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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Senhora Dona Menina


Na Torre da Igreja

Por Siovani

- Boa noite, Dona Menina!

- Boa noite! Que bons ventos lhe trazem, Dona Filinha, ou foi algum bicho que lhe apoquentou em casa pra expulsar você pras bandas de cá?

- Nem lhe conto, Dona Menina, até que num aparece mesmo que fui desentranhada lá de casa por um bando esconjurado de formiga? Tô de tudo desinquieta e aperreada, aprecisando mesmo de prosear com a Senhora Dona Menina pra modo de um desmemoriamento.

- Mas o que que houve, dona, que agonia mais despropositada lhe tomou?

- Um trem de coisicas perrengues, Dona Menina, mas sabe como é, né? Um tico daqui, um apertinho ali, mais a precisão que num é pouca, e quando uma alma se dá conta quer inté deixar o desinfeliz vivente e pegar um pé de vento para ir falar lá com o Mestre Nosso Senhor.

- Num se apoquente tanto, Dona Filinha, a cada dia o pão que o Senhor Jesus Cristinho nos permite, para melhor servir na sua seara.

- A Senhora Dona Menina é própria um refrigério, e foi mesmo ansim mesmo que eu vim dar tento pras suas parolices e ensinanças, prum assossego do meu atarefamento.

- E a meninada, Dona Filinha, tanto tempo não lhe vejo que nem sei, a quantos anda a tropa?

- Pois num é, Dona Menina, ano que vai, ano que entra, as regra num vem e os guri num falha. Tudo adicionado e arredondado, completou treze: nove moleque e quatro guria. Fico em ponto de amalucar.

- E a senhora ainda num tá assegurada que a natureza precisa de um adjutório?

- Eu aprezo muito os conselho da Senhora Dona Menina, mas nesse propósito num posso apraticar, né? O Zé num deixa a mim nem um tico de brecha de falar o arrazoamento.

- Eta santa ignorância!

- A Senhora sabe como é, né? Ele inté que vai lá levar pro Padre Joaquim as preocupação que o pão pode ser minguado pra umas tantas boca, mas o vigário entinta a fala de tanto vermelho do coisa ruim lá de baixo, que o pobre dá uma viravolta avexado.

- Minha Virgem Santíssima, proteja o roto de pedir conselho ao estropiado!  

- E a senhora sabe, né? O vigário ajunta bem assublinhado que só a abestinência num é pecado, mas sabe como é, né? Num há modo de assuceder a tal abestinência, vai dia, menos dia, o cabresto da besta se arrebenta.

- E aí a farra corre solta, né Dona Filhinha? Com o cabresto arrebentado sobram uns meses bens elásticos para o parque de diversão funcionar bem azeitado.

- Pois num é, Dona Menina? Às vez a gente consegue inté umas boa compensação. Mas a Senhora Dona Menina falando dessas coisa me avexa e me avermelha.

- Deixa estar, Dona Filinha, que o pecado mora é na cabeça que o vê. Me conta das proezas dos meninos.

- Proezas, que mané de proezas, eu cá me viro e coço e os disgramado me arrelia com traquinices. As criação lá do terreiro é que sabe bem no direito o que é bom pra tosse. Me dá uma gastura ver os desprotegido aturar as maldade daquelas peste.

- São coisas de meninos sadios, Dona Filinha, melhor na lide das traquinices que dando aperreio em cima de uma cama.

- Eu tento não me destrambelhar, Dona Menina, mas às vez tem hora que não dá, e o tamanco tem que chorar pra modo de dar uma chegança naqueles modo dos inferno.

- Pra que isso, Dona Filinha, fecha um olho e toma um chazinho de camomila. Toma aqui, leva esta imagem da Virgem Aparecida para ajudar a apaziguar. Coloque ela reinando em sua casa e ela ficará à coca, espreitando pela sua paz.

- Que a Virgem lhe dê ouvido, Dona Menina! Vou de certo fazer um arreglo com ela pra me fazer uma modorra.

- E o Dadinho, Dona Filinha, quem te viu, quem te vê, a senhora deve de estar muito orgulhosa dele. Domingo na missa ele estava apurado ajudando o vigário, todo garboso naquela batina vermelha.

- Sei não, Dona Menina, às vez fico no orgulho, às vez às avessa.

- Eh, Dona Filinha, a senhora tá muito embrulhada, põe pé no mundo, mulher! Nem tanto ao léu, nem tanto ao créu.

- Sabe o que é, Dona Menina, é que antonte mesmo o Padre Joaquim foi lá na chácra me fazer um reclame, deu um pito danado em eu mais o Zé.

- E que foi que aquele dromedário foi reclamar?

- Pois antão, ele disse que queria desautorizar o Dadinho do adjutório na missa, e ansim tal que o moleque não tinha mesmo jeito de civilizar.

- Mas que foi que o menino fez, Dona Filinha?

- Bão, a senhora sabe como é, né? Toda tarde a igreja fica cerrada e só abre pra noite por causa das ladainhas, né? No entretanto daquele dia de tarde teve as prédicas para um morto defunto e a igreja havera de ser aberta. Ultimada as exéquia do falecido, que nem mesmo fiquei de conhecimento do quem, o padre refechou a porta e foi tirar uma pestana.

- Até agora não vejo assunto pra nenhum pandemônio.

- O budum é que o Dadinho mais o primo dele, o Teté, coroinha que nem ele, enquanto o defunto restava em duro pra modo o padre desvelar suas bênção, os dois excomungado em sorrateio treparam pelo escadório da torre no conluio de chegar inté os sino. Pois foi aí que a maiada da porca torceu o rabo, pois tanto a porta da torre foi fechada como devera de ser também a da igreja.

- Virgem! Os dois ficaram bem presos na torre!

- Sem a mais reles via de escapatória!

- Coitados dos meninos! E como foi que deram a escapadela de lá?
Igreja Matriz de Miracema, RJ, foto da década de 1950,
cedida  por  Nilo Marins

- Os dois ficou que nem mosca na pega da teia de aranha quando se assuntaram que não tinha fugida. Galgaram em outra vez o escadório lá pelas grimpa da torre, que era só a janela que ficou pro mundo, e se tocaiaram por embaixo do sino para vislumbrar se alguma alma atalhava lá por abaixo na entrada da igreja. Pra minha mitigação da injúria, os dois gambá ficaram uma pareia de tempo vislumbrando só o vazio. O sol ardido não deixava vazão pra criatura nenhuma se aventurar pelo chão fervido de pedra.

- Mas Dona Filinha, que aflição dos coitadinhos! Que pena que me dá.

- Que pena que nada, Dona Menina, lá em casa pena quem tem é galinha.

- Mas e aí, Dona Filinha, conta o resto que estou em aflição pelos pobres meninos.

- É que o tempo tarda mas finda por desempareiar no buraco da âmbula e um desinfeliz acabou por em aparecer. Os dois maroto se esgoelavam lá de cima enquanto o pobre aparvalhado procurava esclarecer se alguma andorinha dera a falar, até que avistou uma cabecinha debaixo do sino.

- E aí?

- Ademorou um tanto pro moço por antena que os dois tava preso lá e as pestes pediram pra chamar o padre.  Emburrado por modo de ser alevantado do sono e de ter que se abatinar, lá foi o coitado abrir a porta da torre e nem viu que os desavergonhado chisparam, cada qual num lado da perna dele, no instante mesmo que mal se arreganhou a porta e se escafederam no rumo da sacristia que sabiam ficar aberta.

- Ave Maria! Fico feliz que os malandrinhos não foram apanhados.

- Mas, Senhora Dona Menina, a senhora num acha que o Dadinho merecia uma esfrega das boas?

- Mas por quê, Dona Filinha?

- Por azucrinar o padre vigário.

- Que nada, Dona Filinha, merecem mais é uma paga. Mula velha só funciona com umas boas lambadas. Manda os dois passar aqui que tenho uns caraminguás pra eles.  

- Senhora Dona Menina!

- Ah, pois, ha, ha, ha...