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domingo, 28 de outubro de 2012

Seoldo e Judith visitam Senhora de Oliveira




Seoldo e Judith posam ao lado da Seoldo's
traveller tree (sítio meia-dúzia)

Por que Senhora de Oliveira?

Senhora de Oliveira fica nos limites entre a Zona Metalúrgica, onde as montanhas de ferro são exportadas para que se transformem em aço, e a Zona da Mata, onde as árvores nativas cedem espaço para o eucalipto que também contribui para que o ferro torne-se aço dentro de nosso próprio país. Se a estrada real tivesse acostamento, Senhora de Oliveira seria nele, pois no mapa do "caminho velho" a região aparece como um cantinho da Zona da Mata que foi influenciado pelas entradas dos que vieram procurar ouro para levá-lo a Paraty e depois para Portugal. Nós, ex-seminaristas oliveirenses, habitamos uma terra lateral que tangencia a história mais rica de Minas Gerais e do Brasil. Como parte de um povo que recebeu um legado de seus antepassados, somos coadjuvantes, nunca protagonistas, de boa parte do que aconteceu em Minas em épocas mais remotas: a guerra dos emboabas chegou bem perto daqui, um dos episódios ocorreu em Piranga, ou melhor, num de seus distritos de nome Bacalhau — a cidade era esperta o suficiente para empurrar os combates para fora de seu centro, preservando os bens patrimoniais de seus líderes —; o ouro brotava com facilidade em Ouro Preto, aqui em Senhora de Oliveira só encontraram esse metal no Ribeirão Podre, um riacho de águas claras e potáveis que era podre de tudo quanto fosse preciosidade, diziam os garimpeiros; Aleijadinho, o famoso escultor barroco, entalhador em pedra sabão, esteve a dezesseis quilômetros daqui, na cidade de Rio Espera — construiu ali um altar e o levou, em lombo de burro, para uma das igrejas da então capital de Minas. Numa história farta de acontecimentos, ser coadjuvante não é demérito, ao contrário, coloca o município numa posição de vantagem estratégica quando os eventos se associam a guerras, poluição, evasão de riquezas minerais e vegetais, e perda de autonomia. Esse é um acostamento onde vale a pena viver ou parar para dar uma espiada: ainda temos, nas montanhas, um restinho da Mata Atlântica que por aqui foi empurrada para os cumes dos morros, e, por todo lado, um povo genuinamente do interior, a maioria descendente dos portugueses que venceram a guerra dos emboabas. Temos ainda... Bem, não vamos esticar as preliminares, vocês perceberão, ao longo deste texto, um pouco do que temos.


A partir de 1959.


Senhora de Oliveira nos anos 50 do século XX
Pois bem, finalmente vamos à história que nos interessa: esse é o lugar onde o Padre Marino veio buscar, a partir de 1959 , um boa quantidade de gente fina, meninos inocentes, filhos de mães que queriam um padre na família. Nisso éramos lugares-comuns: crianças inteligentes, bem comportadas, mas caipiras e batateiras. E nossa lista é bem grande: Rosalino, Lulu, João Saturnino, Zé Engrácio, Zé Milagres, Edgard, Zé Agnaldo, Ildeu, Quinzinho, Zé Cesário, Oiser Mário, Canhão e José Maria Coelho (não confundir com José Maria de Carvalho Coelho, este é de Belo Horizonte). É por isso, por ser o berço de tantos ex-seminaristas Crúzios, que o casal quis conhecer o lugar que, sem demora, gostou dele: da refinada filosofia e do humor de coroinha do leopoldinense Geraldo e da simpatia cativante de Judith. Ele, um brasileiro com jeito de americano, do que deu mostras ao lado do motorista, transformando-se em eficiente copiloto: perto dele ninguém desobedece as regras de trânsito. Nosso estimado amigo gosta de tudo certinho, é um legalista acima de tudo, com ele podemos aprender muito. Ela, uma americana quase brasileira, a exceção do leve sotaque. É fácil  gostar deles, mesmo que ambos não conheçam o ora-pro-nóbis, um pecado dos grandes para o Seoldo, pois além de ser mineiro, viveu bastante tempo em BH e haveria de conhecer nosso prato mais famoso (ou será que só conhecia o quiabo?). Pecados debaixo do tapete, e virtudes coladas no teto mais alto: gente que gosta do sol do meio-dia e do luar da madrugada, que aprecia um bom vinho e que na cachaça dá uma talagada quando precisa e duas quando não precisa (culpa da provocante qualidade de nossa pinga). Judith e Seoldo são do melhor remate: amam as árvores, os pássaros, os filetes d’água e o céu estrelado; gostam de uma boa conversa, de fotografar nosso canário-da-terra, sanhaço, tico-tico, sabiá-barranco, seriema, beija-flor, tesoura-do-campo, quero-quero, anu-preto,  maria-preta, maria-branca e todas as marias de asas; Seoldo aprecia filosofar sobre assuntos diversos, desde o misterioso sentido da vida até as práticas mais simples da agricultura. 

Um caso de empatia difusa.


Geraldo — desculpem-me chamá-lo de maneira tão estranha, isso porque a Judith fez com que nos acostumássemos ao seu primeiro nome — empolga-se ao concluir que os ex-seminaristas deram-se bem na vida. Não importa que o interlocutor não saiba bem de como andou cada um em particular, parece que ele usa do princípio estatístico de que basta degustar uma colher de vinho para definir a qualidade de toda a videira. O caso é de uma empatia difusa que nos é tão rara quanto cara. Seoldo fica feliz quando dizemos que o sucesso de que falamos não é apenas o do lado financeiro, olhamos, principalmente, pelo lado da existência, num sentido mais amplo, pelo viés humano. Não há dúvida, ele agora tem certeza de que os antigos colegas realizaram-se: não temos relatos de drogados, nada de alcoolismo — olha que não somos apologistas da abstemia, uma dose aqui e outra ali é sempre sinal de que se está vivo, além de dar um certo barato que não se encontra na água benta —. Não é preciso tanto para viver com dignidade, mas temos um quadro positivo: alguns dos ex-seminaristas Crúzios estão ricos e bem de vida, o que é bom, mesmo que isso não chegue a ser essencial, nem para a felicidade, nem para o respeito público; as suas famílias são bem estruturadas. A vida corre como deve ser, numa sequência que para alguns parece um encadeamento de metas; para outros, uma fila de acasos, e há os que pensam que a vida é um script de Deus do qual não se pode fugir: estudos, sonhos, formaturas, mais sonhos, casamento, trabalho, constituição de família, casamento de filhos, netos, idade e, finalmente, a grande incógnita do eterno retorno, como diria o Alemão, que apelidamos de Nith. 

Seoldo na fazenda do colega Edgard, no córrego do
Pega Bem
Visitando os amigos

Do geral para o particular: em Senhora de Oliveira, Geraldo fez questão de visitar o ex-colega José de Lurdes, o Canhão, este temporariamente afastado dos Encontros da EASO, pois preparava-se para uma cirurgia que ele, como todos nós, esperava que lhe trouxesse de volta a plenitude física ( como de fato veio a ocorrer,  posteriormente, conforme informações de novembro de 2012). Conversaram demoradamente sobre os velhos tempos: Canhão a dizer que Seoldo é que fora o verdadeiro Canhão, pois tinha um chute muito forte; Seoldo, com a modéstia que combina com seus textos no Blog, a dizer que talvez o Reginaldo merecesse tal título. O certo é que Zé de Lurdes, que da bola mal sabia que era redonda, ficou com o cobiçado apelido, e segundo disseram, por uma casualidade, quando aplicou um efeito tipo folha seca que fez com que a bola molhada estourasse com o impacto oblíquo contra um pé coberto de barro, e o apelido surgiu na hora e pegou, e foi o Edgard que o colou nele. Canhão é apelido circunscrito ao tempo e lugar, anos 60 e seminário da EASO. Ninguém jamais ouvira falar do Canhão em Senhora de Oliveira, até o dia em que o Nonato apareceu por aqui, em 2010, e foi visitá-lo e, ao ser recebido pela   irmã dele, perguntou onde estava o Canhão. Nosso ilustre paraense correu o risco de matar a moça de susto, ela poderia ter imaginado que uma briga de proporções ganhasse curso e que as armas pesadas estivessem sendo procuradas, de casa em casa, pela força armada do norte. Mas voltando ao diálogo concreto entre nosso também ilustre visitante de 2012 e o Canhão, podemos observar como o tempo muda o comportamento das pessoas: ali naqueles sofás, frente a frente, mergulhados numa atmosfera de emoções contidas, os dois trocam informações como verdadeiros colegas, sem as amarras que as diferenças de idade (quatro anos - vide link) e de nível escolar lhes impuseram naqueles anos de seminário. Aquelas barreiras não mais existem, o tempo nivelou as idades e o conhecimento; evaporaram-se as razões dos constrangimentos daqueles tempos em que esses dois colegas mal podiam trocar algumas ideias. O mais velho perdeu os penachos, e o mais novo, os cabelos; agora, 50 anos depois, estão na mesma sintonia: ambos estão aposentados e podem andar gratuitamente de ônibus e têm fila preferencial em Bancos, Cartórios e em todo tipo de órgão público. Mas nenhum jovem os inveja, a vida parece ser assim, quanto mais regalias e privilégios nos dá o governo, menos razões temos para deles gostar.

Um pé de ipê.

Judith, sob a supervisão de Seoldo, prepara-se  para
descer a muda à cova já pronta (no sítio meia-dúzia)
Em Senhora de Oliveira, Seoldo e Judith só passaram duas noites e um dia, pois chegaram à tarde no dia 12 de Setembro e retornaram bem cedo a BH no dia 14, onde as mulheres arrumaram os cabelos e os homens tiraram uma soneca, pois no mesmo dia todos foram para Nova União. Em tão breve estada na pequena cidade do interior, puderam, contudo, provar da Minas rural: comeram queijo; degustaram um suculento ora-pro-nóbis que o Seoldo chamou de miserere nobis (do que rimos muito, pois em nossa ignorância do Latim, achamos que ele quisesse dizer: "que miséria! Tanto falam na tal comida e nos servem este tantinho", é claro que não teríamos rido tanto se soubéssemos, naquele momento, o verdadeiro significado dessa frase de contrição.
Na primeira noite em nossa cidade, o casal visitou um comitê eleitoral e, no outro dia, a casa da fazenda do colega Edgard. No sítio ½ dúzia, Seoldo só não tirou leite, ou porque não queria pisar em bosta de boi, ou por não gostar de se levantar cedo, mas não foi o que disse, disfarçou com elegância: "perdi o jeito".
Um dia e meio, pouco tempo para os da terra aproveitarem a experiência do casal e botarem o papo em dia com tão rara visita, mas tempo suficiente para que Judith plantasse um pé de ipê-amarelo, que ficará aqui para Maria José lembrar-se da irmã que ganhou e para fazer companhia a uma outra árvore que do marido já tem o nome, tudo em inglês, para os parentes e amigos americanos entenderem: Seoldo’s traveller tree.
E, assim, termino este pequeno relato e digo que o Seoldo ao vivo pareceu-me o mesmo Seoldo que conheci nos tempos do seminário, mas confesso que não o conhecia tão bem naquela época, embora tenhamos convivido diariamente durante quatro anos, e o motivo é o mesmo que relatei quando me referi ao encontro do Zé de Lurdes e Seoldo: a convivência dos grandes com os pequenos tinha seus limites impostos pela sabedoria Holandesa. Acho, mesmo com poucos dados para melhor cotejo, que o Seoldo de hoje é um pouco mais tímido e obviamente mais vivido. Se individualmente são ótimos, juntos, Seoldo e Judith, são excelentes e gostam do que nós também gostamos, e como a vida é feita, também, de coisas simples que muitas vezes revelam mais do que as mais pomposas, foi pena não termos fotografado o momento em que eles esfriaram os pés no laguinho que temos bem perto de nossa casa.

PS: Durante todo o tempo, mantive sob vigilância o caderninho preto que o Seoldo trazia no bolso da camisa. É que o Santana nos alertara, com sabedoria e esperteza santanense, que o homem do Arizona o sacava, como se fosse uma arma perigosa saída de algum filme do faroeste, e nele anotava tudo. Para mim ele disse: "nada disso! Isso é coisa inventada pelo Santana, e mostrou-me a caixinha de seus óculos que trazia no bolso, mas depois confessou em e-mail: "O Santana estava certo".




No sítio meia-dúzia: Seoldo, Judith, Maria José e Lulu.