tem por princípio participar de todos os encontros, para ele um item importante de seu código de honra.

É também um contador de boas histórias. Na viagem, fez questão de nos contar este  caso que aconteceu com ele no seminário,  quando tinha 17 anos: decidiu escrever uma carta para a Rádio Havana de Cuba, da qual era  ouvinte assíduo. Na carta manifestava sua admiração pelos programas, pelo bom gosto, etc. Porém, havia no Seminário uma regra básica e irretocável e de todos  conhecida: todas as cartas expedidas dali deveriam ser entregues nas mãos de um dos diretores, com plenos poderes para ler e decidir se seriam ou não enviadas . Dessa vez, entregou a carta ao Padre Agostinho que, ao lê-la, teve uma excelente ideia.  Como estávamos em plena ditadura militar e vendo que se aproximava o dia 1º de abril, consagrado como o dia da mentira ou da brincadeira, chamou a atenção de Olímpio para o risco de ser preso em razão de manter relacionamento com Cuba: "meu filho, eu  remeti a  carta porque era essa a sua vontade, mas você fez muito mal em escrevê-la, muito mal!".  A advertência  já fazia parte de uma 'maldadezinha' que o  Padre arquitetava para o dia 1º de abril. A vítima, até hoje, fala com detalhes daquele, para ele, histórico dia. Chegado o momento, o nosso querido padre Agostinho mandou que alguém fosse aos correios e enviasse um telegrama para o Olímpio, nele havia a seguinte mensagem: “Tendo sido detectada sua correspondência para Cuba, fica Vossa Senhoria intimado a comparecer ao Hotel Maracanã, hoje, às 15h30, para prestar esclarecimentos sobre o suspeito fato.” Olímpio, ao receber o telegrama, quase enlouqueceu e nem reparou nos detalhes de quem o remetera; foi tanta a aflição do garoto que o  Padre, temendo consequências mais graves,  logo desmentiu a intimação e revelou a artimanha: "Meu filho, é primeiro de Abril!", disse com seu acentuado sotaque holandês.  
De história em história, chegamos a Belo Horizonte às 13 horas e algums  minutos. Lá tivemos a recepção calorosa de Lulu, Maria José e Luiz Filho. Olímpio havia quebrado os óculos e, por conta disso, usava uma lente contato, literalmente, pois havia perdido a outra. Somente percebeu o imbróglio quando foi tirar suas lentes   para dormir e, também, reparou que não havia o líquido no recipiente onde a lente deveria passar a noite sequer uma gota do produto. A falta foi rapidamente compensada por soro fisiológico que a anfitriã providenciou. Embora com uma lente só, Olímpio tinha outras de reserva: trazia dois ou três pares.

Por volta das 22 horas e 30 minutos, Olímpio, Lulu e eu telefonamos para o colega, também ex-seminarista, Rogério Luiz Pinheiro, para combinar uma visita que lhe desejávamos fazer. Rogério é, agora,   médico clínico e internista e professor de Clínica Médica na Faculdade de Medicina da UFMG. Decidimos anunciar-nos antes para certificar-nos de que estaria em casa e também pelo adiantado das horas. Visita depois das dez, ou é de compadre ou de bobo, mas não queríamos perder a oportunidade, pois estávamos próximos à sua residência. Com a ajuda do GPS, chegamos a sua casa  em menos de 10 minutos.  Rogério, como nos tempos de Seminário, recebeu-nos de maneira simpática e com grande cordialidade. Convidou-nos  a entrar e relatou boa parte de sua trajetória de vida ao longo destes 50 anos. Falava com certa suavidade e emoção, o que nos deixou também emocionados.  Mostrou-se impressionado com a transformação dos amigos, deixou implícito o susto de ver o Edgard careca. Segundo ele, sempre revê uma fotografia na qual estão Manuel de Juiz de Fora, Edgard e ele,  todos cabeludos, e esta é a impressão que tem guardada na memória.  Naquele tempo, estavam na faixa de 12 para 13 anos, agora, com todos acima dos 60, não é pra menos, na primeira vez que se veem, depois de tantos anos,  as transformações realmente assustam, e o susto é compreensível. Depois de matarmos a saudade do amigo, retornamos à casa do Lulu, ficando a dúvida se o Rogério poderia ir ou não ao encontro.  Mais tarde ele nos telefonou justificando sua falta, alegando compromissos inadiáveis.  Por outro lado, afirmou que vai estar presente no ano que vem, para matar as saudades dos demais amigos que não vê há 50 anos.  Com medo de  virarmos abóboras, saímos da casa do Rogério antes da meia-noite.

A essa altura, o relógio gritava: "é hora de ir pra cama!"  Já passava de meia-noite, portanto, madrugada de 16 de setembro, sexta-feira. Quilômetros e quilômetros nos esperavam, Campo Belo estava bem distante e o tão esperado encontro nos aguardava às 18 horas, tudo devidamente programado.
Às 9 horas, já se pensava em partir, e  Olímpio não conseguia colocar as lentes reservas. O fato de estar em Belo Horizonte, famosa pelos recursos de oftalmologia, deixava-nos tranquilos para resolver o problema. Saímos à procura de uma ótica e logo encontramos uma na Avenida Brasil, perto do conhecidíssimo Colégio Arnaldo. Apenas para variar, mais uma pequena demora nos apanhou de surpresa: a contatóloga não se encontrava na ótica. Olímpio ameaçava sair em busca de outra, porém, um rapaz de alta habilidade comercial o segurou com a conversa agradável de quem nasceu para ser relações públicas, um grude de indisfarçável simpatia. A contatóloga chegou e em  minutinhos pôs o alegre Olímpio a enxergar. A alegria do Olímpio, ao ver resolvido seu problema com as lentes, acabou nos contagiando com aquele espírito jovial. .
A turma do jipe.
Às 13 horas estávamos de volta à casa de Lulu e Maria José, anfitriões singulares, diplomatas em receber os amigos e parentes em sua residência, até mesmo quando não os conhecem, fazendo valer aquela famosa expressão algébrica: o amigo do meu amigo é meu amigo.  Minutos depois, uma voz abençoada anunciou: "O almoço está na mesa". Rapidamente colocamo-nos em posição de quem adora os deliciosos quitutes e outras iguarias que fazem parte das apetitosas receitas da anfitriã.
Prato principal: Lombo Festivo para
visitas agradáveis que fazem elogios
rasgados à comida da casa. (Legenda
do intrometido editor)
Convidados a postos, a mesa repleta, inicia-se a saborosa empreitada  gastronômica. O assunto é variado, mas sempre em torno da gastronomia, todos falam de algum tipo de comida. Olímpio se emociona a todo instante, mostrando a pureza do seu coração, o que nos emociona também, pois afinal se aproximava a hora da partida, ou seja, de ir ao tão esperado encontro dos velhos amigos ex-seminaristas. Entre umas e outras brincadeiras de bom gosto, conversamos sobre o valor nutritivo do ora-pro-nóbis e de sua riqueza em ferro  (Deus que nos livre e guarde!). Almoçamos e bem. É hora da partida, as bolsas abarrotadas ficaram espremidas e, se possível, gritariam por socorro no porta-malas do carro, grande e reluzente, da família dos modernos jipes importados. Quase 3 da tarde,  rumamos para Campo Belo, a vontade de chegar esticava a estrada e diminuía a nossa paciência, um percurso de 210   quilômetros parecia ser de 600.
Chegamos a Campo Belo às 6 horas e 30 minutos da tarde, no quase contradito de que mineiro não perde o trem. Realmente não o perdemos, pois todos se atrasaram, nada, porém, que estragasse a graça e a alegria do tão esperado encontro tradicionalmente britânico: podemos perder a hora, mas nunca perderemos o encontro e a alegria de rever os colegas, mesmo que os obstáculos e as intempéries da vida tentem nos impedir.
Como previsto na programação, fomos direto para o Colégio Dom Cabral, onde num passado distante quase todos éramos felizes, uns sabiam, outros não. Todos sacodem a poeira e começam os abraços de boas-vindas. O afeto sincero se espalha pelo local, como nos velhos tempos de seminaristas internos. Abraços fraternos se confundem com os risos de satisfação. A maioria levou as esposas que já nutrem uma forte amizade recíproca, tornando-se mais sólida a cada ano. Os flashes das câmeras fotográficas resplandecem no ambiente numa sucessão de raios de luz. Para nós, toda essa festa tem um significado muito especial, afinal as amizades se fortalecem a cada encontro anual e são eternizadas pelo registro fotográfico.
O antepasto era do tamanho
da fome; e a pinga, da sede.
Para as 8 da noite, foi marcada uma reunião no Hotel Fazenda Álamo, a uns 5 quilômetros  de Campo Belo,  e lá chegamos às 8 e pouco e, a essa altura, a fome se apoderou de nossa vontade, fomos nos encantar com a deliciosa comida mineira. Logo depois, numa respeitável disciplina como nos velhos tempos, Rafael, o Coordenador Geral dos Encontros, tomou a palavra e todos prestaram uma silenciosa atenção ao orador. Rafael foi breve e liberou democraticamente a palavra para cada um  falar sobre o motivo pelo qual entrou e saiu do seminário. Nem todos seguiram o figurino, alguns extrapolaram, a fala foi livre, mas o silêncio aqui, como em outros lugares,  teve sentido e significado.




Alguns dos que falaram no jantar de confraternização: João Henrique; padre Haroldo: "tive dificuldades em entender a lingua brasileira - o que significa, por exemplo,  'tirar a água do joelho' ?"; Lulu (sem foto); Lua; Ázara; Alfredo contou a história do sapato do irmão que tinha uma chapinha no bico fino; Janjão: resumiu sua vida; Padre Júlio Cesar: agradeceu ao convite e falou de sua missão.

Pé grande, Eu?
Os mais extrovertidos contaram casos e situações engraçadas, como foi o caso do nosso amigo Alfredo. Quando seminarista, usava sapatos que foram de seu irmão mais velho. Por conta disso, eram bem maiores que seus pés e sobravam mais ou menos uns dez centímetros em seu bico fino, deixando uma marca registrada na lembrança dos colegas. Foi como aconteceu com Edgard que, ao encontrar Alfredo 12 anos após deixarem o Seminário, olhou imediatamente para o seu pé e, sem pestanejar, perguntou: "Cadê o sapato de verniz?" Isso foi motivo de uma dualidade engraçada: a primeira quando o fato aconteceu, outra ao ser contado no primeiro dia do encontro pelo protagonista, Alfredo.
Vários outros casos engraçados foram contados durante aquela noite pelos colegas e a brincadeira perdurou por várias horas, até sermos vencidos pelo cansaço. Mesmo com certa teimosia, tivemos de ir dormir, pois já era madrugada e outro dia nos esperava com novos compromissos festivos e inadiáveis, afinal eram apenas dois dias de encontro.


O presidente da Vila Vicentina, Baliza, quando falava para os encontristas
da EASO  de como funciona a organização que dirige.

Clique para ampliar e ler a placa no canto direito superior:
"Rezemos pela Beatificação de Padre Alberto"
No segundo dia, assim que amanheceu, fomos tomar café acompanhado de frutas diversificadas e deliciosas guloseimas peculiares da cozinha mineira. Após o café, visitamos a Vila Vicentina Furtado de Menezes, instituição filantrópica que funciona desde 29 de maio de 1938. Trata-se de uma entidade muito querida pelo povo de Campo Belo, sob o comando de seu dedicado presidente, José Orlando Baliza. A parte espiritual se faz presente pelo Capelão, Padre Sebastião Israel, e a administradora,  Irmã Palmira de Oliveira Neves, tem como único objetivo a caridade sem limites na mais verdadeira expressão da palavra. 

Numa das repartições encontra-se,  com devido mérito, o busto do Padre Alberto Fuger, intitulado amigo dos pobres, falecido em 17 de dezembro de 1970. Esse sacerdote dedicou, fraternalmente, parte de sua vida aos pobres da Vila Vicentina, fazendo jus à placa numa das paredes pedindo orações pela sua beatificação.
Como fazíamos nos tempos do Seminário, percorremos a Vila cumprimentando as pessoas com um gesto de fraternidade. A Vila tem hoje uma arquitetura moderna, com os traços de uma pequena, porém linda cidade, onde a limpeza e a organização são palavras de ordem. Conta com um excepcional ambulatório que atende a todas as suas necessidades, tais como: soroterapia, oxigenioterapia, curativos, nutrição parenteral, sondagem e cuidados do dia a dia. Desta forma, diminui as internações hospitalares e proporciona mais conforto e segurança a seus assistidos.
Residente: "Quando vejo uma mulher,
lembro da mãe, quando vejo um  homem,
lembro do pai".
Alfredo, sua esposa Marina e eu, enquanto andávamos pela Vila, fomos abordados por um de seus habitantes com deficiência mental. Pousando as mãos com suavidade em cada um de nós, dizia a Marina, misturando choro com riso: “Quando vejo mulher, lembro da mãe. Ah, que saudade da mãe!" Logo a seguir, se dirigia a mim ou ao Alfredo e dizia: "Quando vejo homem, lembro do pai. Ah, que saudade do pai!" Como diria Galvão Bueno: "Haja coração!"
Fanfarra do Dom Cabral
Por volta das 11h, saímos da Vila em direção à velha matriz, que se apresenta garbosa numa das mais lindas e imponentes praças da cidade, adornada com uma rica variedade de árvores. Passeamos pela praça,  inspirando o ar puro e apreciando sua beleza.
Ao  meio-dia, retornamos ao Hotel Álamo, pois era hora do almoço e o cardápio, convidativo. Havia um self-service com churrasco e refrigerante. O ambiente estava aromatizado com o vapor, quase imperceptível, do banho-maria, que sustentava a temperatura da deliciosa refeição. Após o requintado almoço, cada um procurou descansar um pouco.


A presença dos Crúzios                                                         
te partiste

 Edgard e Cátia com o mais simpático
 dos mortais,  o padre Haroldo.

Padre Elione, Edgard, Cátia e  padre Júlio Cesar

Às 4 horas e 30 minutos da tarde, retornamos ao Colégio Dom Cabral para nos despedir da nossa antiga moradia e assistir à apresentação da fanfarra do Colégio.  Considero um demérito chamar aquela excelente corporação musical de fanfarra, pois se trata de uma excelente banda marcial, com músicos exímios e compenetrados. No pátio do Colégio Dom Cabral, onde a banda abrilhantava a festa com suas canções, tiramos várias fotos com os novos Crúzios (cônegos regulares da Ordem da Santa Cruz). O Padre Júlio Cesar Evangelista e o Padre Elione Correa, jovens da mais alta postura de fé, movidos pelos princípios religiosos de suas famílias, optaram por viver em comunidade e trabalhar em prol daqueles que sofrem e levar até eles a esperança fundada na ressurreição.
Por volta das 6 da tarde, rumamos para o  hotel para, desta vez, desfrutarmos das brincadeiras. A seguir, fizemos um coffee-break (pausa para o café), quase sem intervalo entre uma brincadeira e outra, até sermos avisados: "É hora do jantar." Jantamos e mais uma vez fomos aos aposentos para descansar e tirar uma soneca.

Conselho Editorial (antes da plenária). Este grupo, agora com
o reforço do Siovani, foi reeleito para mais um ano de mandato.

Por volta das 8 da noite,  tivemos uma reunião com os membros do Conselho Editorial do blog. Às 10 horas, os mais exaustos foram dormir, os demais seguiram  para o salão de convenções do hotel, onde foram dispostas várias cadeiras em forma de círculo, possibilitando ficarmos todos frente a frente. Novamente foi dada a palavra a todos e o Santana  supreendeu a todos, espalhando no meio do salão centenas de bolinhas de gude, relembrando nosso tempo de criança. As bolinhas foram  imediatamente catadas pelos integrantes da reunião, como se voltássemos, por um instante, a um passado de aproximadamente 50 anos.

Foi anunciada,  pelo Coordenador dos Encontros, a realização de um sorteio, que foi rapidamente organizado pelo Raimundo Nonato Costa, nosso  ilustre viajante que veio do norte e atravessou fronteiras em lombo de caminhonete,  que escreveu o número dos apartamentos dos presente em alguns papeizinhos. Foram oferecidas para o sorteio várias caixinhas de cerveja Cerpa (Cerpinha) trazidas por  Nonato diretamente do Pará. Nossos olhos cresceram para o lado de  algumas garrafas de cachaça da marca Germana oferecidas pelo próprio fabricante, o Walter Caetano Pinto, conhecido no Seminário pelo apelido de Lua. E como se para não nos deixar esquecer um trecho da estrada, o Baliza ofereceu para ser sorteado um terço de sua própria confecção. Todos atentos, iniciou-se o sorteio, com uma condição: aquele que fosse sorteado teria de pagar uma prenda, ou seja, pagar um mico no meio do salão: poderia contar uma história, declamar uma poesia, ou falar sobre algum fato pitoresco.
Durante o sorteio, foram premiados Edgard, Antônio de Ázara, Ica, Lulu, Liana e Marina Borges. Edgard tentou chamar atenção pelo fato de ser observador e de boa memória. Relembrando o episódio do Alfredo, falou: "Quando eu tinha 10 anos, minha avó contou-me uma historinha: o rei estava na janela, passou um homem e o rei perguntou: 'o que é que você mais gosta da galinha?'  Ele  respondeu: 'o  ovo'. O homem seguiu sua viagem."
Toda mesa redonda tem uma meia-lua.
Em seguida, Edgard parabenizou o Lua pela idéia de fazer o próximo encontro para os lados de Caeté/Nova União/Caraça  e continuou a história: "Quando eu tinha 12 anos, cortei uma bengalinha de ipê. Doze anos após termos saído do Seminário, encontrei Alfredo, este se identificou, olhei para o seu pé,tentando me certificar se era ele mesmo, por meio do sapato de verniz de bico fino. Quarenta e sete anos após termos saído do Seminário, Rafael ligou para minha casa e disse: adivinha quem está falando, meu nome é Rafael?" Edgard respondeu de pronto: "Rafael, o seminarista de Campo Belo".  Rafael quase perdeu a fala, pois não conseguia acreditar no que acabara de ouvir. Continua Edgard: "A bengalinha que cortei com 12 anos está comigo até hoje. Dez anos depois, o homem, quando passava de volta de sua viagem,encontrou o rei na mesma janela. Então o rei prosseguiu com a pergunta: "Com quê?" Ele respondeu: “Com sal." Acho que poucos entenderam esta mensagem. Memória, memória.


o mar bramia
.
Antônio de Ázara declamou, aos trancos e barrancos, uma poesia, cujo título não me lembro.  Ficou mais ou menos assim: "Era pequeno, brincava na praia, o mar bramia e erguendo o dorso altivo sacudia a branca espuma para o céu sereno, eu disse à minha mãe nesse momento: que dura orquestra, que furor insano..." Mas, a poesia toda é assim:
Eu me lembro! Eu me lembro! - Era pequeno
E brincava na praia; o mar bramia,
E, erguendo o dorso altivo, sacudia,
A branca espuma para o céu sereno.

E eu disse a minha mãe nesse momento:
Que dura orquestra! Que furor insano!
Que pode haver de maior do que o oceano
Ou que seja mais forte do que o vento?

Minha mãe a sorrir, olhou pros céus
E respondeu: - Um ser que nós não vemos,
É maior do que o mar que nós tememos,
Mais forte que o tufão, meu filho, é Deus.

[Casimiro de Abreu] (1839-1860)
Ica, esta sim, surpreendeu a todos com seu dom de atriz, declamando uma linda poesia, O Pássaro Cativo. A declamação foi sensacional.

Pássaro cativo                                                           

Ica: O Pássaro Cativo 
Armas, num galho de árvore, o alçapão;
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.
Dás-lhe então, por esplêndida morada,
             A gaiola dourada;
Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos, e tudo:
Porque é que, tendo tudo, há de ficar
             O passarinho mudo,
Arrepiado e triste, sem cantar?
É que, crença, os pássaros não falam.
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender;
             Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:
             “Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que a voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro
             Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
             Tenho frutos e flores,
             Sem precisar de ti!
Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola
De haver perdido aquilo que perdi ...
Prefiro o ninho humilde, construído
De folhas secas, plácido, e escondido
Entre os galhos das árvores amigas ...
             Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pompas do arrebol!
             Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade:
Não me roubes a minha liberdade ...
             Quero voar! voar! ... “
Estas cousas o pássaro diria,
             Se pudesse falar.
E a tua alma, criança, tremeria,
             Vendo tanta aflição:
E a tua mão tremendo, lhe abriria
             A porta da prisão...
                                                         Olavo Bilac



Fala mais alto! Nós aqui
do de trás também queremos
dormir...

 Lulu contou uma piada, porém de costas para a metade dos presentes, para nós, portanto não a ouvimos muito bem. Pelas gargalhadas vindas do lado oposto, não foi difícil perceber que foi muito boa (nota do editor: "se dissesse outra coisa não seria publicado").





Liana declamou, com desenvoltura, o clássico soneto de Camões:

Liana nos trouxe a emoção de
Camões

Alma minha gentil, que te partiste                 

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.


A hora do "Pai nosso"


Finalmente chegou a vez de Marina, que se recusava a ir ao meio da roda. Depois de muita insistência de todos, inclusive de seu marido, decidiu pagar a prenda usando estratégia felicíssima: pediu que todos dessem as mãos, agradeceu a Deus por estarmos ali e convocou-nos a rezar a oração do Pai Nosso, o que fizemos com grande fervor.

A esta altura já passava de uma hora da madrugada e fomos dormir. No dia seguinte, para dar um chega pra lá na tristeza, estando quase na hora da despedida, fomos passear pelo parque do hotel, onde ficamos conversando até o momento de ajeitar as bagagens, e cada um tomar o seu destino.

Lua: Razões irrefutáveis:
Caeté, Nova União e BH
Mantemos a esperança  que no ano que vem, em período semelhante, estaremos juntos de novo, só que desta vez no Caraça, por sugestão do nosso amigo Walter, o Lua do Seminário. Se esqueci de alguém, peço que me perdoem. Não fiz nenhuma anotação, por isso não posso dizer que estas reminiscências abrangem tudo que ocorreu nos dias maravilhosos em que convivemos (Para trazer-lhes as poesias e sonetos, recorri a amigos que estavam presentes no encontro  e à internet). Portanto, se alguém lembrar de algo mais ou diferente do que vai aqui escrito, corrija-me ou me supra com outras informações.

Comentários no rodapé desta página serão sempre bem-vindos.

Créditos: fotos de Edgard, Lulu, Marcos Rocha e Rafael
CE/SRM