segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Os 60 anos do Lua

Por Siovani

A manhã parecia abrir um belo sorriso para nós, ainda que encharcada com as marcas da chuva da noite, quando chegamos ao hotel onde nos esperavam Rafael e o Nonato. Um tímido sol procurava espaço entre as nuvens, mas coloria o ambiente cansado de chuva de Belo Horizonte. Era sábado, nove horas do sétimo dia deste janeiro de água. Estacionamos, a Rose me acompanhava. Abraços de reencontro prazeroso, Rafael, Nonato, Nazaré. Abraços de apresentação dos filhos de Nonato e Nazaré, Artur e Adriano. Logo em seguida, o Eustáquio também estacionava acompanhado da Cida, mais abraços e muito prazer.

Seguimos em dois carros para Nova União pela BR-381 que nos forçava a seguir com calma por causa dos buracos e pela longa fila de carros que se formou. Lá procuramos pelo nosso Lua, que ninguém conhecia, mas, o Waltinho, até o asfalto nos dizia: siga-me até que eu acabe. E lá chegamos, um casarão estilo sede de fazenda colonial que espantou os nossos olhos.E o Waltinho apareceu, segurando a surpresa para não verter lágrimas ao ver que o Nonato saiu mesmo lá de Belém para abraçá-lo em seu aniversário e, ainda, com um séquito que não temia a ameaça da chuva.Foi mais ou menos assim que, mais tarde, durante a festa, uma funcionária dele relatou para a Rose e a Nazaré sobre o seu estado emocional.
A partir da esquerda: Siovani, Walter, Rafael, Nonato e Eustáquio.

Tivemos que interromper a azáfama da Shirley, esposa do Walter, que coordenava a arrumação para a festa, e foi com muito carinho e alegria que ela e seus funcionários nos receberam. Fomos conhecer o casarão. O Rafael comentou que ele devia ter mais de cem anos e foi surpreendido pela resposta de que tinha apenas três. Ele foi, e ainda está sendo, construído com material de demolição de casas antigas e está destinado a uma futura pousada. As surpresas sucediam-se, as camas...! Os pés das camas eram feitos quase que de toras. Coitadas das camareiras, pois o Lua dizia que iria jogar pedaços de papel debaixo das camas para testar a boa limpeza. Tomara que existam por lá mulheres bem fortes.

Subimos o morro para conhecer a capela. Que charme! Um ambiente impregnado com o espírito sacro da mãe do Walter, que ele venera como santa. E ele nos contou, então, a história da pedra que erige o altar: quando o local foi trabalhado para a construção, deparou-se com a pedra ali enterrada e pronta como uma mesa, e, no mesmo local e posição, foi erguido o altar, torcendo um tanto a capela para preservar a pedra do jeito em que foi encontrada. Descemos o morro e voltamos ao casarão, e para ninguém dizer que conto mentiras, o Rafael fotografou o Walter com um copo de água. Quem disse que o homem não sabia mais para que serve esse líquido é mesmo intrigante!



Pegamos os carros e fomos para a fazenda Germana, onde se fabrica a tão famosa cachaça, quase escrevi “marvada”, mas isto seria um sacrilégio, pois ela não é para o
Vista da fazenda Germana
Cida e Eustáquio em frente à sede
bico de qualquer pinguço, para poder sustentá-la o pinguço tem que ser de muito nobre linhagem. E como disse a Rose, descrevendo a fazenda para minha filha: “Lá tem muita cachaça”! São seis rótulos diferentes, com diferentes envelhecimentos. Tem a Germana, a Brasil, a Caetanos, a Pracaip, e... ufa! Os vapores me pegaram, não consegui lembrar-me das outras duas.



O Waltinho nos presenteou com uma estupenda aula sobre o processo de fabricação, entremeada sempre com a sua histriônica maneira de ser e de falar, desde a moagem do fubá, que é utilizado para fermentar a garapa, até o processo de embalagem e expedição para o Brasil e o mundo. O galpão de envelhecimento foi o que mais atraiu a atenção de todos,o cheiro de carvalho e umidade nos deu já um certo entorpecimento e a sessão de degustação coroou a visita. O Waltinho nos ensinou a apreciar a cachaça: o odor tomando ação no paladar, o leve roçar dos lábios no líquido, o formigamento da língua anestesiada, e o espanto das mulheres que nunca haviam provado ao reconhecer que era até gostosa. Fiquei com receio de estar levando para casa mais um problema, por isto na lojinha da fazenda nem pensei em adquirir alguma garrafa. O Nonato, bombeiro que é, surpreendeu-se um tanto com a escassez de equipamento de combate ao fogo, o profissional não desgruda do amigo.



Acho que os apetites foram exacerbados pelo aperitivo e a hora era tardia quando voltamos para a casa do Waltinho, onde nos esperava uma galinhada bem ao estilo mineiro, com tempero perfeito. Lá conhecemos um pouco mais da alegre família do Walter, especialmente o filhinho caçula, com cerca de cinco anos que segue escarrado, como diz bem o mineiro, os traços do pai. Ele tem um sobrinho um pouco mais novo, e, quando este chegou, teve que cumprir o beija-mão do pedido de benção. Eu vi!... Engraçado foi também perceber que o pai cruzeirense só criou filhos atleticanos. Mineirice pura, esperteza velhaca que não quis correr risco, é melhor não arriscar em matéria de macheza! O menino ganhou do Eustáquio um cofre-bola do Atlético, que quando ganha uma moeda ainda toca o hino do Galo. Acho que o cofrinho vai ficar meio vazio porque o pai não vai querer comprar o hino. E para terminar bem o almoço, doce de leite e queijo, produtos de lavra própria, impossível de serem apreciados longe daquela família, servidos em pires de queijo para preservar os pratos limpos: uma boa fatia de queijo, uma colherada do doce e toma! Inigualáveis os dois!



Papo cheio, as mulheres foram repousar, e o Eustáquio também. Ficamos por lá na pousada conversando sobre o país, consertando os erros impossíveis, fazendo hora e aguardando a festa. E a chuva não deu trégua, fez um concerto extra para a festa dos sessenta anos do Walter, caiu durante toda a noite. E, além da chuva, uma dupla de cantantes animou o rega-bofe que fez a alegria do Eustáquio, que parecia movido a pilha. Antes dos parabéns, o Waltinho nos chamou, aos seus queridos amigos de infância, e apresentou-nos a todos, fazendo questão de chamar a atenção pela distância percorrida pelo Nonato e, não tanto quanto, pelos demais. Depois dos parabéns ele cismou de cantar, alertando que para parar exigia quinhentos reais. Bem que eu tentei, mas ele não aceitava cheque.



O filho do Walter nos vendeu pedras como lembranças, um real por pedra, mas se não tivesse o real, levava a pedra assim mesmo. Para mim, ele vendeu também um churrasco, assim:

-- Você quer comprar um churrasco? Um real.

-- Quero.

-- De que país?

-- Anh... Da Argentina.

-- Ih! Eu trouxe um brasileiro, espera aí que eu vou buscar um da Argentina.

Ele lá foi, e pouco depois retornou com um punhado de papel torcido:

-- Toma, da Argentina. Um real.

E fiquei eu a apreciar o meu belo churrasco de chorizo.



E a noite foi se aprofundando e cinderelas calçadas tiveram que molhar os pés para atravessar a enxurrada que não parava de correr na rua. Meia-noite e meia fomos descansar, deixando para trás os filhos do Nonato que ficaram tentando tocar um berrante de belotorneado, mas não fiquei sabendo se conseguiram.


Domingo de manhã. Debaixo de chuva retornamos a Belo Horizonte. Deixamos o Nonato e família no hotel, o Rafael na rodoviária. O Eustáquio seguiu para Campo Belo e voltamos para casa. A chuva fazia acentuar a saudade que já sentíamos dos momentos alegres que passáramos. Que alegria podermos contar com uma família como esta nossa dos ex-seminaristas.



Aguardaremos setembro esperando contar com uma grande presença em nosso próximo encontro. Nova União com certeza fará um encontro brilhante.

Homenagem prestada à mãe do Walter

3 comentários:

  1. O passeio foi muito bom e a festa foi muito linda mesmo, mais uma vez parabéns ao aniversariante e parabéns a bela amizade dos ex-seminaristas que a cada encontro se renova. Qto ao “berrante de belotorneado” foi possível apreciar algumas notas, pois, longe de nós querermos ser exímios tocadores, porem não poderíamos deixar de honrar mestre Pinduca em seus versos de Carimbó: “Viemos de nossa terra fazer barulho na terra alheia...”
    Um abraço.

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  2. Prezado Siovane,

    Quero me congratular com você pelo lindo texto Os sessenta anos do Lua. A um só tempo, você conseguiu me deixar com água na boca e agradavelmente surpreso. Com água na boca por ter falado da galinhada e da purinha, e surpreso quando você descreve a fazenda. Sou um eterno apaixonado por fazendas daquele estilo e, quando você diz que ela é nova e ainda está sendo construída,deduzo que o Lua deve ser de muito bom gosto... Pela foto percebo tratar-se de uma maravilhosa fazenda, situada em uma região onde a natureza exubera seus encantos como quem convida para uma visita urgente. Mas esperemos um pouco mais, lá por volta de setembro. Para quem tem a nossa idade, está bem próximo, é quase equivalente a uma semana do nosso tempo de seminário.
    Ah! Gostaria de concluir com um elogio sincero: você escreve maravilhosamente bem, produz um texto bonito, singelo e sem erros. Desculpe-me se não consegui condensar aqui todos os elogios que o texto merece. Um 2012 cheio de realizações para todos nós e nossos familiares. Que Deus não deixe de voltar os olhos para estes seus humildes filhos e abençoar-nos a cada dia que passa.

    Um forte abraço a todos os ex-seminaristas da EASO.

    Edgard Alfenas

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  3. O Rafel pediu a este editor para publicar seu comentário sobre o texto do Siovani: " CONCORDO EM GÊNERO, NÚMERO E GRAU COM OS COMENTÁRIOS DO EDGARD MIRANDA ALFENAS COM REFERÊNCIA AO TEXTO DO SIOVANI. ELE É UM ESCRITOR, SEM DÚVIDA. O TEXTO RETRATA TUDO O QUE OCORREU EM NOSSA VISITA À NOVA UNIÃO. PARABÉNS SIOVANI." Sds. Rafael.

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