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sábado, 7 de novembro de 2015

Entrevista com Antônio José Ferreira


A família no aniversário de 3 anos da Laura 
ENTREVISTA COM O  'MENOR' AINDA: EASISTA  ANTÔNIO JOSÉ FERREIRA (SANTANA, TOINZÉ, IRMÃO MAIS NOVO DE CAIM E ABEL).



1 - Toinzé Santana, como foi que você foi parar lá no Seminário Santa Odília em Campo Belo? Foi mesmo influência do 'santo' Bessa quando este passava férias lá em Santana do Jacaré com sua família? Um pequeno resumo cronológico das coisas. Você continua admirando o ‘santo Bessa’ e rezando ainda, com fervor, para ele? Ou foi sua  irmã Maria que lhe deu alguns beliscões para ir rezar mais?




Já nasci com isso na cabeça
Resposta: Parece que eu já nasci com isso na cabeça. Desde que eu me entendo por gente, pensava em ser padre. Na verdade, eu queria mesmo era ser papa. Então, para isso, eu tinha que ser padre primeiro. Lembro-me que eu tinha uns seis ou sete anos e ia muito para a fazenda da Forquilha, de propriedade de meu tio Toinzinho e tia Ica (irmã de minha mãe).  Às vezes ficava por lá por uma semana ou mais juntamente com os primos Chico (filho da tia Ica), José Aloísio (filho da tia Marta, outra irmã de minha mãe) e o tio Fernando (irmão caçula de minha mãe), pouco mais velho que nós, seus sobrinhos. À noite, a gente se reunia em volta do fogão de lenha, principalmente nas épocas de frio, para nos esquentarmos e tomar Toddy com leite quente, era uma delícia. Meu tio Toinzinho era muito brincalhão e gozador. Ele gostava de tirar sarro de mim com a minha vontade de ser padre. Então ele virava para mim e dizia: ”você sabe como é que eles fazem a coroinha do padre (tonsura) que todo padre tem que usar?” Eu respondia: “não”. E ele continuava: ” é assim, oh ... eles pegam uma latinha de massa de tomate, tiram o fundo dela e colocam no cocuruto da cabeça do padre, colocam pólvora dentro e riscam um fósforo; a pólvora pega fogo e queima o cabelo dentro da latinha, por isso que fica redondinho daquele jeito” ...

Outra gozação que me faziam quando já era um pouco mais velho, em torno de 8 a 10 anos, era a seguinte: meus tios mais velhos e solteiros, filhos do meu avô Toniquinho Barbosa, que acolhia o Antônio Bessa em família quando ele tirava férias, gostavam de provocar-me dizendo que havia um segredo usado no seminário para manter os seminaristas quietinhos, e não pensarem em namoradas. O tal segredo (será que foi o Bessa que contou??) consistia em colocar salitre na comida ... aí os seminaristas ficavam comportadinhos. Outros rapazes, para assustarem-me, diziam que a primeira coisa que os padres faziam, assim que todo menino chegava ao seminário, era mandar castrá-lo para que ele nunca mais saísse de lá ... durma com um barulho desses!
Apesar disso, eu não mudei de ideia e continuei firme no meu propósito. Quando terminei o curso primário, em Santana do Jacaré, decidi ir para Campo Belo.
Padre João Batista Verkaden
Quem me influenciou para eu escolher o Seminário Santa Odília, logicamente, foi o Bessa que estudava lá. Mas não foi somente por isto. Naquela época, a paróquia da cidade estava aos cuidados dos Crúzios, tendo como pároco o Padre João Batista Verkaden, e também os seminaristas crúzios, às vezes, passavam as férias do meio de ano lá em Santana, como aconteceu no ano de 1958, conforme Crônica do próprio Bessa publicada aqui no Blog 
Clique aqui para acessar a crônica.

Certa vez, esses seminaristas foram ao sítio onde eu morava buscar laranjas. E num dia à tarde, conversei por um bom tempo com um daqueles seminaristas, sentado em um matacão de pedra perto do campo de pelada atrás da igreja matriz. Tudo isso me ajudou a decidir pelo seminário de Campo Belo, aonde cheguei pela primeira vez no final do ano de 1960, acompanhado do José Aloísio (Zé Sapo), que já estudava no Dom Cabral e me mostrou o caminho. Lá me entrevistei com o Pe. Marino, na época Diretor do Seminário, que me acolheu muito bem e combinamos a minha apresentação para o início do ano seguinte. Para isso ele me passou algumas instruções, inclusive o enxoval necessário e o número que minha mãe deveria colocar nas roupas para não misturar com as de outros seminaristas.

Respondendo ainda sua pergunta: sim, continuo admirando o Bessa, embora ainda não tenha pedido sua intercessão. Quem sabe, seja o caso de fazermos isso. Pode ser que ele nos socorra de uma forma milagrosa e aí poderemos ter pelo menos dois milagres comprovados que possam servir para sua santificação.

Não, a Maria, minha irmã mais nova, nem a primeira irmã, a Lúcia, precisaram dar-me beliscões para rezar mais. Naquela época eu era muito rezador e morria de medo de ir para o inferno, embora não deixasse nunca de cometer os meus pecados. Ainda bem que depois o Pe. João me perdoava nas confissões, se bem que alguns pecados eu escondia, de vergonha.
Por falar na irmã Lúcia, tenho uma estória sobre ela. Quando ainda íamos a pé do sítio para a escola, em Santana do Jacaré, fazíamos um percurso de 3 km e gastávamos aproximadamente uma hora de caminhada, uma vez que as nossas pernas eram ainda muito curtinhas. Num determinado dia, estávamos voltando da aula, com muita fome antes do almoço. De repente, na saída da cidade para perto de nós um veículo, tipo baú, daqueles muito usados naquela época para transporte de mercadorias, e o motorista nos oferece uma carona. Aqui eu faço um pequeno parêntese para explicar algo para facilitar o entendimento daquilo que aconteceu em seguida. Entre nós meninos de roça havia muitas conversas assustadoras de lobisomem, mula sem cabeça, fantasmas, etc.. Entre essas, existia uma sobre os tais veículos com carroceria fechada, que dizia que dentro daquele baú existia um moedor grande para moer crianças que os motoristas pegavam nas estradas e a carne delas era usada para fazer salame. Aí vocês podem imaginar o que rodou em minha cabeça na mesma hora. Assim que o motorista parou e abriu a porta do passageiro, convidando-nos para entrar, a Lúcia imediatamente foi pondo os pés no estribo da porta.
Eu a puxei rapidamente para trás, recusando a carona e dizendo que preferíamos ir a pé. O motorista não entendeu aquela recusa e continuou insistindo, e, por fim, vendo que eu não iria mesmo, ele falou: “então, deixa só a menina vir”, ao que, imediatamente, atalhei, segurando o braço dela: “não, ela também não vai não”. O motorista desistiu e foi embora.

Nós seguimos a pé e a Lúcia foi lamentando o tempo todo a carona perdida.

2 - Lembro-me de que você era um 'menor' calmo, de voz rouca, observador e que evitava confrontos nas 'peladas' e nos jogos de botão e pingue-pongue (ou Ping-Pong), etc... Você chegou a brigar mesmo e discutir firme com outros 'menores/maiores' por algum maltrato ou por tentarem roubar aquele seu famoso BONÉ que o fazia parecer um irmão da dupla Caim/Abel do Velho Testamento?

Resposta: não sei o porquê dessa semelhança Caim/Abel (estou intrigado; espero que você me explique isso nos comentários). Realmente eu era muito quietinho mesmo, mas era de medo. Eu era muito medroso, aliás, ainda sou. Eu tinha muito medo de brigar, de apanhar. Medo de assombração, lobisomem, mula sem cabeça. Eu era um jacu da roça, que caiu no meio daqueles meninos da cidade, muitos de Belorzonte, Ridjanêro, Belempará, Jusdifora.
Não sei como nem por qual motivo, logo nos inícios de minha estada no seminário, numa daquelas peladas de toda tarde eu me entestei com o Zé Aguinaldo, mas parece que ele me deu uns tabefes e eu acabei afinando. Só sei que um dia ou dois depois daquilo, o Zé Sapo e o Fernando, meu tio que também era aluno do Dom Cabral, ficaram sabendo do acontecido e me procuraram. Aí, eles me disseram: “fala quem foi que te bateu que nós vamos pegar e dar uma coça nele”. Então eu retruquei: “não foi nada não ... eu é que fiquei com dó dele e não quis bater muito nele”. Não sei se eu falei aquilo com pena dele ou de medo ... vamos que ele apanhasse dos meus parentes e depois me pegasse de novo sozinho no seminário e me desse outros tapas... e a parentela dele (de Senhora de Oliveira) lá no seminário ... achei melhor curtir meu couro calado.
Autor muito lido no seminário
Depois de uns três ou quatro anos, acho que resolvi descontar no Zé Márcio, o Cebolinha. Isso já foi no campo de treino (gramado). Também não lembro o motivo porque saímos “no tapa”. Verdade que o Cebolinha era menor e mais franzino que eu, mas com medo de apanhar novamente, que seria uma vergonha para mim, parti com disposição para cima dele e lhe desferi um murro certeiro, que o atingiu bem num dos olhos. De susto, ele parou e eu me arrependi na mesma hora, pois todo mundo correu para o lado dele e logo o olho dele começou a ficar roxo, e assim ele ficou por mais de uma semana, coitado. Acho que no mesmo dia pedi-lhe perdão e ele, muito generosamente, perdoou-me de coração. Mas eu não podia olhar para o olho dele, que eu ficava mortificado. Começaram a me chamar de Effendi, aquele personagem dos livros de Karl May (autor muito lido no seminário), que era conhecido por seu punho e mão de ferro, e eu ficava entre envaidecido e arrependido.
Por causa de meu boné, não me lembro de ter brigado. Mas parece que você sabia ou andou pesquisando essas estórias, porque sua pergunta, nesse sentido, foi muito direta e bem no alvo.



3 - Quais suas lembranças mais marcantes do seminário e como você via e aceitava a rotina diária: dormir/rezar/comer/estudar/brincar? Faltava-lhe alguma coisa? Quem foram seus dois vizinhos de dormitório? Qual foi seu número? Você chegou a conversar baixinho com o travesseiro? Qual a sua refeição favorita: aquela feita pela Dona Luca ou a da Dona Mariazinha? Você também cantava o 'Coração Santo' quando subia a rampa para o dormitório ou para a capela?



As lembranças dos passeios - foto de 1962
Resposta: Quando eu fecho os olhos e penso o que mais me marcou no seminário, veem-me as lembranças dos passeios que de vez em quando fazíamos aos rios e cachoeiras próximos do seminário, como o rio Jacaré e o rio da usina hidrelétrica de Candeias. Como eu gostava das viagens nos caminhões, tipo pau de arara, e a chegada aos rios, onde se nadava e pescava! As primeiras coisas que fazíamos era descer as panelas com o almoço e os engradados de Lilabá (refrigerante à base de limão, laranja e abacaxi), que eram colocados dentro d’água para refrigerar. Depois íamos nadar e brincar na água até cansar. Na hora do almoço, fazíamos uma fila para pegar o rango e o refrigerante. Parecia que não existia nada mais gostoso que aquela refeição.
Visita do Padre Provincial em 1963
Outra lembrança marcante que eu tenho do seminário, já que você me qualificou de observador na pergunta anterior, é a seguinte: no meu primeiro semestre no seminário houve um encontro no Colégio Dom Cabral com vários padres da Ordem da Santa Cruz, com a presença do Provincial da época no Brasil, o Pe. Arnaldo. Não sei bem o motivo desse encontro, pois ainda me encontrava muito por fora de tudo que ia além de nossa rotina diária, mas parece que tinha relação com a construção de uma nova ala no prédio do colégio, especificamente para atender as necessidades do seminário, que se encontrava em expansão com o aumento do número de seminaristas. Uma noite, estávamos na sala de recreio, quando chegou o Pe. Jerônimo acompanhado do Provincial. A entrada do Provincial chamou a atenção de todos na sala e, logo após os cumprimentos, o Padre Jerônimo falou que o Padre Arnaldo iria fazer uma mágica e todos ficaram mais atentos e curiosos. Então o Pe. Arnaldo começou a solicitar alguns objetos pequenos de metal. Alguém entregou uma roldana de cortina e ele examinou cuidadosamente a roldana, parece que medindo o tamanho. Depois enfiou a mão direita com o objeto naquele bolso enorme de sua batina e solicitou outro objeto. Algum dos padres presentes lhe estendeu um anel. Ele pegou o anel, virou-o de um lado para outro, achando-o um pouco grande, mas o enfiou dentro do bolso com a mão. Tirou a mão do bolso, fez um pouco de suspense e tornou a enfiar a mão no bolso, retirando de lá uma sacola de pano amarrada pela boca. Ele desfez as amarras e de dentro da sacola retirou uma caixa de madeira, também amarrada. Abrindo-se a caixa, deparamos com uma nova sacola de pano, também amarrada. Não me lembro quantas sacolas e caixinhas foram abertas, em sequência, até que finalmente apareceu a última caixinha de madeira, que quando aberta apresentou lá dentro a roldana de cortina e o anel. Ele entregou o anel a seu dono e a roldana a um dos seminaristas e, rapidamente, juntou todos os apetrechos da mágica e enfiou-os no bolso. Todos ficaram admirados e curiosos e querendo saber como ele fizera aquilo. Como de praxe, o mágico não contou seu segredo. Naquela noite, eu fui pra cama com aquela mágica remoendo na minha cabeça e não dormi logo. Virava e revirava na cama e a resposta não vinha. Foi quando me veio à memória que o Padre Jerônimo dera uma pista dizendo que o truque estava nas amarras, aí então, lembrei-me de um estalido que eu ouvira antes do Pe. Arnaldo tirar a mão do bolso e fazer aquele suspense. Nesse momento matei a charada e consegui dormir. No dia seguinte, assim que encontrei o Pe. Jerônimo fui logo dizendo: “padre, descobri o segredo da mágica; o Provincial tem um canudo de madeira por onde ele passa os objetos desde a abertura da primeira sacola até a última caixinha e tudo é amarrado com elástico. Por isso deu aquele estalinho quando ele retirou o canudo”. Ele me olhou e riu, mas não entregou a mão à palmatória. Depois desse dia, os padres me viam com outros olhos e eu já não era mais tão jacu para eles.

Da rotina diária, lembro-me das horas de estudo noturnas, onde o padre responsável quase sempre era o Pe.Lucas, que continuamente fumava o seu charuto; de como a gente sempre dava um jeito de ler um livro ou uma enciclopédia para passar o tempo.

Faltava-me alguma coisa? Eis aí uma pergunta difícil de responder. Para um menino vindo da roça, acostumado no isolamento, aquele ambiente animado e cheio de novidades era tudo que eu queria. Então eu não pensava em falta, no entanto, apesar de tudo, eu sentia uma angústia que eu não sabia exprimir e me deixava inquieto. Parecia uma necessidade de realizar algo que até hoje sinto.

Lembro-me de dois vizinhos no dormitório novo: o Ildeu e o Tião Rocha. No dormitório velho, não me lembro bem. Meu número era 1(um). O portador desse número havia deixado o seminário pouco tempo antes de eu chegar.

Conversar baixinho com o travesseiro, não me alembro, mas chorar no travesseiro, devo ter chorado algumas vezes.
Eu não sabia diferenciar a comida de uma cozinheira da outra. Parece que havia uma diferença da comida que vinha para nossa mesa e aquela que ia para a mesa dos padres. Em relação a nossa comida, eu gostava quando serviam carne de porco, provavelmente pernil, que vinha com uma gordurinha branca por cima. Eu lambia os beiços!

Não me lembro de cantar o “Coração Santo” subindo a rampa. Isto deve ser do tempo mais antigo ao meu. Lembro-me de subir a rampa depois das peladas ou dos treinos de futebol para o banho, com todo mundo suado e uma catinga de “suvaco” danada. Era dose para elefante!


4 - Depois da sua saída, que aconteceu com relação a sua educação? Andou fazendo muitas farras? Namorou muito? Continuou rezando? Como foi seu encontro com sua esposa Fátima? Ambos caçando borboletas no jardim da praça?



Resposta: saí do seminário no final de 1967, tendo já cursado o 2º Científico (hoje: 6ª série do 2º Ciclo). Como era pensamento do Pe. Justino, o aluno deveria fazer o 3º Científico em colégio próximo à universidade onde pretendia prestar vestibular para se adequar melhor às características de cada vestibular. Todavia o Pe. Justino tinha uma queda para a área agrícola e, naquela época, ele indicava aos alunos interessados nessa área que se dirigissem a Viçosa, onde existia uma famosa escola agrícola, a UREMG, hoje UFV.
Meio sem rumo na vida, decidi ir para Viçosa, pois lá também tinha acabado de se formar em Engenharia Florestal meu tio Sessé e, um outro primo, o Morelinho, lá ainda se encontrava fazendo o mesmo curso. Então eu fiz o Colégio Universitário (COLUNI) e prestei vestibular para Agronomia, completando esses estudos ao final de 1972.

Farras? Não, não tinha jeito para isso. Quando eu estava no seminário, fiquei muito doutrinado em meu jeito de agir, e, em ambiente fora do seminário, eu me sentia meio deslocado e acabava agindo feito um “santinho”: sentia-me comprometido em rezar muito e não gostava de falar, fazer ou pensar em “bobagens” (sacanagens, indecências). Então desde as primeiras férias no seminário, fiquei marcado como aquele menino perto de quem não se falava besteiras nem piadas indecentes, etc, e logo fui recebendo o apelido de padre (até hoje alguns amigos ainda me tratam por esse apelido).
As meninas de Santana, todas me viam como padre e pareciam 
 fugir de mim
Quando deixei o seminário, a minha vida ficou difícil. Eu me sentia desajustado. Por isso não conseguia arranjar namoradas. As meninas de Santana, todas me viam como padre e pareciam fugir de mim, pelo menos, essa era a minha impressão. Ainda rezava, mas já não com a mesma frequência. A vontade era descambar para a gandaia, mas realmente eu não levava jeito e, ainda, o medo do inferno me atormentava.
Para complicar a situação, logo que saí tive que prestar o serviço militar, do qual pelejei para escapar, mas não teve jeito. No final, foi bom porque me ajudou a tirar a indumentária de seminarista. Assim, comecei o Tiro de Guerra em Campo Belo no início de 1969 e depois consegui transferência para Viçosa, onde continuaria estudando e fazendo o tiro. Foi difícil levar as duas tarefas adiante, mas como a gente tinha uma boa base de estudos desde o “Dom Cabral”, consegui dar conta das duas coisas.
Como já disse, eu não conseguia arranjar namoradas. Eu tinha medo de  aproximar-me de uma moça e ser rejeitado. Normalmente eu só conseguia aproximar-me das meninas nos famosos bailes e, assim mesmo, tomando umas e outras doses de cerveja ou da “marvada”. Quase sempre levava um “toco”, mas aí não ligava muito, pois já estava “meio alto”. Como dizia o humorista: “passa a régua”.

Em 1970, quando o Brasil ganhou o tricampeonato de futebol no México, todo mundo saiu à rua para comemorar. Era período de aula e eu estava em Viçosa e, lá, a concentração foi na praça principal, onde era costume as pessoas ficarem dando voltas. Era de noite e todo mundo já estava num fogo só. De repente, eu olho de lado e vejo uma linda garota. Ela olhou para mim e sorriu. Eu fiquei mais animado, sorri também e dei-lhe o braço. Ela aceitou e continuamos dando voltas na praça. Resumindo: continuamos juntos até por volta da meia noite quando fui deixá-la em casa. Nessa altura, a brasa já tinha diminuído e eu não estava mais tão eufórico. Mesmo assim, voltei todo animado para casa, pensando ... dessa vez eu “ me aprumei”. Acontece que alguns dos meus colegas viram a cena e, nos dias seguintes, como numa pescaria ficaram incentivando-me a continuar lutando para trazer o peixe para o balaio. Mas o meu medo costumeiro voltara e eu não conseguia mais falar com a menina. Tentava telefonar e só gaguejava. No final das contas o peixe me escapou totalmente. A conversa foi parar no ouvido do EvaldoVilela, outro primo meu de Campo Belo, que depois se tornou professor e chegou a reitor da UFV. Na ocasião, parece que ele viu o acontecido e como também não colocava muita fé em mim, comentou numa roda de amigos: “Também uma menina daquelas, pro Tonho, só de tri em tri”.



Fátima e Antônio José, em 1971.
E assim  perdemos o primeiro papa 
brasileiro.  
Fátima e Antônio José, em 2015, 44 motivos para um brinde. 
Você me pergunta como encontrei a Fátima e eu respondo: não sei, parece que foi ela que me encontrou primeiro. Acho que foi em 1971. Era período de férias e eu estava em Santana. Havia um baile marcado para o final de semana, não me lembro se era uma sexta ou um sábado. No final da tarde, o meu tio Fernando, aquele mesmo que quisera bater no Zé Aguinaldo lá no seminário e agora se tornara meu parceiro nas paqueras, chegou pra mim e disse: “Padre cê viu quem chegou para o baile?” Eu respondi: “não ... quem”? E ele: “as meninas de Lavras”.
De vez em quando apareciam em Santana umas meninas
de Lavras e era um reboliço. 
De vez em quando apareciam em Santana umas meninas de Lavras e era um reboliço entre os rapazes da cidade. O Torresmo, esse era o apelido do tio Fernando, já havia paquerado umas duas em ocasiões diferentes. Então, eu perguntei: “é aquela loira?” E ele: “não, é uma morena”. Então falei: “ah, é aquela com quem você ficou da outra vez”? Ele respondeu: “não, é a irmã dela” e eu retruquei: “mas ela é muito nova!” e ele: “ela cresceu e encorpou ... tá um tiro”. Bom, pensei comigo, mas sem comentar com ele: “se é a tal, deve ser aquela com quem eu dancei uma vez lá na casa do Escrivão”. “Bem que ela não me enjeitou como essas meninas de Santana, mas era muito novinha... vamos ver como ela vai estar agora”. Com esses pensamentos na cabeça, já fui mais animado para o baile. Tomei umas e outras e parti cedo para o clube para chegar antes do Torresmo e de outros espertinhos. Lá chegando, dentro de pouco, o conjunto musical começou a tocar e a pista de dança foi enchendo-se de pares dançantes. De repente, no meio das moças eu vejo a morena de Lavras. Reparei que ela estava mesmo mais dotada fisicamente e resolvi arriscar-me. Caminhei para o lado dela e a convidei para dançar, entre afoito e temeroso. Ela aceitou numa boa e eu fiquei um pouco aliviado. Dançamos e conversamos por algum tempo e quando a música parou, ela permaneceu do meu lado sem arredar-se. Já fiquei mais animado. Final da história: ficamos juntos até o final do baile, então eu perguntei se podia deixá-la em casa e, como ela estivesse de acordo, dirigimo-nos para a saída do clube, acotovelando-nos no meio das pessoas que também saíam. Foi quando eu escutei de um rapaz que fazia pouco de mim cochichando com outro: “olha só o mulherão que o Padre arrumou (naturalmente o mulherão não era pelo seu tamanho, mas sim pelos seus atributos)”. 
Aí eu pensei: “agora que eu não a solto mais”.  Mais tarde, com o passar dos anos, fui percebendo que seus atributos não eram somente físicos, e que a Fátima  era uma moça com valores humanos e morais que me fizeram, ao final, esquecer-me de virar papa.
      

5 -
Fátima, Flaviane, Sávio, Laura
e Lucas nos EUA,, em Orlando ,
out/2015
Você/Família andaram fazendo viagens no exterior. Alguns comentários e observações. Muita coisa diferente? Mineiro no exterior não pode ficar de cócoras, não é verdade?  Você perguntou à Fatima qual a diferença entre Nova Iorque e Santana do Jacaré?


Em frente da Igreja de Madeleine, em Paris. 
Resposta: Não entendi bem o lance de mineiro não poder ficar de cócoras, mas imagino que seja porque no exterior ele não vai ter um cigarro de palha pra fazer nem vai encontrar facilmente o “cumpadre” caipira pra bater um dedo de prosa, enquanto pita o seu “paiêro”.
Fátima em frente  da Louis 
Vuitton
Antônio José, em Orlando, foto de 1978
Até que não fizemos muitas viagens para o exterior. Eu viajei uma vez a serviço do extinto IBC (Instituto Brasileiro do Café) para a Jamaica com passagem por Miami e Orlando nos EUA, junto com outro colega do IBC (comentários mais abaixo). Em 2011, viajei com a Fátima para a Holanda, onde ela fez alguns cursos e treinamentos em design floral. Na oportunidade fizemos um périplo por Dublin na Irlanda, Liverpool na Inglaterra e Paris, no caminho de volta para o Brasil. As nossas passagens pela Holanda Irlanda  e Liverpool ) estão registradas em publicações no Blog dos Encontristas, de forma que não pretendo fazer nesta entrevista maiores comentários a esse respeito. Quem se interessar por mais detalhes pode acessar clicando aqui.
Fátima na frente da Galeries Lafayette
Quero acrescentar apenas que o Luiz Alfenas, um dos nossos  editores, cobrou-me uma publicação da nossa passagem (minha e da Fátima) por Paris. Decidi não fazer a postagem porque ficamos muito pouco tempo (três dias) em Paris (Fotos) e praticamente não vimos nada de Paris. No pouco tempo que ficamos por lá, a Fátima me arrastou para as Galeries Lafayette da Boulevard Haussmann e outras lojas famosas da  Avenue des Champs-Élysées como a Louis Vuitton, Boutique Nespresso, etc., onde ela passava horas e horas somente admirando as vitrines, porque o dinheiro para compras, este mesmo, estava curto. Ainda bem que conseguimos visitar o Arco do Triunfo, a Torre Eiffel e passeamos ao longo do Rio Senna e atravessamos a ponte dos cadeados (Pont des Arts, cujos cadeados hoje são proibidos), próximo ao museu do Louvre, onde não entramos. Ir a Paris e não entrar no museu do Louvre nem na Catedral de Notre-

Dame é o mesmo que não ir a Paris, por isso achei melhor não fazer a postagem específica da cidade luminosa. Preferi deixar para outra ocasião, se houver.
Carta da Coffee Industry Board of Jamaica
  em agradecimento ao relatório e recomen-
dações feitas pelos Sr. Ferreira e Swarça 
no combate à broca do café. (clique para ver 
os detalhes)
Antônio José e o engenheiro
agrônomo, Mr. Brown, do
Coffee Industry Board 
Foto de 1978
Quanto à viagem à Jamaica, em 1978, foi uma viagem a trabalho, onde eu e o colega Luiz Carlos M. Swarça do IBC de Londrina representamos o governo brasileiro em missão de apoio ao Ministério de Agricultura da Jamaica após a introdução casual da broca-do-café na ilha, acarretando sérios prejuízos à cafeicultura local. Passamos uma semana visitando as regiões cafeeiras e conhecendo suas particularidades de produção de café, como o especialíssimo Jamaica Blue Mountain Coffee, cultivado nas regiões montanhosas de Blue Mountain, preparado e embalado nas indústrias do Coffee Industry Board of Jamaica (80% da produção exportada para o Japão). Das sementes deste café se prepara o também delicioso licor de café Tia Maria, mundialmente reconhecido.
Já a Fátima viajou neste ano para os Estados Unidos, em companhia de nossa filha Flaviane, seu esposo Sávio e as crianças Laura e Lucas, por ocasião da visita do Papa Francisco ao país. Fizeram um roteiro extenso durante 17 dias, cruzando os céus americanos de sul a oeste e depois leste, passando por Miami, Los Angeles, Nova York, Filadélfia, Orlando e retornando ao Brasil, novamente por Miami.    
Fiz a pergunta à Fátima, que você me sugeriu, e ela respondeu: “em Nova York a gente olha pra cima e só vê arranha-céu e em Santana, a gente só vê céu”.     



6 - Por fim, fale algo sobre sua filha Camila, que sempre está alegre presente nos nossos Encontros... também sobre  outros filhos(as) ,  netos(as). E, também, sobre as atividades da Fátima, que vive promovendo casamentos aí em Lavras.


Camila e sua inseparável
companhia, a Safira. Ao fundo
a vó Gaída. 
Resposta: realmente a minha filha Camila gosta muito dos nossos encontros, dos quais ela prefere participar de seu jeito característico: estar presente, mas nem sempre participando de todos os acontecimentos. Ela se satisfaz em encontrar e bater um papo com as amigas que ela conheceu nos primeiros encontros como a Dita, a Nazaré, a Marina,  esposa do Tupy, a Judith e outras; e, no resto do tempo, recolhida em seu canto apreciando os seus cigarrinhos. Assim também como aqui em casa, onde ela prefere ficar no seu quarto e nem sempre participa dos acontecimentos e festas de família. É o seu jeito de ser que nós respeitamos e a gente apenas lamenta que em muitas fotos de família ela não aparece porque não estava presente ao acontecido.
Paulo Henrique, Natália e Antônio 
Henrique
Flaviana, Sávio  e as crianças,
Lucas (1) e Laura (6)
Temos dois filhos casados: o médico Paulo Henrique, casado com a Natália, estudante de Odontologia, que nos deram um netinho, o Antônio Henrique (9 anos), e que residem em Lavras; e a Flaviane, assistente social, que eu já citei, casada com o engenheiro agrônomo Sávio; e que moram em Ponta Grossa – PR, juntamente com nossos dois outros netinhos, a Laura (6 anos) e o Lucas (1 aninho).
Amanda e Junior
Temos também o filho caçula Júnior (Antônio José), formado em Educação Física, que trabalha na Aeronáutica em Pirassununga, e ainda não se casou, mas está de namoro com a Amanda, engenheira de alimentos, que trabalha na empresa Jeito Caseiro de Lavras.

Decoração da Fátima no Clube
 Camuá, Lavras (Out 2015)
Decoração da Fátima no Clube
 Camuá, Lavras (Out 2015) - detalhe
Design floral da Fátima



Como você me pergunta, a
Foto de outra decoração da Fátima
Fátima trabalha há uns 20 anos como design floral fazendo decorações em eventos e festas. Ela é apaixonada pelo seu trabalho e é capaz de passar noites e madrugadas nos fins de semana executando a sua arte. Como diz o ditado: “uma imagem vale mais que mil palavras”. Dessa forma, prefiro apresentar algumas fotos de seu trabalho artístico para vocês verem se eu não tenho razão de estar gabando-me e todo orgulhoso de sua capacidade.    

    


7 - Qual a sua visão do Brasil de amanhã?

Resposta: Excelente pergunta, todavia de difícil resposta e para respondê-la corretamente eu precisaria escrever um livro de, pelo menos, umas 200 páginas. Todavia, vou tentar ser sucinto.
Desde o nosso tempo de seminário ouço dizer: o Brasil é o país do futuro. E lá se vão mais de 50 anos e parece que esse futuro nunca chega. No entanto, de fato o Brasil era e continua sendo o país do futuro e já reconhecido mundialmente como uma potência global, senão vejamos:
a)     Posição do Brasil no panorama mundial: 5º maior país em extensão territorial; 5º em população; 7ª economia mundial (PIB-2014).
b)    O Brasil é um dos líderes mundiais na produção e exportação de vários produtos agropecuários. É o primeiro produtor e exportador de café, açúcar, etanol de cana-de-açúcar e suco de laranja. Além disso, lidera o ranking das vendas externas do complexo da soja (farelo, óleo e grão) e tem o maior rebanho bovino comercial do mundo.
c)     Atualmente, o Brasil é 13º em reserva e 12º em produção de petróleo no mundo. Levando em conta as estimativas conservadoras, que apontam que o pré-sal possui reservas da ordem de pelo menos 60 bilhões de barris de petróleo, o país tem chances de entrar para a lista das 10 maiores potências petrolíferas até 2030, ultrapassando Estados Unidos e Líbia.
d)    O Brasil tem uma participação importante no cenário mundial de reservas minerais. O Brasil é possuidor das maiores reservas de nióbio (98,2%), barita (53,3%) e grafita natural (50,7%) em relação ao resto do mundo. O país se destaca também por suas reservas de tântalo (36,3%) e terras raras (16,1%), ocupando a posição de segundo maior detentor destes bens minerais. Os minérios de níquel, estanho e ferro também apresentaram participação significativa de valores de reserva a nível mundial.
e)    O Brasil possui a maior reserva mundial de água doce e tem o maior potencial hídrico da Terra; aproximadamente 13% de toda água doce do planeta encontra-se em seu território.
f)      Segunda maior reserva florestal do mundo, atrás apenas da Rússia. No entanto o Brasil possui a maior cobertura de florestas tropicais do mundo, especialmente concentrada na Região Amazônica. Por esta razão, aliada ao fato de sua extensão territorial, diversidade geográfica e climática, nosso país abriga uma imensa diversidade biológica, o que faz dele o principal entre os países detentores de megadiversidade do Planeta, possuindo entre 15% a 20% das 1,5 milhão de espécies descritas na Terra. Possui a flora mais rica do mundo, em torno de 55 mil espécies de plantas superiores (aproximadamente 22% do total mundial); 524 espécies de mamíferos, 1.677 de aves, 517 de anfíbios e 2.657 de peixes.
Vou parar por aqui com esses dados estatísticos porque senão esta entrevista vai se alongar além de seus objetivos estabelecidos e nem todo o mundo tem paciência e tempo para debruçar-se sobre tantos números.
Então, vem outra pergunta: por que com tanta riqueza e tamanho potencial o Brasil vive num drama que parece que vai afundar de uma vez?
Realmente é difícil de entender e eu já me fiz esta pergunta várias vezes. Eu sou otimista e esperançoso e confio naquela frase: “o Papa é argentino, mas Deus é brasileiro”. Mas no momento estou um pouco temeroso. Penso que o futuro do Brasil depende do resultado dessa briga de cachorros grandes que se está travando atualmente: de um lado um governo progressista, comandado por uma mulher valente, corajosa e honesta, que externamente peitou o governo americano na questão das espionagens e na criação do grupo dos BRICS, mas internamente se encontra fragilizada pela falta de apoio político e pela pesada campanha da mídia, e, do outro lado, uma oposição conservadora aliada a grupos
Direitistas radicais (ambos apoiados por grandes empresas americanas e outras multinacionais interessadas em apropriar-se de nossas riquezas)
que não reconhecem a derrota nas urnas e querem a todo custo destituí-la, mesmo que este custo seja implodir o nosso país. Acho que esse confronto iniciou-se mais ou menos dois anos antes das últimas eleições e culminou com a declaração da presidente durante a campanha eleitoral ao manifestar a sua decisão de combater a corrupção, desmontando pedra sobre pedra, doa a quem doer. Esta firme decisão contribuiu para que se reunissem do outro lado todos aqueles com o “rabo preso” temerosos das consequências desta firme determinação, se levada a termo. Isto a enfraqueceu ainda mais politicamente, porque entre os de “rabo preso” existem grupos de mídia, da oposição, do judiciário, do ministério público e do próprio governo e aliados, e só Deus sabe o resultado final desse embate.     

8- Lulu: Vai mais uma pergunta para o Santana: você participou na organização de dois Encontros, o que você recomendaria para aqueles que vão organizar os próximos? O que não pode faltar para o sucesso de um Encontro? 

Resposta: Penso que os organizadores do próximo encontro, tendo à frente o Lulu e o Edgard, têm uma grande experiência na organização de eventos desse tipo e acredito que o encontro em Senhora de Oliveira será um grande sucesso, superando todos os anteriores. O que eu posso recomendar é que depois de tudo programado, mais ou menos uma semana antes do encontro, chequem tudo, para que não ocorram imprevistos de última hora, como por exemplo, a banda não aparecer, faltar água durante as viagens, entrar no cemitério para preencher o tempo enquanto a banda não vem, etc..

9- Siovani: O meio acadêmico, ou boa parte dele, ainda tem sido um baluarte na sustentação do PT e do governo Dilma. O que você tem a dizer-nos sobre o assunto?

Resposta: concordo com você neste ponto e acrescento que isto se deve em grande parte ao grande esforço que o Lula fez em seus dois períodos de governo para dar sustentação às universidades e institutos federais de educação e a Dilma tem dado continuação, criando-se nesses dois governos do PT várias novas universidades e escolas técnicas, como também o Prouni e o Ciências sem fronteiras. Tudo isso, somado ao descalabro que existia nas universidades anteriormente no governo FHC, era de esperar-se que houvesse um apoio maior no meio acadêmico às políticas do governo Dilma, todavia não é o que se observa e existem muitas resistências. Acho que isto se deve à campanha pesada de desmoralização que a mídia faz contra o PT, Lula e Dilma com interesses escusos. E olha que eu não sou petista de carteirinha, apenas simpatizante porque me identifico com seus propósitos de justiça, igualdade, patriotismo, democracia, liberdade, fraternidade e constitucionalidade, apesar de lamentar alguns erros e fracassos.
 
Entrevistador: Seoldo
Revisão: Siovani
Edição: Lulu
 



sábado, 11 de outubro de 2014

VI Encontro na Pai d'Égua Belém

 Por Siovani

Sexta-feira, 19 de setembro de 2014.

Um fato histórico de elevada grandeza foi registrado nesse dia nos anais paraenses:
"Descida da cauda da estrela do Pará, conforme fora anunciado há um ano pelos oráculos de Campo Belo, tomou de assalto o aeroporto de Belém uma legião de mineiros encanecidos,travestida de alegria, que convulsionou o saguão do lugar com abraços de efusivos reencontros.Os mineiros desembarcados foram recebidos no local pelos amigos paraenses que propiciaram a alegre recepção. No meio do burburinho acalorado ouviu-se em alta voz um surpreso espectador, talvez versado em latim, exclamar:

- Um verdadeiro Val-de-Cans!

Pela importância do fato e pela apropriada imagem que retratava as muitas cãs em alvoroço, deu-se ao aeroporto e ao bairro o nome de Val-de-Cans, que resistiu pela história dos últimos 300 anos da capital do estado." (Notícia transcrita do popularíssimo jornal Diário de Nazaré, edição de 14 de outubro de 1708.)

Sob os auspícios dessa curiosa notícia propagada pela internet, esta moderníssima mídia de elevada credibilidade, que trazia um misterioso hiato no espaço-tempo, começou o nosso VI Encontro em Belém. Mas as peripécias do tempo não se limitaram ao narrado, com efeito, uma bolha de um ano, carregada de mazelas políticas e outros achincalhes, foi criada ligando o término do Encontro anterior a este. Como o agora é uma simples imagem atrasada do passado,ilusão dos nossos olhos que só enxergam o que já não mais existe, suprimida a bolha, no contínuo do espaço-tempo permanecemos no mundo onde a amizade é rainha e condutora suprema.

Findos os abraços, fomos todos os mineiros para o mesmo hotel, Grão Pará, em frente à Praça da República, já com a obrigação de estarmos às dezessete horas prontos para iniciar os compromissos com Belém. Um pouco de tumulto houve para conseguirmos estar prontos à tal hora, mas com certo atraso, que nada prejudicou, seguimos para a Basílica de Nossa Senhora de Nazaré, onde assistiríamos à missa das dezoito horas. Grata surpresa já nos esperava no ônibus quando se nos apresentou o guia da Valeverde Turismo que nos acompanharia por todos os eventos na cidade, Guilherme Martins. Muito mais que um guia, ele logo nos revelou seus dons de cantor entoando uma canção em homenagem à Senhora de Nazaré.

                                                   (Fafá de Belém cantando Vós Sois O Lírio Mimoso)

E ali mesmo no ônibus começou nossa imersão na cultura paraense pela história da imagem
de Nossa Senhora de Nazaré. O pequeno ícone foi achado em 1700 pelo caboclo Plácido no local onde hoje se ergue a Basílica. Conta-se que o caboclo levou a imagem para sua casa e no dia seguinte ela havia desaparecido. Voltando ao lugar onde a encontrara, lá estava a imagem. Recolhida novamente em sua casa tornou a desaparecer e a reaparecer no local original, repetindo-se o fato por diversas vezes até que foi ali construída uma capela. Posteriormente a capela deu lugar a uma igreja que,por sua vez, foi substituída no início do século 20 pela atual basílica.

Fomos ainda apresentados à história do Círio de Nazaré e da corda que puxa a Berlinda que carrega a imagem: durante a procissão de 1855 o carro ficou atolado devido a uma forte chuva; arranjou-se uma grande corda e os fiéis puxaram a Berlinda; posteriormente a corda foi
incorporada às festividades como um elo entre os fiéis e Nossa Senhora de Nazaré.

Neste ano a corda confeccionada em Santa Catarina chegou em Belém no dia 24 de setembro. Confeccionada de sisal, ela tem oitocentos metros e um diâmetro de cinco centímetros, e será dividida em dois pedaços de quatrocentos metros:um deles será usado na Trasladação e a outra metade na grande romaria do domingo, dia 12 de outubro. A festa ocorre no segundo domingo de outubro, que neste ano coincide com a outra grande festa católica de Nossa Senhora Aparecida.
Tour virtual pela basílica
(Atenção: para entrar na basílica e
posteriormente para entrar em
 qualquer área, clique no Sn)
E quando entramos na belíssima Basílica a luz do sol ainda invadia os vitrais franceses que circundam a parte alta do templo colorindo todo o recinto com aquele ar místico que envolve os fiéis em profunda imersão, e pouco a pouco foi se apagando, e já assistimos à missa à luz das lâmpadas, que não menos embelezava nossos olhos de admiração. Mais uma vez comprovando a"importância do nosso Encontro para o povo paraense", a missa foi transmitida pela TV Nazaré. Por televisores postados ao longo da igreja podíamos acompanhar as imagens que eram levadas aos fiéis distantes. Antes do início do rito uma senhora leu uma interminável lista de nomes e dedicações daquela missa, entre eles o nosso grupo easista, atestando a enorme dedicação do povo paraense a sua Virgem de Nazaré. 


Finda a missa dirigimo-nos ao Alfajor Buffet, local onde os anfitriões paraenses nos brindaram com um coquetel e um jantar. Como está se tornando costume, que conclamamos mister seja definitivamente abolido, o grupo de Juiz de Fora faltou a esse evento de abertura, com a ilustre exceção do Alfredo e esposa, Marina. De inusitado, a atitude do Edgard quando nos vimos na necessidade de atravessar uma rua sem sinal e faixa para pedestres: ele postou-se à frente de um ônibus, parando-o, e atravessamos a rua à frente dos carros espantados.

E a noite correu ligeira e agradável embalada pela música do Geraldo Braga, amigo do Nonato, ou seria melhor dizer, Geraldo Braga e Seus Teclados, que dedilhava e cantava músicas que nos faziam recordar momentos passados, e sem faltar a presença de artistas do nosso grupo como a Dita e o Chicão, casal de anfitriões paraenses que nos encantou: ela com sua bela voz, ele com a irreverência autêntica de exímio repentista com uma burlesca paródia da música Chico Mariê, satirizando a nossa seleção de futebol:

Desabafo de um Torcedor
                         F Sales (Chicão)
(Refrão)
Não sei o que dizer        
Não sei o que pensar
Mas essa copa do mundo
Dessa vez foi de amargar
Mas essa copa do mundo
Dessa vez foi de amargar

Eu não sei se tenho pena
Ou raiva do Felipão
Mas eu sei que o time dele
É um monte de bundão

Não se faz uma omelete
Sem ter os ovos na mão
E com um grupo de vedetes
Não se faz a seleção

Faltou raça faltou peito
Faltou garra faltou jeito
Lá na p...onte que partiu

Até pra bater os pênaltis
Foi aquela confusão
Tinha nêgo que chorava e dizia
Eu sou um ...bobão

Eu só gostei do goleiro
Que teve boa conduta
Mas teve por companheiro
Um bando de filhos da ...fruta

Sete a um pra Alemanha
Que não teve nem trabalho
Vão ser ruim desta maneira
Lá na casa do ... Barbalho

Se ferrou (com) a Holanda
Não ficou nem em terceiro
Três a zero e mais um baile
E um chute no traseiro.





E o jantar foi uma perfeita introdução à gastronomia paraense: camarão ao creme de pupunha, peixe ao tucupi, filé ao molho,mousse de bacuri, nuvem de cupuaçu.

O cansaço venceu-nos e fomos em busca dos lençóis, mas alguns ainda ouviram o Edgard entoar "Canzone Per Te", música italiana de Sérgio Endrigo que nos anos 60 venceu o festival de San Remo com interpretação de Roberto Carlos. Ele, o Edgard, ainda não revelara ao grupo os seus males, mas alguns que deles sabiam pensaram que ele o fazia como sua canção do cisne, mas como ele mesmo o negou,quero usar os versos abaixo da canção como uma promessa de estarmos juntos outras vezes:

"Perché giurare che sarà l'ultima volta
Il cuore non ti crederà"

(em tradução livre)
Porque se jurar que será a última vez
O coração não acreditará.)


Sábado, 20 de setembro.

O café-da-manhã já nos trouxe o atrasado grupo de Juiz de Fora ao nosso meio, além da presença do saudoso Marquinhos estampada no sorriso de etérea simpatia da Liana. Às dez horas, na verdade nem tão pontualmente assim, subimos novamente no ônibus que nos levaria para as docas, onde embarcaríamos para um passeio à ilha de Serituba. Também chegaram,vindos de Fortaleza, raios de juventude a fazerem mais resplandecentes as cãs, um filho do Alfredo e Marina. Neste encontro um bom número de novos amigos foram incorporados ao grupo, enriquecendo a diversão e a amizade.

Descemos nas docas, um belíssimo espaço onde antigos armazéns foram transformados em lojas e restaurantes,e com a excelente cervejaria Amazon Beer, que produz sua cerveja ali mesmo no local. Mas tudo isto só desfrutaríamos posteriormente, naquele momento tivemos que fazer, sob o sol do equador,que não se preocupou em mostrar gentilezas aos seus ilustres visitantes, uma fila para entrarmos no barco.

Mas eis-nos dentro do barco, finalmente à sombra, deslizando pelas águas da Baía do Guajará, vendo Belém se afastar vagarosamente.

Belém, vista a partir da Baía do Guajará

Por aquelas águas, durante as comemorações do Círio, centenas de embarcações acompanham o barco que conduz Nossa Senhora de Nazaré até o porto de Belém, em um percurso de aproximadamente cinco horas. Para informação aos incautos que queiram participar, os bilhetes para a procissão fluvial, embora ao preço de duzentos e sessenta reais, há muito já estão esgotados.


Mas fiquemos com o nosso grupo que faz uma romaria pela cultura paraense sob a regência da guia Ana Cristina, uma genuína viúva negra, em confissão dela própria, que enterrou cinco maridos. Só não entendi como conseguiu amarrar o sexto sob tal ameaça segura de morte. E o barco ia correndo pelas águas tranquilas da baía enquanto assistíamos a um show de músicas e danças paraenses apresentado pelo grupo Tribo dos Kayapós. Os ricos e sensuais ritmos do Norte, Carimbó, Lundu Marajoara, Marujadas de Bragança, entre outros, balançavam o barco nos pés do casal de bailarinos, que se apresentavam com vestimentas típicas.

Houve um momento em que o guia do nosso grupo, o Guilherme, contou a todos os turistas marinheiros de água-doce, sobre nossa história, desde o momento inicial em que o Rafael e o Nonato se puseram a nos caçar pelo mundo. E falou de tal maneira simpática e cativante, falando da amizade que nos une, e que muito além da amizade era uma fidedigna questão de amor, que olhando-se ao redor via-se diversos rostos transfigurados em emoção, as lágrimas correndo soltas. Ao meu lado, a Liana derretia-se.

  E fomos ainda apresentados a algumas das 39 ilhas que vivem sua exuberância amazônica entre as águas da baía, com nomes indígenas e curiosos: Jutuba, Cotijuba, Paquetá-Açu, Arapiranga... Ilhas cobertas de árvores, entrecortadas pelas casas dos caboclos, que do açaí abundante fazem sua principal fonte de energia, consumindo-o misturado à farinha de mandioca, sem açúcar, pois este dizem estragá-lo, acompanhado de peixe. E navegando pela baía podíamos apreciar diversos ribeirinhos com suas canoas, até mesmo crianças pequenas, que nos saudavam, sozinhas em suas pirogas naquelas águas imensas.

Apesar dos momentos em que foi necessário chamar a atenção dos afoitos turistas que acorriam precipitadamente para o mesmo lado do barco, levando perigo para seu equilíbrio, chegamos ao píer onde desembarcamos. Uma caminhada pelas margens do rio e da floresta levou-nos até a praia de Sirituba, não sem alguns danos, pois nossa amiga Cibele, esposa do Tião Coelho, sofreu uma queda e machucou o pé, o que lhe deu como companheiras duas muletas pelo resto do Encontro. Poucos se aventuraram pelo rio, pois a fome era mais importante a cuidar. Almoçamos de maneira despojada e a cerveja correu ligeira pelas mesas para amenizar o calor.

Voltamos ao barco, a maré havia baixado, o que deu às mulheres uma nova oportunidade para experimentarem uma nova aventura: enfrentar a tosca escada para descer a bordo, que felizmente todas venceram com espírito esportivo. O barco retornou a Belém já não com o mesmo brilho da ida, mas com muita música, até demais para alguns mais sensíveis ao som muito alto.

À noite pudemos apreciar a Estação das Docas. Na Amazon Beer provamos a cerveja Stout Açaí, cerveja escura de alto teor alcoólico, vencedora do Festival Brasileiro da Cerveja deste ano como a melhor cerveja artesanal do Brasil, bem como a Forest Bacuri, mais leve, grande preferida do público feminino. Fizemos ainda uma viagem gastronômica no Spazzio Verdi onde o Pato a Tucupi estava delicioso. E por fim não pode faltar o sorvete de frutas típicas.

O cansaço era o nosso fiel companheiro na volta ao hotel para uma noite de sono, pois o dia seguinte também prometia muitas descobertas.


Domingo, 21 de setembro.

O atraso no embarque do dia começou agitado, pois um casal do grupo ficou preso no elevador do hotel. Após alguns minutos de ansiedade foram resgatados sem nenhum dano aparente.
Saímos novamente de Belém em direção à terra de Antônio Araújo Bessa, o Padre Bessa, o único exemplar dos easistas que se ordenou. Grande amigo do Seoldo, este fez questão de ir conhecer o lugar onde o Bessa nasceu,a Vila de São Jorge, naqueles tempos conhecida como Dezoito (neste blog existe um texto do Seoldo homenageando o amigo, ver em http://encontristasdaeaso.blogspot.com.br/search?q=bessa).

Uma vila pequena no interior do Pará: para nós, vindos de tão longe, uma quase surpresa em encontrar gente morando perdida em tais paragens. Conhecemos a igreja onde o Padre Bessa foi vigário, a casa paroquial e um seu sobrinho. Ali na igreja foram feitas as homenagens ao amigo que se foi tão cedo, menos de dois anos após sua ordenação.


Em frente à casa paroquial um pé de jambo nos atraía como antigamente aos antigos seminaristas famintos de novidades, principalmente as gustativas, mas no atual peso das barrigas nenhum se aventurou a subir nos galhos atrás das suculentas, apenas foram feitas algumas tentativas de catar as frutas puxando os galhos. E voltamos ao ônibus para seguir para o sítio do Nonato, que não ficava muito distante, no município de Santa Maria do Pará.

Maravilha! Chegamos no sítio onde nos sentimos os noivos de uma bela noiva toda de branco. As árvores com seus troncos caiados transpiravam harmonia com o verde fresco das folhas. Relaxante! Acolhedor! Gostoso! Ouvia-se!

  Tapioca! Cuscuz! Sucos! A água fresca também virou iguaria! Linguiça boa apimentada na brasa e coxinha de frango!

Descemos para o que chamam por lá de igarapé, um riacho, onde a corrente foi represada formando uma piscina natural. O sol por entre as folhas das árvores coloria aqueles barrigudos que se juntaram em roda dentro da água para contar piadas. Agora, sem a presença dos coices vigilantes do Pe.Humberto, as piadas já não eram mais tão inocentes.

E tome cerveja! E baciada de caranguejo! E baciada de camarão! Melhor assim, sem falar muito, só interjeições de contentamento! E ainda houve almoço!

E o papo se espalhou em volta das mesas que tomavam a varanda da casa. Um grupo começou a contar as histórias das formações dos casais que lá estavam: como se conheceram, o namoro, o casamento. Confidências que nos fazem cada vez mais amigos ao penetrarmos mais fundo nas intimidades uns dos outros. Depois apareceram redes onde alguns se desligaram de vez, deixando os roncos competirem com a algazarra das conversas. No campeonato em que reservadamente inscrevemosos distintos dorminhocos, o Santana levou a taça com distinção.

Mas chegou a hora de partirmos e voltarmos a Belém. Ainda ganhei como recordação uns beijos de amor de umas lava-pés que deixaram meus pés em fogo.

Neste momento é bom abrir um parêntese para agradecer a acolhida que os paraenses nos deram, em especial ao Nonato e à Nazaré, que nada economizaram para nos propiciarem um Encontro onde a alegria fosse a única lembrança. E não houve economia nem de tempo, nem de lar, nem financeira, nem de gentilezas e carinhos. À Dita e ao Chicão temos a agradecer a alegria, a versatilidade e competência de grandes artistas que são e que nos propiciaram muitos divertidos momentos. Ao Tupi e a Marina pela presença de conhecedores de Belém e pela ajuda que sempre estiveram dispostos a prestar. Muitíssimo obrigado!!!


Segunda-feira, 22 de setembro.

A segunda-feira nos levou a Icoaraci, local de onde partem os barcos na procissão fluvial do Círio e maior centro de produção de cerâmicas das culturas marajoaras, tapajônicas e Maracá. Mas da agitação de tantos barcos que tumultuam a baía naquela data nada se via, somente a placidez das leves ondinhas que corriam pelas águas iluminadas pelo sol dos trópicos, aliás, o nome Icoaraci alguns pretendem que significa "de frente para o sol", enquanto também se ouve dizer "mãe de todas as águas", de qualquer maneira, muita água e muito sol.

Antes de irmos admirar a paisagem da orla fluvial estivemos na olaria do Sr. José Anísio e fomos surpreendidos pela beleza das peças que lá se encontravam em exposição. Os olhos aturdidos por tamanhas belezas ainda ficaram mais estupefatos quando pudemos acompanhar as mãos habilidosas do oleiro a moldar um vaso: daquela massa informe de argila socada e amassada, pouco a pouco tomando forma, ora parecendo que tudo se desmoronava para retomar de imediato uma forma ainda mais elaborada, girando continuamente no mesmo ritmo pela ação dos pés, transformando o giro da roda em anéis que desenhavam a curvilínea forma do vaso, girando... girando...

Enquanto moldava o vaso o oleiro nos contava detalhes de sua vida, sem se descuidar da sua obra, e sabedor da sua valia comentava que na sua terra não lhe davam valor, e se estivesse no hemisfério norte decerto estaria rico. Falou-nos de alguém que tendo plantado em um vaso de plástico reclamou que a planta murchara, e completou com ironia: o que poderia querer de outro se a planta e a terra não podiam respirar como num vaso de barro. E falando de modo tão simples, sem esconder uma sabedoria inata, despertou em todos simpatia e admiração.

Feitas as compras, reencontrada a Fátima, que o Santana perdera e não dava notícia do seu destino, seguimos para a orla do rio que nos aguardava com uma feirinha de mais cerâmicas e outros artefatos, onde ainda se gastou um pouco mais, mas chega de compras. Seguimos pela orla para onde barracas nos espreitavam com os cocos afogados no gelo esperando com avidez. Sentados à sombra, o rio sacudindo levemente as águas e os nossos olhares bamboleantes, a paisagem entrecortada pelas ilhas ao longe, e com o sol desenhando caprichosamente sobre as águas com um pincel feito das sombras das nuvens... ah! que bambeza...

O guia lembrou-se de nos acordar para nos levar para o almoço no restaurante Espaço Verdi, não nas docas, como já havíamos provado, mas na casa matriz, muito maior, onde a variedade de pratos aturdia o desejo de provar tantas belezas que prometiam. O prato para o serviço era enorme, o que já podia causar enganos à capacidade da fome, mas o Seoldo não se fez de cuidados, parava em cada iguaria e acomodava mais um pedaço no prato. Peixes, carnes, camarão, bacalhau, como deixar de provar algum? Resultado: a balança quase não acreditou que tinha de registrar um quilo e meio. Só espero que ele não saia divulgando para os seus amigos americanos que a comida no Brasil é muito cara!



Terça-feira, 23 de setembro.

A terça-feira nos prometera um city-tour por Belém. Saímos novamente no ônibus, conduzido pelo Cláudio como em todos os dias, novamente em direção às docas. Dali, um pouco à frente, fomos ao mercado Ver-o-peso, a maior feira ao ar livre da América Latina.

De um antigo posto de fiscalização, denominado Casa de Haver o Peso, originou-se o nome do mercado, que aliás são muitos: o Mercado de Ferro, o Mercado de Carne, o Mercado de Peixe. Ambiente perfeito para conhecer a diversidade dos produtos que fazem parte da mesa paraense: as frutas pouco conhecidas no sul, tais como o cupuaçu, abricó-do-pará, taperebá, bacuri estão presentes in natura, em sucos e em doces; plantas medicinais para curar do lumbago a um simples mal de amor; camarões de todos os tamanhos e peixes; artesanato e roupas.

Seguimos a orla em direção à Cidade Velha, bairro antigo de Belém, onde a cidade nasceu. Ali visitamos a Catedral da Sé, que apresenta um dos interiores dos mais bonitos que já pude contemplar, onde a arquitetura se harmoniza com as diversas obras de arte e as luzes. Ainda tivemos a alegria de ouvir o enorme e antigo órgão soar uma música.


Tour pela Catedral
Siga às setas para entrar na Catedral e em suas diversas
áreas.
Ali ao lado da catedral visitamos o Forte do Castelo do Senhor Santo Cristo do Presépio de Belém, ou Forte do Presépio, onde se descortina uma maravilhosa vista da baía, tendo em primeiro plano o Mercado de Ferro do Ver-o-Peso.

Mas o nosso tempo com a Valeverde Turismo acabou e fomos levados de volta ao hotel.

Ao cair da tarde dirigimo-nos, eu e a Rose, junto com o Santana e a Fátima, à casa do Nonato, pois, como deixaríamos Belém no dia seguinte, o amabilíssimo casal anfitrião convidou-nos para conhecer sua morada. Lá tivemos a oportunidade de conhecer os seus netos, bem como o filho, também coronel-bombeiro, que ainda não conhecêramos. Trocamos ao redor de uma mesa de lanche as conversas corriqueiras. No caminho de volta ao hotel, o Santana e o Nonato agarraram uma discussão política, onde cada um jogava na ponta extrema, e da qual me abstive, um tanto por não escutar direito por estar no banco de trás, outro tanto por não gostar de assuntos de atiçar marimbondos.

Despedimo-nos, então, do casal que nos propiciou tão agradáveis momentos, agradecendo por todas as gentilezas que nos cumularam durante a nossa estadia. No dia seguinte, enquanto a corda do Círio chegava a Belém, deixamos os amigos e o Val-de-Cans.

E aqui entrego a pena ao Seoldo para continuar a narrativa do VI Encontro.
















 [LA1]Ficou muito bema inserção  do link para o tour virtual pela Catedral