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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Entrevista com Antonius Matheus Reijnen


Perfil


Nascimento:12 mai 1928

Casou-se com Maria do Socorro da Silveira Reijnen (7 set 1942 - 31 Mai 2003)
Professor Toon. Foto de 29 de agosto de 2013
Holandês, veio para o Brasil como padre, tendo atuado em Miracema – RJ, Campo Belo -MG e em Belo Horizonte. Deixou a batina para se casar com Socorro em 1971.
Psicólogo.
Ex-professor do Colégio Dom Cabral – Campo Belo
Ex-professor do Imaco – Belo Horizonte - nas disciplinas de História e Psicologia
Ex-Vice-Diretor da FUNABEM – Fundação Nacional do Bem Estar do Menor
Filhos: Alexandre Matheus da Silveira Reijnen e Renata da Silveira Reijnen.






Apresentação



Fomos novamente a Santa Tereza, em Belo Horizonte, um bairro que deixou sua marca na vida de muitos Easistas. Dessa vez, nosso interesse voltava-se para aquele antigo mestre do Colégio Dom Cabral dos anos 60, que chamávamos de Padre Antônio, mas cujo nome de origem é Antonius Matheus Reijnen e apelido Toon. Ele, já naquele tempo, gostava dos movimentos sociais, da juventude, de ensinar teatro e de viver no meio das pessoas. Fomos, também, movidos por um interesse específico: conseguir dele uma entrevista para o Blog. Já conhecemos um pouco de sua história: veio da Holanda como padre crúzio, no final dos anos 1950;  esteve inicialmente em Miracema, Rio de Janeiro; depois foi para Campo Belo de onde, finalmente, veio para Belo Horizonte; e já no final dos anos 1960, vamos encontrá-lo ajustando o curso de sua vida, largando a batina  e se casando com Socorro.



Comemoração dos 85 anos na Holanda.
Na foto de cima: Alexandre, de cócoras.
Ao fundo, Toon e os amigos.


Depois de muitos anos, queríamos aproximar-nos, ver como ele estava e dar notícias disso aos colegas, encontristas da EASO. Com isso na cabeça, havíamos marcado uma reunião na casa onde moram atualmente os padres Guilherme, Tiago, Teófilo e João Maria. Cumprindo com rigor o horário estabelecido, lá estava ele, às 15:30 hs de um sábado frio.  Viera de carro do Sion para Santa Tereza, nada demais para um psicólogo de 85 anos, que ainda abre a clínica para atender a alguns pacientes, pratica natação no Country Clube e quer trabalhar até quando puder.


Já no início da conversa — não sei se sempre foi tão direto — perguntou-nos: “o que vocês querem comigo, exatamente?”. Uma pergunta à queima-roupa ensejou igual reação: “Simplesmente revê-lo, mas de repente o senhor pode nos conceder uma entrevista para o Blog”, respondemos. Foi assim, tão simples, que conseguimos esta entrevista.


No dia 29 de agosto de 2013, fomos novamente ao seu encontro. Recebeu-nos, então, no salão de festas do prédio onde ele mora. Estava com a filha, Renata, e o neto, Toon, uma criança tipicamente holandesa: cabelos loiros e olhos claros e espertos.  Enquanto testávamos os equipamentos de gravação, o neto brincava com a mãe ali por perto, pois o salão de recepções se liga, no mesmo nível, aos jardins que rodeiam o prédio.


O neto em 2013, com dois anos.

E a entrevista teve início. Toon, o avô coruja, tem a vivacidade de um jovem, a sabedoria de quem vive intensamente e, acima de tudo, é paciente e receptivo. Transmite aquela confiança dos que vivenciam o que falam e falam o que pensam. Durante a entrevista, Toon responde a todas as perguntas, mas não gosta de falar sobre todos os assuntos; parece que a consciência é sua polícia, mas não a subordina ao interesse particular e à precaução pessoal. Quando se nega a um juízo de valor o faz pela própria certeza na limitação ou pela consciência de sua responsabilidade.


À medida que a entrevista vai se deslanchando, suas palavras, seus gestos e suas convicções vão desenhando um homem em que a grandeza se alicerça, exatamente, em não querê-la: não gosta do mito, da ostentação, das alegorias e da valorização do material. Quando fala de Francisco, o Papa, deixa isso bem claro: “gosto dele porque não é um homem do trono”.  


As palavras de Toon, nesta entrevista, mostram o ser humano que vive a plenitude da vida e que busca a felicidade sem a ilusão de que seja completa. Quanto mais avançamos em compreender suas ideias, mais elas se fecham em torno de uma linha de coerências: afinal, como poderia ser completo aquilo que se realiza numa jornada que não termina enquanto se está vivo? Perguntamo-nos.


Esta entrevista nos deixa convencidos de que o mais profundo para as pessoas está sempre no mais simples. Toon nos dá suas referências: a busca da felicidade está no trajeto; os outros devem ser considerados como companheiros de viagem; devemos valorizar o que temos e ter uma esperança.


 O pensamento de Toon certamente esquentará, um pouco mais, o nosso V Encontro. Um homem que vive por inteiro, que tem a coragem de mudar a trajetória de sua vida e moldá-la ao próprio querer,  e que busca a felicidade junto aos outros, não é alguém que se encontre todo dia. Toon não quer ser mito; mas certamente aceitará nosso respeito.


Pelo menos podemos dizer: salve Toon!


Os holandeses talvez digam: sparen Toon! 

  
Perguntas
1.   Editor: como o senhor definiria a vida com base em sua experiência familiar, profissional e religiosa?
Toon: a vida é uma preciosidade. A vida é, no fundo, como a gente a quer. Não pensando em coisa material, mas em relações humanas, a gente é feliz no que a gente quer; a felicidade total não existe, existe o caminho e nele podemos ser felizes. A felicidade está no caminho e não na chegada.
2.   Editor: na sua visão, o que é ter uma vida bem sucedida?
 


O casamento: um dos mo-
 mentos marcantes da vida
 do  entrevistado. 
 Toon e Socorro (Foto de 
 1971)
Toon: é uma pergunta bem difícil porque a vida depende das aspirações de cada um, pois se a pessoa conseguir, parcialmente, realizar o que sonhou, ela é feliz. Digo parcialmente, pois tudo na vida é relativo, a própria vida é relativa; a vida é um caminho; o tempo que a gente vive nesta terra, pensando bem, é pequeno. Nós fazemos parte de uma história e a contribuição para a história depende muito da gente. Eu sou feliz porque consegui realizar o que sonhei, gostei muito das pessoas que encontrei. Eu tenho até hoje muitos amigos em vários lugares deste país e da Holanda.

Padre Agostinho presidiu o 
casamento celebrado por 
Toon e Socorro, em 1971. 
Foto de 2008 (I Encontro da
EASO)
     3.  Editor: numa conversa anterior, quando conversamos lá em Santa Tereza, o senhor me disse, se entendi bem, que o que realmente importa é o relacionamento com as pessoas, é o outro. Eu peguei bem o seu pensamento? O senhor poderia desenvolver um pouco mais essa filosofia de vida?
Toon: o outro para mim é sempre aquele que segue o mesmo caminho que percorro e que, no fundo, tem as mesmas aspirações, ou seja, que quer ser feliz. Onde a pessoa coloca a felicidade, isso é muito relativo; para mim a felicidade é sempre estar satisfeito com o que se tem e ver o outro como colega, participando da mesma vida.



4.   Editor: nós, os Easistas, estamos na faixa dos 56 aos 72 anos; como psicólogo, que conselho o senhor nos daria para que possamos enfrentar bem o processo de envelhecimento?




Toon: ficar satisfeito com o que (se) tem. Pensar com alegria sobre as coisas que já teve e tentar viver em direção a uma esperança. E essa esperança é um reencontro com a nossa origem. Pode-se chamar isso de Deus  (vídeo abaixo).


   
 
5.  Editor: que fatos mais importantes marcaram sua vida?
Toon: na Holanda, primeiro foi a morte de meu pai, ele morreu de pneumonia, naquela época a cura era difícil; depois, a entrada dos alemães na Holanda e, também, a entrada dos ingleses e americanos, não tanto pela alegria, havia medo também. Puseram oitocentos canhões na minha rua. Isso perto da capital da província. Na época era uma pequena aldeia, com 500 a 800 habitantes, hoje deve ter mais de dois milhões. Minha família toda morava lá, éramos agricultores. Eu catei batatas quando menino.

No Brasil, o primeiro fato marcante aconteceu quando eu estava trabalhando em Campo Belo e me avisaram que minha mãe havia morrido. Eu fiz (celebrei) uma missa na igreja de Santa Efigênia, de Campo Belo; fiquei emocionado pelo apoio, principalmente, que a juventude de Campo Belo me deu.
Há muitas coisas que aconteceram no Brasil, mas eu destaco o meu casamento, que aconteceu também no meio de outros fatos, como, por exemplo, a difícil aceitação de meus colegas em relação à minha decisão de largar a batina e me casar; dos estudantes não, estes me apoiaram.

 
6.  Editor: como tem sido sua vida atualmente?
Toon: Boa, eu tenho ainda meia dúzia de pacientes, atendo um ou outro. A maioria da minha idade já nem existe e, dos que estão vivos, a maioria não tem mais atividade.  Eu pretendo assegurar essa minha atividade até quando puder; é bom, é importante, eu me sinto útil e também me sinto obrigado a fazer alguma coisa. Pratico também a natação.

 
7.   Editor: o que o senhor mudaria, em sua vida, se pudesse voltar o tempo e fazer diferente?
Toon: faria tudo do mesmo jeito.

 
8.   Editor: como o senhor vê a chegada do Papa Francisco?


Papa Francisco: "aceitou sua posição,
mas quis ser, realmente, alguém
para o povo".

             Toon: um homem pelo qual eu tenho admiração, gosto da simplicidade dele e ao mesmo tempo do seu idealismo. Afastou o mito (do cargo). Não é aquele tipo de papa distante das pessoas, não é aquele papa do trono. Aceitou a sua posição, mas quis ser, realmente, alguém para o povo. Eu sinto muita simpatia por este papa, é gente normal, pessoa normal!
 
 
9.   Rafael: como o senhor compararia o Brasil de hoje com aquele que existia quando de sua chegada ao Brasil?
      Toon: quando cheguei aqui, o Brasil era um país lá na América do sul, a ideia era assim, um país de índios, eu não tinha muito isso, mas a maioria pensava assim. O brasileiro é fundamental. O brasileiro é muito simpático. Eu encontrei um país a caminho da modernidade, o Brasil não era um paisinho assim... O Brasil é um país muito importante. Um povo alegre, muito diferente daquela visão europeia. Hoje o país melhorou muito, não sei se do ponto de vista humano também. Agora, me chamaram sempre de comunista, eu não gosto muito dos bancos... e agora eu apoio essa política de maior distribuição terras, eu gosto disso aí!

 
10.  Rafael: o Senhor hoje é um crítico da Igreja ou a vê como no caminho certo?
      Toon: a minha pergunta é: o que é a Igreja? A igreja não é aquela organização de Roma, não. A igreja é a presença de Deus, a consciência da presença de Deus no nosso meio, tentando fazer o bem que Deus sempre comunicou (apontou), o outro . Se a Igreja não está no caminho certo, pelo menos ela o procura; se está ou não certa, eu não sou autorizado a falar disso e, também, não gosto de falar disso. Só tem uma coisa que eu gostei: o papa é uma pessoa normal, isso eu gostei.

 
11.  Edgard: hoje, aos 85 anos, quais são suas melhores lembranças da época em que ainda exercia o sacerdócio e fazia parte do austero comando do Seminário de Campo Belo, junto àquela criançada?
Toon, à direita, prepara os jovens  para o teatro. Foto dos anos
1960 quando ele era padre e morava em Campo Belo MG
Toon: os próprios jovens, a amizade deles, que me tratavam de igual para igual. Eu tentei sempre acabar com o mito. O mito não é coisa boa, não. Um grande amigo meu, desse tempo, chama-se Vicente Odair Spindola, que mora atualmente aqui em Belo Horizonte.

 
12. Edgard: que filme passa por sua cabeça ao lembrar-se daquela linda batina branca com uma simpática capa preta e uma faixa, também preta, ostentando no peito a cruz vermelha, fazendo sermões nas festas de Semana Santa e em outras oportunidades?
Toon: a pergunta é muito comprida... eu não gostava muito daquela batina. Pra mim é coisa da idade média. O tempo mudou demais... o mundo  mudou. Não me lembro muito dos sermões. Muitos falavam que eu era meio comunista. A culpa (rsrsrs) de eu ter ido para Campo Belo foi do padre Justino Ele sabia que eu gostava dessas atividades com os  jovens e me convidou para ir para Campo Belo. Antes disso, eu estava em Miracema.

 
13  Edgard: tenho uma grande curiosidade: lembro-me claramente de seu emocionante discurso na Igreja Matriz de Campo Belo, em 1962, durante a comemoração do Dia das Mães, quando quase todos choraram. O senhor ainda se lembra disso?
Toon: eu não me lembro desses discursos. Eu falava o que sentia e pensava, e nem sei se os outros gostavam.
 
 
14. Edgard (Pergunta para a filha Renata):como você define seu pai?
Festa de aniversário das crianças. Foto dos anos 1980.
Na frente, Alexandre e Renata. Atrás, Socorro e Toon
Renata: ai meu Deus do céu!  (Toon: “eu não posso nem escutar” (rsrsrs) É, pois é, meu pai não pode escutar.  Eu o acho uma pessoa corajosa. Vir ao Brasil, largar a batina. Ele tem uma certa cultura; se adaptou ao Brasil, virou mais brasileiro que holandês. Um homem com sabedoria de vida, teimoso e sempre soube e sabe o que quer, mas tenta não desagradar a ninguém. É um bom pai, foi um bom marido. Uma pessoa extremamente independente que soube se virar na vida mesmo passando por situações muito difíceis.


 
15.     Marcos Rocha: qual a sua opinião sobre o celibato exigido pela Igreja Católica de todos os padres e, como desdobramento desta questão, o que o senhor pensa sobre o posicionamento da Igreja em relação ao papel que poderiam ter os ex-padres (que optaram pelo casamento, como é o seu caso) no atual momento do catolicismo? Pois é sabido que as vocações sacerdotais têm diminuído em todo o mundo e, portanto, faltam tantos padres em praticamente em todos os países do mundo...
Renata e o filho Toon, em  Arnhem,
 Holanda, onde morou com o marido
por 3 anos.
Toon: o mundo está em crise, nós estamos numa mudança de época, mudança de mentalidade. Como vai ser, ninguém sabe porque precisaria ser um profeta, mas que o mundo está em mudança nós sabemos que está. Não é só o Brasil, a Holanda e sei lá onde mais, agora é o mundo, um pouquinho oriental e ocidental, ... vamos ver como vai ser isso. Um país curioso é a Rússia, um lado ocidental, mas o outro lado muito oriental. Mas aquele presidente da Rússia, cala a boca! (Risos)
Neste contexto e voltando à pergunta: o celibato eu acho uma coisa boa, mas o celibato obrigatório, ligado a uma vocação, eu não acho certo, não. Agora, o celibato por opção livre da pessoa, aí sim. Quanto aos ex-padres serem convidados para atuar na igreja, não sei se seria uma boa coisa. Nem sei se seriam bem aceitos e também nem sei se eu mesmo seria bem aceito. Não sei qual seria a reação. Nunca pensei nisso.

 
16.     Marcos Rocha: ainda como desdobramento da pergunta anterior, o que o senhor pensa sobre os escândalos que têm surgido em vários países (EUA, Irlanda, Portugal, também aqui no Brasil e até no Vaticano!) sobre pedofilia e homossexualismo praticados por padres. O Sr. vê alguma correlação entre esses desvios de conduta de padres e até bispos católicos e a exigência ou obrigação do celibato?"
Toon: com relação ao celibato poderia ter alguma correlação.  Como já disse, o celibato obrigatório não é uma boa coisa.

 
17.     Santana: nos anos sessenta, o senhor nos incentivou muito ao gosto pelo teatro e pelas representações cênicas, gostaríamos de saber se, posteriormente em sua vida profissional, o senhor organizou peças teatrais ou se envolveu em outras atividades artísticas?"
Foto dos anos 1980. A partir da esquerda:
Alexandre, Renata, Mônica, Socorro e Toon.
Toon: não, eu tinha que trabalhar. Não tinha mais tempo para teatro. Eu sempre apoiei o pessoal que mexia com artes, mas eu mesmo não tinha tempo; tinha dois filhos pra criar... dava aulas de psicologia e história. Fui professor do IMACO. O diretor do IMACO, Raul Murad, era muito meu amigo. Por aquele diretor eu tenho a maior admiração, muito correto.  
 
 
18.     Seoldo: a gente cria raízes novas, adapta-se e tudo... Mas as raízes velhas cobram um preço alto pelo transplante. Como você se sentiu/sente como um imigrante holandês no Brasil? Saudades da Holanda? (Em geral, imigrantes sofrem bastante).

Toon: não, eu me senti muito bem aqui desde o início. Eu aprendi uma coisa que uma pessoa falou para mim, não sei mais quem, mas é o seguinte: quando você vai ao outro lado, você tem que olhar. Então, quando vim para o Brasil, eu olhei, não tinha uma ideia moralista do certo ou errado.

 
19.     Seoldo: nosso grupo de conscientização lá do Bairro Santa Tereza -BH (do qual você foi o guia/líder e Socorro uma ativa participante) parece que, de uma maneira ou de outra, empurrou-me para ir trabalhar na Colônia Pindorama - AL, um projeto de reforma agrária tipicamente de cunho socialista - participação no trabalho e no ganho. O que aconteceu com aquele grupo depois de 1968?
Toon: o grupo se dispersou pouco tempo depois de 1968. Ali pelos anos 70, se não me falha a memória, eu larguei a batina. Casei-me em 1971, e o grupo deixou de existir.

 
20.     Seoldo: creio que sua decisao de deixar o sacerdócio foi dura, penosa... porém, corajosa. Admiro muito sua arrancada e a opção de formar uma família com Socorro. Aonde vocês foram passar a lua de mel?
Toon:  no Rio de Janeiro.  

         Outras fotos do entrevistado
O neto, o xodó.

Renata e o marido, Hans.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Senhora Dona Menina


Na Torre da Igreja

Por Siovani

- Boa noite, Dona Menina!

- Boa noite! Que bons ventos lhe trazem, Dona Filinha, ou foi algum bicho que lhe apoquentou em casa pra expulsar você pras bandas de cá?

- Nem lhe conto, Dona Menina, até que num aparece mesmo que fui desentranhada lá de casa por um bando esconjurado de formiga? Tô de tudo desinquieta e aperreada, aprecisando mesmo de prosear com a Senhora Dona Menina pra modo de um desmemoriamento.

- Mas o que que houve, dona, que agonia mais despropositada lhe tomou?

- Um trem de coisicas perrengues, Dona Menina, mas sabe como é, né? Um tico daqui, um apertinho ali, mais a precisão que num é pouca, e quando uma alma se dá conta quer inté deixar o desinfeliz vivente e pegar um pé de vento para ir falar lá com o Mestre Nosso Senhor.

- Num se apoquente tanto, Dona Filinha, a cada dia o pão que o Senhor Jesus Cristinho nos permite, para melhor servir na sua seara.

- A Senhora Dona Menina é própria um refrigério, e foi mesmo ansim mesmo que eu vim dar tento pras suas parolices e ensinanças, prum assossego do meu atarefamento.

- E a meninada, Dona Filinha, tanto tempo não lhe vejo que nem sei, a quantos anda a tropa?

- Pois num é, Dona Menina, ano que vai, ano que entra, as regra num vem e os guri num falha. Tudo adicionado e arredondado, completou treze: nove moleque e quatro guria. Fico em ponto de amalucar.

- E a senhora ainda num tá assegurada que a natureza precisa de um adjutório?

- Eu aprezo muito os conselho da Senhora Dona Menina, mas nesse propósito num posso apraticar, né? O Zé num deixa a mim nem um tico de brecha de falar o arrazoamento.

- Eta santa ignorância!

- A Senhora sabe como é, né? Ele inté que vai lá levar pro Padre Joaquim as preocupação que o pão pode ser minguado pra umas tantas boca, mas o vigário entinta a fala de tanto vermelho do coisa ruim lá de baixo, que o pobre dá uma viravolta avexado.

- Minha Virgem Santíssima, proteja o roto de pedir conselho ao estropiado!  

- E a senhora sabe, né? O vigário ajunta bem assublinhado que só a abestinência num é pecado, mas sabe como é, né? Num há modo de assuceder a tal abestinência, vai dia, menos dia, o cabresto da besta se arrebenta.

- E aí a farra corre solta, né Dona Filhinha? Com o cabresto arrebentado sobram uns meses bens elásticos para o parque de diversão funcionar bem azeitado.

- Pois num é, Dona Menina? Às vez a gente consegue inté umas boa compensação. Mas a Senhora Dona Menina falando dessas coisa me avexa e me avermelha.

- Deixa estar, Dona Filinha, que o pecado mora é na cabeça que o vê. Me conta das proezas dos meninos.

- Proezas, que mané de proezas, eu cá me viro e coço e os disgramado me arrelia com traquinices. As criação lá do terreiro é que sabe bem no direito o que é bom pra tosse. Me dá uma gastura ver os desprotegido aturar as maldade daquelas peste.

- São coisas de meninos sadios, Dona Filinha, melhor na lide das traquinices que dando aperreio em cima de uma cama.

- Eu tento não me destrambelhar, Dona Menina, mas às vez tem hora que não dá, e o tamanco tem que chorar pra modo de dar uma chegança naqueles modo dos inferno.

- Pra que isso, Dona Filinha, fecha um olho e toma um chazinho de camomila. Toma aqui, leva esta imagem da Virgem Aparecida para ajudar a apaziguar. Coloque ela reinando em sua casa e ela ficará à coca, espreitando pela sua paz.

- Que a Virgem lhe dê ouvido, Dona Menina! Vou de certo fazer um arreglo com ela pra me fazer uma modorra.

- E o Dadinho, Dona Filinha, quem te viu, quem te vê, a senhora deve de estar muito orgulhosa dele. Domingo na missa ele estava apurado ajudando o vigário, todo garboso naquela batina vermelha.

- Sei não, Dona Menina, às vez fico no orgulho, às vez às avessa.

- Eh, Dona Filinha, a senhora tá muito embrulhada, põe pé no mundo, mulher! Nem tanto ao léu, nem tanto ao créu.

- Sabe o que é, Dona Menina, é que antonte mesmo o Padre Joaquim foi lá na chácra me fazer um reclame, deu um pito danado em eu mais o Zé.

- E que foi que aquele dromedário foi reclamar?

- Pois antão, ele disse que queria desautorizar o Dadinho do adjutório na missa, e ansim tal que o moleque não tinha mesmo jeito de civilizar.

- Mas que foi que o menino fez, Dona Filinha?

- Bão, a senhora sabe como é, né? Toda tarde a igreja fica cerrada e só abre pra noite por causa das ladainhas, né? No entretanto daquele dia de tarde teve as prédicas para um morto defunto e a igreja havera de ser aberta. Ultimada as exéquia do falecido, que nem mesmo fiquei de conhecimento do quem, o padre refechou a porta e foi tirar uma pestana.

- Até agora não vejo assunto pra nenhum pandemônio.

- O budum é que o Dadinho mais o primo dele, o Teté, coroinha que nem ele, enquanto o defunto restava em duro pra modo o padre desvelar suas bênção, os dois excomungado em sorrateio treparam pelo escadório da torre no conluio de chegar inté os sino. Pois foi aí que a maiada da porca torceu o rabo, pois tanto a porta da torre foi fechada como devera de ser também a da igreja.

- Virgem! Os dois ficaram bem presos na torre!

- Sem a mais reles via de escapatória!

- Coitados dos meninos! E como foi que deram a escapadela de lá?
Igreja Matriz de Miracema, RJ, foto da década de 1950,
cedida  por  Nilo Marins

- Os dois ficou que nem mosca na pega da teia de aranha quando se assuntaram que não tinha fugida. Galgaram em outra vez o escadório lá pelas grimpa da torre, que era só a janela que ficou pro mundo, e se tocaiaram por embaixo do sino para vislumbrar se alguma alma atalhava lá por abaixo na entrada da igreja. Pra minha mitigação da injúria, os dois gambá ficaram uma pareia de tempo vislumbrando só o vazio. O sol ardido não deixava vazão pra criatura nenhuma se aventurar pelo chão fervido de pedra.

- Mas Dona Filinha, que aflição dos coitadinhos! Que pena que me dá.

- Que pena que nada, Dona Menina, lá em casa pena quem tem é galinha.

- Mas e aí, Dona Filinha, conta o resto que estou em aflição pelos pobres meninos.

- É que o tempo tarda mas finda por desempareiar no buraco da âmbula e um desinfeliz acabou por em aparecer. Os dois maroto se esgoelavam lá de cima enquanto o pobre aparvalhado procurava esclarecer se alguma andorinha dera a falar, até que avistou uma cabecinha debaixo do sino.

- E aí?

- Ademorou um tanto pro moço por antena que os dois tava preso lá e as pestes pediram pra chamar o padre.  Emburrado por modo de ser alevantado do sono e de ter que se abatinar, lá foi o coitado abrir a porta da torre e nem viu que os desavergonhado chisparam, cada qual num lado da perna dele, no instante mesmo que mal se arreganhou a porta e se escafederam no rumo da sacristia que sabiam ficar aberta.

- Ave Maria! Fico feliz que os malandrinhos não foram apanhados.

- Mas, Senhora Dona Menina, a senhora num acha que o Dadinho merecia uma esfrega das boas?

- Mas por quê, Dona Filinha?

- Por azucrinar o padre vigário.

- Que nada, Dona Filinha, merecem mais é uma paga. Mula velha só funciona com umas boas lambadas. Manda os dois passar aqui que tenho uns caraminguás pra eles.  

- Senhora Dona Menina!

- Ah, pois, ha, ha, ha...