quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Entrevista com Francisco Sales de Paula



Revisão: Siovani


Apresentação: Lulu

Chicão, em foto (recorte) de 1962
Quando eu disse para o Chicão que esta entrevista estava muito boa e que poderia servir de modelo para uma nova forma de publicação, eu não estava brincando, gostei mesmo das mudanças em relação às entrevistas anteriores. Pela reação dele, parece que não acreditou muito nisso. Mas o fato é que, no curso da entrevista, comecei a achar que, nas próximas publicações, poderíamos organizar uma forma de diálogo em que, colocado um tema, todos os que se interessassem poderiam postar suas opiniões sobre o assunto. E a partir daquele ponto da entrevista, para testar a ideia, passei a interagir com o entrevistado (Chicão) de uma forma diferente, colocando-me não apenas como entrevistador, mas como interlocutor que se contrapõe ao pensamento do entrevistado ou acrescenta alguns conceitos ou juízos antes de dar um fechamento à pergunta. Mesmo uma provocação inocente cria um clima que favorece o aparecimento de emoções reveladoras. Em uma das perguntas, o Chicão, esperto como é, percebeu isto e com ironia finíssima disse: "que bom que você já falou quase tudo", isso soou como "é você ou sou eu o entrevistado"? e que estivesse bravo "não se intrometa tanto"! Quando eu declarei que aqueles meninos tinham uma liderança no bullying, para minha surpresa ele me deu o troco e me colocou encabeçando a lista. Sinceramente não me lembro nem me importa muito que eu tenha sido um criador de apelidos, mas sei que nunca tive o carisma e a inteligência emocional do Chicão. O importante é que o conteúdo da entrevista foi direcionando-nos para um diálogo sobre alguns poucos e importantes pontos que dizem respeito ao nosso tempo na EASO, mas poderia ser mais rico ainda se tivéssemos ali uns 4 ou 5 "conversadores", sem papas na língua, como o Chicão o é. Ele tem a veia do artista, o jeito do repentista que faltava aos colegas daquele tempo, talvez à exceção do João Saturnino. Voltando ao tempo presente, é mérito do Chicão ter destampado o caldeirão do tabu do desligamento do seminário ao falar com franqueza sobre o próprio caso. Outro tema importante que ele colocou, em contexto hilário, nos faz refletir sobre a vocação sacerdotal. No nosso tempo a gente entrava no seminário sem a mínima noção do que seria ser padre; celibato com castidade, por exemplo, não é um conceito a ser entendido por uma criança. Parece que a igreja católica já entendeu que um menino não sabe direito o que quer em matéria tão importante. Uma criança não tem maturidade para tomar uma decisão desta natureza.  O caso do Chicão é emblemático em dois sentidos: o irmão que sabia o que não queria foi mais feliz na escolha do que aquele que deixou a mãe falar por ele. O irmão é a exceção, uma consciência precoce; na infância, a maioria é afetada pelos pensamentos dos pais, com predominância da mãe. O problema é quando a vontade e os desejos começam a tomar conta da vida e apontam outros caminhos, mas desastre mesmo é alguém tornar-se padre porque a mãe assim o quis.

Apesar de algumas caneladas, que me reavivaram a imagem do "Maria Doida" correndo que nem um louco atrás de uma bola que não gostava dele, finalmente concluímos esta entrevista, e como diria nosso entrevistado: égua, deu trabalho! E eu digo: uai! Não é que valeu a pena!

Uruburetama CE
[12/12 18 09:17] Luiz Alfenas: Inicialmente solicito ao Chicão que faça um resumo de sua vida. Esse material será a base inicial para nos orientar quanto às perguntas mais pertinentes.
[12/12 21:43] Chicão: Meus caros amigos, boa noite. Queiram desculpar este velho pela demora em começar a minha parte nesta entrevista.  Eu me chamo Francisco Sales Paula. Nasci no estado do Ceará, na cidade de Uruburetama, de lá saí muito criança ainda e fui morar no Estado do Acre, de onde vim para Belém com 11 anos de idade, aqui concluindo o curso primário; e fui para Campo Belo, em 1959, para estudar na Escola Apostólica Santa Odília, de onde saí em 1963 voltando para Belém, onde  estudei na Escola Técnica Federal do Pará, formando-me em eletromecânica, com especialização em sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica. Trabalhei em todas as empresas de energia elétrica deste estado e também em outros estados. Agora é a vez de vocês...




Pergunta 1:

[12/12 18  21:47] Lulu -  Chicão, fale um pouco da formação de sua família, de como conheceu a Dita, e de seus filhos e filhas.


A partir da direita: Adriana com Miguel; Almir 
com  Milena; Alzira com o Henrique; e CHICÃO.  
Atrás DITA com o Pedro,  Aderson sem camisa;
 Ana com André ,

[12/12 22:06] Chicão -  Então lá vai...A Dita era vizinha da minha irmã, e a gente já se conhecia, mas não namorava,cada um tinha a sua vida amorosa.  Mas, um belo dia, a minha namorada me botou um chifrado e o namorado dela botou um chifrinhinho nela. Aí ela veio me contar e eu estava doido pra descontar em alguém o que tinham feito comigo. e deu no que deu.
Chicão e Dita, em 2008

Agora vamos falar de família. Eu enviei essa primeira parte sem querer. Eu ia digitar o ponto e acabei enviando o bagulho, rapaz! Mas, voltando ao assunto... égua! Eu devia colocar dois pontos ali, mas eu não sei como fazer o trem... Mas, vamos lá. Temos dois filhos e duas filhas. Uma é médica, a outra é advogada. Aí você me pergunta:e os cabras? Não fazem nada? Os cabras são cantores. Um, mecânico cantor; o outro,guarda de segurança cantor.




Aderson, acima
Aderson e Almir, abaixo




pergunta 2



[13/12 18 08:09] Lulu - Chicão, por que você entrou e por que saiu do seminário?
Chicão (grifado) na turma de 1962. 

13/12 16:41] Chicão - 👍 Então vamos embora... Esta pergunta eu já esperava e a acho muito legal.Um dos meus irmãos estava muito doente, e a minha mãe fez uma promessa de que se ele não morresse, ele iria ser padre quando fosse grande. Só que quando ele tinha 10 anos, e eu 9, ele disse que não iria ser padre de jeito nenhum, 
Pascoal, o irmão mais velho
que que não quis ser padre. 
Foto de 24/12/2018 (noite de 
Natal)
porque disseram pra ele que padre era capado. Então a minha mãe foi falar com o bispo para saber como proceder. Eu e ele fomos com ela. O bispo explicou para ela que não se poderia obrigar ninguém a ser padre, mas ela poderia arranjar outro que quisesse pagar a promessa por ele. Nesse momento a minha mãe me lançou um olhar de súplica, meus amigos, que até hoje não me saiu da memória. Antes de mais nada, eu tirei qualquer dúvida sobre a história da castração de padres... Mas eu confesso a vocês que pela minha mãe eu ia encarar de qualquer maneira.Bom, agora vamos a segunda parte da pergunta, não é? Depois que a minha mãe morreu, eu já fiquei desmotivado, acho que era por falta de vocação mesmo. Até que, nas férias de julho de 1963, o padre me chamou pra conversar e me disse que eu podia ir pra casa e ficar. Eu não sei, mas desconfio que, por eu ser muito amigo dos meninos menores, ele achava que eu queria namorar com eles. Ele não me disse isto, mas na hora em que me despedi dele, ele me disse que, quando eu chegasse aqui, arranjasse logo uma namorada...

Pergunta 3

Lulu - Sem dúvida, eu tive sorte de ser seu colega desde o primeiro ano, pois também entrei em 1959.  Mas você saiu um pouco depois, pois no meu caso já fiquei em casa no final do ano de 1962. Tive sorte porque você era engraçado, e é até hoje, e nos divertia muito. Fosse hoje, acho que você seria expulso já em 1959 por bullying. Mas naquele tempo tudo era diferente e sem muito drama, a gente colocava o apelido em todo novato, e você fazia as trovinhas. De uma eu me lembro bem, "Canin, canin...o samba é bom quando é cantado assim, canin".Então, a pergunta é: você se lembra dos apelidos e das trovinhas de sua ou de outras autorias?
Turma de 1961 - Chicão em evidência
 (clique para ampliar esta foto)



[13/12 20:55] Chicão: Ei, meu amigo, você tem razão... Mas as minhas brincadeiras nunca foram com a intenção de machucar nenhum colega. Elas sempre foram com a intenção de nos divertirmos. Era às custas dos outros, mas às vezes eu também era sacaneado e levava na esportiva, não era? Você lembra que teve um sacana que me apelidou de Cabaré? Eu acho que foi esse mesmo que me chamava de Maria Doida, porque eu amarrava uma camiseta na cabeça pra jogar pelada quando o campo estava molhado. Sim, eu me lembro direitinho dessas peripécias todas, mas o Canin foi você quem batizou o coitado, eu só fiz a melodia.
[13/12 18 20:56] Chicão: Depois eu vou continuar.
[14/12 02:21] Chicão: Pronto, voltei... É que chegou uma turma aqui e só saiu agora, e eu não pego nesse bagulho aqui quando estou com alguém. Mas voltando ao assunto, você também não era nenhum santo, não. Mas o apelido mais esquisito que teve foi o de um menino que a gente chamava de Cara de Bunda. Eu não sei se foi você ou eu quem o batizou. Eu sei que o Canin eu tinha batizado de Casqueta, depois o coitado apareceu com meias que só tinham o cano e você mudou o apelido dele. Meu amigo, a prosa está boa, mas a minha cama está ainda melhor. Boa noite. Vai mandando.

Pergunta 4


Lulu - Sei não, Chicão. Acho que sua memória não está lá essas coisas, ou será o efeito da loirinha? A fábrica de apelidos tinha três gerentes: Seoldo, Lídio e o saudoso Carraro. Acho que o Seoldo era o mentor intelectual. Eles eram criativos e logo colocavam rótulos nos novatos. Mas como crime por bullying prescreve em menos de 50 anos, estamos todos anistiados/perdoados. Por falar em apelidos, pergunto-lhe que lembranças você tem dos seguintes colegas: do primeiro Cutia (o saudoso Renato Botelho); do Pigmeu (onde estará!); e do saudoso Picolé... isto só para falar daqueles que nunca mais vimos.Fique você com a palavra.


Chicão:Deixa comigo! Eu fiquei sabendo que o Picolé derreteu. Ninguém quis chupar, então ele virou suco outra vez. Parece que o Cutia está por aí mesmo, só mudou de nome, e o Pigmeu cresceu e desapareceu. Isso é o que eu sei sobre esses colegas. E outro que sumiu foi o... que vocês chamavam de cara de b u n d a. Pois é, tinha uns apelidos escrotos, mas a gente não tinha culpa se o cara tinha aquela cara.

Pergunta 5:

Foto do texto "O aniversário de Campo Belo"
 (visualizar com nitidez clicando aqui)

Lulu - Quando, em outubro de 1961, você escreveu um excelente texto no nosso jornal O Repórter Crúzio (vide link abaixo), eu pensei cá com os meus botões (de futebol de mesa), essa cabra vai ser um jornalista ou escritor de mão cheia, mas isso não aconteceu, ao invés, você se tornou um eletricista requisitado. E, finalmente, vem a pergunta: na sua vida as coisas acontecerem por acaso ou você realmente viu que tinha uma vocação, e por isso o sucesso profissional?

[14/12 18 20:47] Chicão: muito obrigado pela pergunta, que eu até já esperava, e também pelo citado sucesso (eu ia colocar aspas no sucesso, mas eu não sei). Mas vamos falar da crônica que eu escrevi em 1961. Égua, meu amigo, eu não me lembrava mais desse negócio, mas eu acho que saiu legal
[14/12 21:21] Chicão: Eita, já errei outra vez! Você vê que não tem o ponto lá. Mas eu quero dizer que essa cabra é a mulher do bode. Quando for se referir a mim É ESSE cabra, tá!!! Mas vamos lá.Viu! Consegui botar os dois pontos... Mas vamos voltar ao assunto? Você vê que não tem nada de invenção. É tudo real (vou ficar devendo os acentos). Eu sempre tive essa facilidade para escrever, mas nunca pensei em ser escritor. O meu desejo, desde criança, foi trabalhar em algo que beneficiasse o povo e acho que fui muito feliz na escolha que fiz. Eu faria tudo do mesmo jeito. Não foi nada por acaso, foi planejado assim por que era o caminho mais rápido para ajudar o meu pai. E tenho dito.

Pergunta 6:


Lulu - Cara, eu também tenho direito de errar na datilografia, meu dedo é rombudo e a tecla é virtual. Esqueça o "essa cabra" que temos assuntos mais sérios a tratar do que o sexo dos caprinos. Simples demais, "foi tudo planejado pela necessidade de meu pai", acho que você deve ser o melhor exemplo de altruísmo de nossa turma. A maioria de nós, da EASO, tem uma marca: entramos porque a mãe queria ser padre e não podia, saímos porque a carne reclama uma mulher nova, bonita e carinhosa, como diz a música, para nos fazer gemer. Alguns, uns 6%, porque não acreditavam mais na religião. Quando não era o padre Humberto, que nos mandava para casa, eram as lingeries estendidas nos varais dos quintais de Campo Belo, uma tentação descomunal para quem tem 17 anos. Vê-se o pano, imagina-se o recheio. Alguns demoraram mais a sair, porque a pobreza, mesmo que disfarçada, era tanta que a família não teria como custear os estudos do filho fora de um colégio não subsidiado. Este é o nosso grande débito para com os Crúzios, um colégio do nível ao Dom Cabral ao preço de um Deus lhe pague.Finalmente, Chicão, gostaria que você me ajudasse a compreender esse quadro: fale-nos de sua percepção da realidade daquele tempo e do legado que levamos da EASO para nossas vidas.
[18/12 18 21:36] Chicão: Demorou, mas cá estou eu para continuarmos a nossa conversa. Meu caro Lulu, que bom que você já falou quase tudo


"Padre Humberto Nienhuis
 só antecipou um pouco
a minha  saída" .

[18/12 18 22:23] Chicão: P Q P ... Já errei a dedada outra vez... Mas vamos continuar: (viu, como eu já achei os dois pontos?) pois foi isso mesmo que aconteceu. Eu não teria como pagar os meus estudos e já estava quase certo de que o sacerdócio não seria o meu caminho, mas eu pensava em terminar pelo menos o curso ginasial e depois ir para casa, pois o meu pai havia casado de novo e as minhas irmãs me diziam que a coisa tava pegando por aqui. Então, pensando bem, eu acho que o padre Humberto só antecipou um pouco a minha saída.Mas Deus sabe o que faz e no final deu tudo certo. Assim o legado que tivemos para nossas vidas, como eu já disse uma vez,  no nosso primeiro encontro lá em Campo Belo, é que a EASO e os nossos queridos amigos padres não formaram muitos padres, mas formaram muitos bons cristãos.

pergunta 7

Siovani -  Fiquei intrigado com a palavra cubaciado que aparece na crônica,  se ainda se lembra, esclareça-a.

Bessa: a melhor prova

Chicão - Alô, meu amigo S i o v a n i. Rapaz, eu tentei escrever o teu nome mais de dez vezes e não consegui... Seria porque eu estava escrevendo com C? Meu camarada,agora eu acho que vai... Como é que está a nossa amiga R O S E? Manda um abraço pra ela, por favor. Quanto àquela palavra que você citou na pergunta, eu acho que foi um erro de digitação, talvez eu tenha escrito embaçado. Até porquê, depois eu falava que o tempo não estava bom naquela manhã, né?

Pergunta 8


Nonato - Você que continua militando como um bom apóstolo, no seu entendimento, diga-nos o que você acha que faltou no currículo educacional daquele seminário para despertar e até avivar a vocação daquela garotada? Faltou algum exemplo, algum carisma ou você acha que aquela forma de educação e direcionamento daria certo?  
 
Chicão - Olá, meu amigo Nonato... Como é que você está, meu parceiro velho de guerra? E a nossa amiga Nazaré, está bem? Manda um abraço pra ela, por favor. Então vamos lá com a pergunta 8:  na minha maneira de pensar, o sujeito que realmente tem vocação, seja a religiosa ou qualquer outra, supera qualquer dificuldade e acaba chegando lá. Quanto ao currículo, na minha opinião poderia ser aquele mesmo, se nós tivéssemos vocação. A melhor prova disso foi o nosso saudoso Antônio Bessa, você não acha?     

Pergunta 9     

Nonato - Qual dos nossos mestres você achava um bom exemplo a ser seguido ou que nos influenciasse na vocação?

Padre Marino, o centroavante, aqui como técnico do
 Santa Cruz . Chicão está à direita, em pé. 

Chicão - Esta é muito fácil, meu caro. O meu primeiro diretor, o nosso centroavante, Padre Marino. Mas, mesmo ele, não teria conseguido formar padres, nem a mim nem a você. Tô certo ou tô errado? Então, pronto... vai mandando.


Pergunta 10


Lulu - Chicão, gosto muito desta entrevista, porque você inova com respostas francas e diretas, sem perder o humor.Inspirado por ela, ocorre-me pensar numa nova modalidade de conversa online, tipo diálogo, com a participação de alguns colegas. O quê você acha desta ideia? Que sugestões você teria?

Ch
icão - Olá, meu caro Lulu... Você está gostando da entrevista, mas já está bolando uma nova modalidade?  Então não deve estar gostando muito, não.
Uma ideia que poderá ser interessante;
Quero agradecer por suas palavras elogiosas em relação a este amigo e acho que essa sua nova ideia poderá ser bem interessante, desde que haja colegas dispostos a ficar direto online (eu acho que esta palavra é separada), e que isso seja feito através de mensagens de voz, meu amigo. Porque se eu estiver participando, vocês vão ter que ter muito saco pra esperar eu digitar o bagulho.Muito embora, eu, fazendo uma autocrítica, acho que já fiz algum progresso... Então, se é que eu entendi o que você quis dizer, esta é a minha opinião. E pode mandar, meu camarada.

Lulu: Nota sobre a palavra online ou on-line (colada do Google)
On-line ou online. A forma preferencial de escrita da palavra é on-line, com hífen. A palavra online, sem hífen, embora seja frequentemente utilizada e se encontre dicionarizada nos dicionários de língua inglesa, não se encontra reconhecida no vocabulário ortográfico da Academia Brasileira de Letras.

Pergunta 11

[20/12 10:39] Lulu - Amigo Chicão, que perguntas você mesmo faria para o cidadão Francisco Sales e como as responderia? Fique à vontade e mostre a que veio.



[21/12 18 02:05] Chicão: Eu tenho um filho que quando escrevia alguma coisa errada, quando era criança e eu ia ajudá-lo nos trabalhos do colégio, e eu ia corrigir, ele me dizia: deu pra entender? Então vamos embora... Ele estava errado, é claro, mas agora eu digo a mesma coisa. Não se preocupe com a grafia das palavras inglesas, se deu pra entender, vamos adiante. Aliás, a Academia Brasileira de Letras nem tem que se meter. Mas eu agradeço a você pelo esclarecimento.Agora vamos à pergunta 11: (viu os dois pontinhos? é! aprendi, meu filho) há uma pergunta que eu me fiz quando o padre me mandou embora, mas eu, logo que cheguei aqui, em 1963, vi que teria a solução.A pergunta era: e se a mamãe não tivesse morrido? Porque, embora eu não tivesse prometido que eu iria ser padre, eu estava no seminário, e a esperança dela era que eu ia conseguir. E quando eu cheguei aqui e fui falar com o nosso vigário, ele me disse que se eu quisesse, ele me colocaria no seminário Pio X, aqui. Mas há outra pergunta que eu sempre me faço, que é: por que é que eu me importo tanto com a satisfação e o bem-estar dos outros? Muitas vezes faço coisas que eu detesto só para que as outras pessoas fiquem satisfeitas. E muitas vezes, pessoas que nem merecem. Eu sei que esse procedimento está de acordo com o Evangelho de Jesus, mas muito antes de eu saber que havia um livro sagrado, eu já era assim. Lá em casa, quando eu era criança, a gente só dormia em rede, e como nós éramos bem pobres, só havia uma rede de reserva para quando algum parente precisasse dormir lá. Acontecia, muitas vezes, que aparecia uma tia acompanhada do filho, e, aí, imagina quem ia pro chão.
[21/12 02:11] Chicão: Pqp... errei de novo a dedada. Mas a resposta é simples e curta: é coisa de índole, eu nasci assim.



Os crismandos.

Em esclarecimentos remetidos após o término da entrevista, Chicão nos enviou fotos relativas a seu trabalho como catequista. Então nós lhe fizemos algumas perguntas, e ele esclareceu como segue: "oi Lulu, meu amigo, boa tarde pra você e todos os nossos amigos...  Olha só, eu acho que você,  pelo pedido que me faz,  já me fez entender que sabe a resposta da pergunta feita.  Mas, para reforçar o seu entendimento, eu lhe digo que crismandos são os jovens, ou adultos também, que estão se preparando para se tornarem verdadeiros cristãos  (católicos praticantes) . São crismandos porque é através do sacramento da crisma e suas promessas que assumem esse compromisso.  Quanto ao pedido que o Nicodemo me faz, eu posso informar que já consegui vários catequistas, alguns coroinhas,  uns poucos guardas da paróquia, mas sacerdote, até agora, não tive o prazer encaminhar.  Mas todos os anos eu estou tentando". ...

Chicão completou em outra mensagem: “agora eu vou dizer uma coisa que não me perguntaram: assim como eu, a maioria dos meus amigos tem filhos formados, não é?  Pois é,  cada vez que sai uma turma dessas,  para nós catequistas, é como se fosse um filho nosso se formando.  É... Eles se tornam os nossos filhos espirituais.  É muito gratificante mesmo”...



44 crismandos do ano de 2017 (clique para ampliar a foto).

Equipe catequista de 2017: a partir 
A partir da esquerda Jessica,  Chicão,
 Ananda e a fotografa  Evelim

segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Entrevista com José Nicodemo Costa


Revisão: Siovani



Apresentação: Lulu

José Nicodemo Costa 
Esta apresentação, como muitas, escrita após à entrevista concluída, considera a predileção do entrevistado e os seus valores cristãos, que muitas vezes o levam a ver qualidades noutros que de fato são suas.
Um homem que valoriza tanto a humildade já decerto a tem como virtude e é bem provável que a cultive com esmero. Assim vejo o nosso entrevistado, José Nicodemo Costa, que não se ocupa das vantagens e prazeres que lhe podem trazer a ostentação e a vaidade.Mesmo conhecendo-o de pouco convívio, apenas dos encontros da EASO, confesso que pude observar de perto seu comportamento quando esteve em Senhora de Oliveira durante o VIII Encontro da EASO, e dele formar um juízo positivo. A humildade, que ele tanto aprecia nos outros, nele emerge natural e soma-se a outros atributos que moldam o caráter. O mundo carece do que nele sobeja. Neste sentido, testemunhei um comportamento que mostra o quanto este nosso colega preza a amizade: uma boa parte dos ex-seminaristas deve conhecer e lembrar-se da estória triste de José Cezário, que, por recomendação médica, teve que sair da EASO. Este bom seminarista fora acometido, ainda menino, de uma doença com um prognóstico desfavorável à cura. Como uma exceção à regra, não foi incentivado a ficar em casa nem saiu por vontade própria, seu desligamento se deu por recomendação dos padres que seguiam, por sua vez, a dos médicos. Quis o bom senso dos Crúzios e o destino que fosse ele consolado, na aproximação da derradeira viagem, pelo caloroso amor de mãe e pelo olhar afetuoso de sua família. Foi para casa morrer no conforto do lar, e o previsto se consumou. Nicodemo conhecia esses fatos e, ao saber que a mãe do José Cezário ainda vivia, quis conhecê-la, e pediu-me para acompanhá-lo à casa dela. Sendo aquela senhora minha madrinha, tive muito prazer em levá-lo a essa homenagem póstuma àquele cujos parentes mostraram-se agradavelmente surpreendidos com a inesperada presença do amigo de outrora. Infelizmente a visitada, já em idade quase centenária, não mais podia entender a grandeza do gesto daquele senhor grisalho que ali fora pela memória de um menino que conhecera há mais de cinquenta anos.
É comum ver-se pessoas cheias de atitudes nobres, mas poucas são as que vão além disso, ou seja, que conseguem transformar as boas intenções em comportamentos e gestos de grandeza, seres que mudam o mundo com ações e não apenas com palavras.
Nosso entrevistado é determinado à ação, como se pode colher de suas respostas nesta entrevista. Não é desses em que a bonomia religiosa costuma anular aquelas qualidades que tornam a pessoa competitiva e útil nas atividades laicas. Ao contrário, sua vida é pé no chão. Foi gerente e vendedor de sucesso. De perto nós o vimos agindo na coordenação do X Encontro da EASO, tarefa que realizou com discrição e objetividade. Mas, de longe, o mais importante de sua vida está na construção de uma família bem estruturada. Através de sua luta há de deixar o seu legado para as novas gerações.

A entrevista

Lulu: inicialmente solicito ao Nicodemo que faça um resumo de sua vida. Esse material será a base para nos orientar quanto às perguntas mais pertinentes.

Nicodemo - 
Vamos começar.


Meu nome completo: José Nicodemo Costa.
A partir da direita: Luciano, caçula; Alessandra; Nicodemo;
Julieta, a esposa; Fernanda, sobrinha.
Sou natural de Cristais, MG.
Nicodemo no festival do chopp
em 1973, Campo Belo - MG
Nasci em uma fazenda em 22/07/1949.
Sou o mais velho de 4 irmãos, hoje, apenas 2. Fiquei órfão aos 7 anos; meu pai faleceu com apenas 33 anos em 1956.
Vivi na roça até os meus oito anos; frequentei escola de roça por um ano. Aos oito anos fui para Cristais para estudar, onde fiz o primário. Durante esse período estudava e vendia frutas e verduras, além de cuidar de uma ceva de engorda de porcos, que meu tio tinha em Cristais, e, nos finais de semana, engraxava sapatos na rua.
Em 1963 vim para o Seminário, onde fiquei por dois anos, mas continuei estudando no saudoso Ginásio Dom Cabral, hoje Colégio Dom Cabral, onde fiquei até a 3ª série. Esse período foi terrível, pois além dos estudos, também vivia na boemia.

Em 1974 eu me casei; temos dois filhos, a mais velha é farmacêutica, e o caçula formou-se em educação física, mas não exerce a profissão, agora  está fazendo Agrimensura e vai se formar em 2019, se DEUS quiser.

O mais, vamos deixar para as respostas das perguntas.


*
Pergunta 1:

Quando estudante participando da Charanga do Colégio
Dom Cabral, Campo Belo - MG

Lulu - Como as dificuldades de sua infância, órfão tão novo, e o pouco tempo de seminário contribuíram na formação de seu caráter?

Nicodemo - Graças a DEUS, eu tive uma Mãe que, apesar de ter ficado viúva com apenas 28 anos, soube nos dar uma boa educação; e no seminário, depois no GINÁSIO DOM CABRAL, foi onde aprendi a vencer as barreiras da vida.
Tudo o que aprendi e o que sou, agradeço aos Padres Crúzios, inclusive minha formação religiosa.





**

Pergunta 2:

Fundos da capela de Cristais, onde Nicodemo
foi coroinha.
Lulu - Por que você entrou e por que saiu do seminário?

Nicodemo - Na época eu era coroinha do saudoso Padre Celso Pinheiro e estava sempre participando das festas religiosas, com isso foi-me despertado o desejo de ir para o seminário, onde passei o melhor tempo da minha vida, apesar das dificuldades.
Saí por ignorância do Padre Humberto. Eu tinha ido fazer uma visita para a minha avó, que morava na fazenda; isso foi em um final de semana e foi justamente naquele final de semana que o padre foi a Cristais. Na semana seguinte eu recebi uma carta dele dispensando-me.

Lulu - Na resposta acima ficou a seguinte dúvida: por que o padre Humberto o expulsou?Você foi para a casa da sua avó sem ter autorização?Como isso era possível, se ele, o Padre Humberto, era o diretor?

Nicodemo - Mas era período de férias!

Lulu - Nas férias você não podia sair da zona urbana de Cristais? Afinal o que dizia a carta?

Nicodemo - Dizia que nos finais de semana eu deveria estar na cidade e participar das missas, e que eu não tinha vocação.

***

Pergunta 3

Lulu - Quais são suas melhores recordações daquele tempo?

Nicodemo -  São várias: as aulas de declamação; a sala de recreio; as peladas; as viagens para as cidades vizinhas e as cachoeiras.

****

[13/12 05:01] Luiz Alfenas: Seoldo enviou por Skype algumas perguntas para você
:
[13/12 05:01] Luiz Alfenas: 12/12 8:33 PM (Horário de Arizona, EUA)  Geraldo H Seoldo - 


****
Pergunta 4: 


A partir da esquerda: Nicodemo (pela metade), Rafael 
e Tião Rocha.

Seoldo - Oi, Nicodemo! Não foi no mesmo tempo, mas ambos, você e eu, passamos pela Escola Apostólica Santa Odília... Também eu fui um simples menino da roça sem muitos recursos... Gostaria de que você desse mais detalhes do tempo em que viveu no Seminário: Você queria ser padre mesmo? Quais seus melhores colegas? Gostava do regime e da comida? Qual seu esporte preferido?

Nicodemo - Sim, eu queria, tanto é que, até hoje, às vezes eu me questiono porque eu não procurei outro seminário logo que saí da EASO. Mas eu queria ser Crúzio, devido ao carisma deles.
Com relação aos amigos daquele tempo, para mim não tinha nenhum melhor que o outro, eu me dava bem com todos. Hoje, porém, eu tiro o meu chapéu para um que não sei se foi do seu tempo, esse eu tenho o prazer de escrever o nome dele com letras maiúsculas, sem desmerecer os demais, LUIZ ALFENAS (LULU), esse cara é de uma humildade e uma simplicidade sem igual. Para ele eu tiro o chapéu.
Regime do Seminário: Era muito rígido, mas foi muito bom para nós, você não concorda? Eu sou muito grato aos Padres Crúzios pelo que sou hoje.
Meu esporte preferido: eu sempre gostei de pescaria, mas tem muito tempo que não pesco, meus amigos de pescaria já morreram todos.
 
*****

Pergunta 5:

Seoldo
Mais detalhes, depois que saiu do Ginásio Dom Cabral na 3ª série: 
a) foi direto trabalhar em que e onde...
b)como encontrou sua esposa...
c) como conseguiu a educação dos filhos...
d) como vê a situação atual de Cristais, de Minas, do Brasil, e, sobretudo, da Igreja Católica?

Nicodemos -


a) Você perguntou se eu fui direto trabalhar: não, quando eu saí do seminário fui morar na casa de minha prima, e só no ano seguinte foi que viemos definitivamente para Campo Belo. Eu comecei em uma seção de peças durante as férias. Em 1967 fui trabalhar com um meu primo que tinha um bar, estudava de manhã e à tarde ia para o bar. Nesse bar, comecei a beber, parei de estudar, todo serviço que arrumava eu não gostava. Trabalhava durante o dia e à noite ia para a boemia, eu detestava ficar atrás de uma mesa ou balcão; essa vida continuou até 1972, nesse ano eu estava trabalhando no escritório de um laticínio, foi quando conheci um senhor que fazia a manutenção das máquinas;um dia ele me chamou e perguntou-me se eu queria trabalhar de vendedor para ele, aceitei na hora, era uma firma representante das máquinas e calculadoras Olivetti, foi a primeira porta a se abrir para mim, depois fui para  uma firma de montagem comercial, onde fiquei por cinco anos. Fui gerente de filial de uma transportadora por oito anos e, por fim, voltei para as vendas, onde fiquei até me aposentar.


b
O casamento feito pelo Padre
Arthur.
) Como encontrei minha esposa: Foi através de uma minha prima.
Quando eu ia trabalhar, sempre me encontrava com ela vindo do colégio. Um dia, conversando com minha prima, comentei com ela, pois as duas estudavam no mesmo colégio e eram da mesma sala.
Um belo dia, eu estava em casa quando chegaram as duas, e fomos apresentados um ao outro, aí tudo começou. Dia 21 de dezembro de 2018 vamos fazer 44 anos de casados.


Julieta e Nicodemo: casamento em 1974
c) Como conseguimos educar nossos filhos:

Olha Seoldo, foi uma luta. Eu viajava e minha esposa lecionava. Minha filha fazia faculdade em Três Corações e, em uma consulta médica, foi descoberta uma infecção nos intestinos; esta infecção chama-se Crohn, não é grave, mas não tem cura, só controle.
Na época ela fazia uso de um medicamento cujo nome é PENTASO, que custava quase R$500,00 a caixa com 28 comprimidos,suficientes para 7 dias.
Meu filho formou-se na UNIPAC e agora está fazendo Agrimensura à distância, com aulas presenciais três vezes por mês.
Esta foi a minha vida com altos e baixos, mas venci graças ao nosso bom DEUS.


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Pergunta 6

Seoldo - " Sempre haverá gente melhor e pior que você.... gente mais e menos importante que você....  Você é filho do universo.... Você tem o direito de estar aqui e agora.... " 
Poderia fazer um comentário sobre isto? Boa Sorte e Felizes Festas!!!!


Nicodemo - Não, não há ninguém mais importante ou menos importante, como diz aquele velho ditado popular: cada macaco no seu galho. Para mim somos iguais, indiferente à cor, raça, credo e classe social.
Completando esta resposta:
Para os amantes da música caipira, já deve ter ouvido uma música que tem como título O Doutor e o Caipira, se ainda não ouviu, procura ouvir.



Goiano e Paranaense.

Letra:
Eu dou motivo pra me chamar de caipira
Mas continuo lhe tratando de senhor
Eu não me zango, pois não disse uma mentira
Pelo contrário isso até me dá valor
Sua infância foi lições de faculdade
Na realidade hoje é grande doutor
Não tive estudos minha escola foi trabalho
Desbravando meu sertão no interior

Foi importante eu ter feito esta viagem
Pois conheci esta frondosa capital
Estou surpreso vendo tanta aparelhagem
Para o senhor tudo isto é normal
Sou um paciente que o destino lhe oferece
Não me conhece como um profissional
Lá onde eu moro o senhor se sentiria
Como eu me sinto aqui nesse hospital

Lá eu domino aquele incêndio alastrado
Que sempre um raio deixa fogo no espigão
Se der um golpe em um jatobá erado
Eu sei o lado que a árvore cai no chão
Sou especialista em mata-burros e porteiras
Sei a madeira que se usa pro mourão
Vamos comigo ver meu mundo ao céu aberto
Onde o trabalho também é uma operação

Todas as vezes que me chamam de caipira
É um carinho que recebo de alguém
É uma prova que a pessoa me admira
E nem calcula o prazer que a gente tem
Doutor agora nós já somos bons amigos
Vamos comigo conhecer o meu além
Para dizer que sou caipira da cidade
Mas lá no mato eu sou um doutor também


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Pergunta 7
Irmã Eufronésia (85)

Eustáquio - Fale um pouco sobre seu trabalho na pastoral vocacional em Campo Belo.

NicodemoSobre a pastoral vocacional:
Tudo começou em 1996, quando  minha esposa e eu fizemos E.C.C.Durante as reuniões para os encontros, foi despertando-me o desejo de participar de  algum movimento ou pastoral.Reunimos cinco casais e fundamos a pastoral familiar, que funcionou dois anos, mais ou menos. Depois, uns saíram e outros morreram, foi até acabar.  Fiquei novamente pensando no que fazer.
Conversei com o padre Donizete, que era o pároco, isso em 1997. Foi aí que tudo engrenou, eu e a Irmã Eufronésia fomos para Oliveira fazer um curso, começamos com cinco agentes. Promovemos palestras nas escolas, várias reuniões, indo atrás de jovens que manifestassem interesse, e a encontros de jovens vocacionados de fora de Campo Belo.Desses encontros, hoje temos quatro padres: Padre Tiago, da paróquia Nossa Senhora do Carmo; Padre Sebastião Israel, capelão da Vila Vicentina e Padre Robson, de Cristais, e, ainda, Frei Agnaldo, um franciscano que trabalha em São Paulo.
A Irmã Eufronésia trabalhou aqui no antigo Colégio São José, onde foi professora por vários anos. Trabalhou muito para que fosse fundada a paróquia de São Sebastião. Hoje ela mora e trabalha em Belo Horizonte, no bairro Taquaril.
Continuamos à procura de novos vocacionados,fazendo reuniões, rezando pelas vocações e agora vamos rezar o terço vocacional todo dia 5 de cada mês.
Por favor, reze pelas vocações sacerdotais e religiosas. Obrigado.


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Pergunta 8:   

´
Reunião de 2008, em Campo Belo, com Ázara, Nonato,
Nicodemo, Ni e Rafael. 

Nonato - Depois de tantos anos que se passaram daquele convívio no seminário, começamos (alguns ex-seminaristas) a nos encontrarmos. Você acha que tem valido a pena, mudou ou influencia alguma coisa na vida dos que têm participado dos nossos encontros?

NicodemoSim, vale muito ver no rosto de cada um a alegria estampada, lembrar as histórias daquele tempo; pena que é uma só vez por ano.
Cada vez que nos reunimos, eu, particularmente, tiro proveito de alguma coisa.
Você se recorda dessa nossa reunião? (vide foto ao lado)


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Pergunta 9

Padre Humberto (primeiro assentado à direita); Padre 
Marino (primeiro assentado à esquerda); Padre Lucas (com
a cruz colorida)
Nonato - Ainda no seminário, qual padre você acha que melhor nos servia como exemplo para a vida religiosa? 

Nicodemo - Eu penso que cada um tinha as suas qualidades, eu vou enumerar 3:
1 - Pe. Humberto, como catequista;
2 - Pe. Marino, amigo e conselheiro;
3- Pe. Lucas, pela espiritualidade.


Um pequeno comentário:


Na comemoração dos 60 anos de ordenação do Padre Lucas, o bispo, naquela ocasião era Dom Francisco Barroso, em sua homilia falou que se quisesse encontrar com o Padre Lucas no colégio Dom Cabral, era só ir à capela, que lá estaria ele fazendo suas orações.


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Pergunta 10

Lulu -  Nicodemo, que perguntas você mesmo faria para o cidadão Nicodemo, e como as responderia? Fique à vontade e mostre a que veio.

Nicodemo: Lulu, esta foi muito boa.


As perguntas seriam estas:

a) Você já foi humilhado ou discriminado?


b) Você se sente inferior a outras pessoas?


E estas seriam as respostas:     


a) Sim! Algumas vezes por não ter um curso superior ou por não ter uma situação financeira boa.


b) Não! Não existe ninguém melhor que o outro, somos todos iguais, filhos de um mesmo pai, DEUS.



quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Relatório do X Encontro

Campo Belo ao amanhecer, em 7 de setembro de 2018
Siovani.

Quinta-feira, 06 de setembro de 2018.

Nosso encontro começou ainda em Belo Horizonte quando recebemos o Walter (Lua), meu colega da turma de 1964, seu filho Otávio e o amigo deste, Daniel, para iniciarmos nossa viagem a Campo Belo. As apreensões sobre entraves na estrada logo se confirmaram com o trânsito quase parado em Contagem, mas, desviando pela Via Expressa, retomamos nossa viagem sem maiores empecilhos para chegar ao Convento ao cair da noite, onde muitos dos encontristas já nos esperavam para os primeiros abraços.

Durante a viagem recebemos pelo WhatsApp a patética notícia que o candidato à presidência, o deputado Bolsonaro, havia sido atacado com uma faca, porém, sem mais detalhes, até achamos que poderia ser apenas mais um “fake news”; infelizmente, as ameaças de uma conturbada eleição foram confirmadas quando em Campo Belo soubemos da veracidade do atentado. Triste país, onde a vingança e a violência têm sido utilizadas como argumentos em uma eleição. Enquanto dirigia, lembrava minha última partida de Campo Belo, em novembro de 1966: como eu havia cumprido os pontos necessários para ser aprovado, fui liberado das provas finais; o Eustáquio tinha que ir a Belo Horizonte para votar, parece-me que no dia 15, e os padres resolveram que eu poderia ir mais cedo para casa, aproveitando o Eustáquio para acompanhar-me até Belo Horizonte. Opa! ou fui eu a companhia que ele necessitava para passar incólume pelas barreiras que havia nas estradas? Havia um congresso de estudantes programado para acontecer, e os suspeitos de para ele se dirigirem eram simplesmente retirados dos ônibus. Foi nesse clima de apreensão que fizemos a viagem, pois o Eustáquio corria risco de não poder passar. Parece-me que fui um bom escudo para ele. Eram tempos conturbados, as arbitrariedades aconteciam a qualquer momento, atingindo a qualquer um cuja face não o protegesse; as minhas lembranças se recusam a serem varridas para baixo dos tapetes da indiferença. E foi nesse clima que dei meu adeus ao colégio onde permanecera por três anos, pois não tinha mais a intenção de retornar.

Mas mesmo temendo por tempos vindouros de muitas preocupações, apague-se da memória tudo que corre pelos jornais, afaste os ouvidos da TV e entregue-se voluntariamente ao ambiente de paz que o Convento nos oferece junto a tantos amigos que, pelo menos ali, esquecem tais ardores e dissabores para entregarem-se à mais pura amizade. E no pátio do Colégio
A fanfarra continua brilhando
Dom Cabral a fanfarra já estava perfilando-se para nos oferecer uma acolhida prazerosa, enquanto nos entregávamos à dura tarefa de saborear os deliciosos pratos que nos foram oferecidos como boas-vindas pelos padres, acompanhados por um chope de qualidade, sucos e refrigerantes, e conversas interrompidas por um ano.

Foi um grande prazer ouvir o Pe. Tiago, que o Tupy nos permitiu a companhia levando-o ao encontro, discorrer livremente sobre os nomes completos dos padres que o Olímpio queria lembrar, sentindo-me um tanto frustrado pelos meus tropeços na questão de lembrança de nomes, pois quando os procuro, argh! eles somem, e nada disso acontecia com ele, tinha-os pronto sem titubear.

E a fanfarra do Colégio continua a brilhar como nos tempos do Pe. Cornélio: novamente a memória nos invade a fazê-lo desfilar cheio de garbo à frente dos seus alunos em momentos esperados por todos na cidade. O Pe. Wilson tocou num ponto sensível ao perguntar-nos se também nós, seminaristas, participávamos da fanfarra, e a decepção que sentíamos na época por isto não nos ser permitido ainda aflorou. Uma estreita comunicação com os alunos externos não era bem vista pelos antigos padres.

Mas a noite só trouxe festa: fanfarra, comidas, bebidas, conversas, abraços e uma boa noite de descanso para retirar a tensão que as estradas sempre causam.






Sexta-feira. A algazarra das maritacas e dos pássaros acordaram-nos bem cedo, e para esperar o horário do café nada melhor que um filme leve, cheio das caretas e das espertezas de Totò, o grande ator italiano precursor dos nossos trapalhões, arejando o espírito para colocar-me sempre mais longe das angústias que ameaçam nossas vidas.

Fim do filme, Totò não muda, ladrão ou policial é sempre o herói terno da malandragem à italiana, semelhante à nossa, e lá se vai novamente um pensamento sobre este povo ingênuo que se deixa levar por quase nada. Apague-se. Vamos ao café.

Bons dias para todos e para nós. Mesa boa, mesa farta de bolos deliciosos. Queijo e pão de queijo da melhor tradição mineira. Frutas e sucos.  Uma comunhão de boa vontade que os padres nos oferecem, e quando as bocas têm um intervalo de descanso, conversas; ninguém tem pressa de deixar as mesas descansarem, e assim os regimes se despedem sem remorso.

A manhã era livre, poderíamos ir ver o desfile cívico na praça da Matriz, onde o José Geraldo reservava aos seus amigos um lugar de destaque, mas muitos resolveram perambular por ali mesmo nas dependências do
Convento, aproveitando mais da companhia dos amigos debaixo de uma boa sombra.

Para o almoço foi-nos oferecido um churrasco. A barrica de chope, que nos havia recebido na noite anterior, estava a postos, pronta a servir o refresco para nossas gargantas ávidas, com ou sem colarinho. E, como já se tornou costume em nossos encontros, a Germana apresentou-se sob os cuidados do Lua, que nos ensina como deve ser apreciada. Ao lado da tradicional garrafa com palha de banana, uma outra, a Neide, era própria para fazer uma deliciosa caipirinha. Bom, foi só aí que descobrimos o seu rótulo “Unaged”. Perigosa a danada, o álcool se esconde debaixo do gelo e do açúcar fazendo os incautos bambolearem sem aviso, discorria o Lua. Para acompanhar o churrasco, arroz e um delicioso tropeiro, que logo deixou só lembranças; a satisfação se aliou à alegria no cuidado que o Nicodemos e os padres tiveram em escolher um bom churrasqueiro que nos pudesse fazer ainda mais celebrar nossos reencontros. 

A tarde avançando e a turma foi recolhendo-se aos quartos para uma sesta. Como meus olhos recusam-se a fechar enquanto a luz existe, ficamos por ali, eu e o Caio, a trocarmos lembranças daqueles tempos antigos tendo como visão as dependências que as acalentavam.

Foi-se a tarde, um banho para esgotar o pouco suor e era hora do jantar, um estrogonofe delicioso nos preparou para a reunião que haveria após. A tristeza não deixou de nos visitar quando a Nazaré recebeu a notícia que seu pai havia sofrido uma queda e teve que ser hospitalizado; ela sentiu muito e devido a isto foi-nos comunicado que eles partiriam cedo na manhã seguinte, e o Lulu se prontificou a levá-los de volta a Belo Horizonte.

O Tupy preparara um vídeo colecionando muitas fotos dos tempos do seminário e dos nossos encontros, rememorando os muitos padres crúzios que passaram por ali e pelo Brasil. Deixo a lembrança que este, que vos faz este relato, no primeiro encontro foi apenas um participante, não tendo em nada colaborado para organizá-lo, embora o Tupy me tenha apresentado em um quadro dos pioneiros.

E colocou-se em discussão o local do próximo encontro:
O Nicodemos propôs Leopoldina, com o intuito de permitir aos ex-seminaristas dessa cidade a oportunidade de participar dos nossos encontros, porém, pela dificuldade de organização, a proposta foi rejeitada. Propusemos um encontro em Alagoas, na Foz do Rio São Francisco, aproveitando que o Seoldo pretende visitar o local onde trabalhou e conheceu a Judith, mas as dificuldades que o próprio Seoldo colocou e a distância tornaram a proposta inviável. O Lua se prontificou a contatar um seu amigo que tem uma bela pousada em Arraial d’Ajuda, que nos pode oferecer condições especiais; aguardaremos uma proposta efetiva antes de nos decidirmos. O Lulu propôs abrir um grupo (o que já foi feito) para continuarmos a discussão.

E sem a definição do local do próximo encontro, fomos todos dormir.

Sábado. A manhã se levantou na mesma algazarra dos pássaros, e o café da manhã nos alegrou nos mesmos moldes do dia anterior. A gentileza dos padres e irmãos do Convento fazia-se sempre presente, havendo um momento em que alguns ohs! foram ouvidos quando das mãos de um Irmão foi oferecido um pedaço de banana assada com canela. Humm!

Tínhamos o dia programado para passarmos no Náutico Clube, e por volta das nove horas tomamos um ônibus que nos levou até lá, na estrada para Boa Esperança. Tristeza pelos nossos amigos que partiram cedo, alegria do Irmão Marcos e do seminarista Duiany que puderam aproveitar os lugares deixados vagos. Chegamos ao clube, ora chamado AcquaPark Mar de Minas, ambiente muito agradável, com tobogãs, piscinas diversas incluindo uma belíssima com ondas, fazendo a festa do Otávio, filho do Lua, e do Daniel, e também de alguns dos encontristas como o Eustáquio, que desceu
pelo tobogã mais íngreme deixando para trás o dinheiro que ficara no seu bolso.

Embora a água fria tenha espantado a maioria, o dia foi gostoso, almoço idem, e até mesmo um jogo de cartas se fez presente entre as mulheres, que sentadas debaixo de uma ampla sombra debaixo de um grande telhado disputaram uma longa partida de Buraco. Às quatro horas tomamos o ônibus para voltar a Campo Belo.
As ondas do Mar de Minas

 Houve uma missa solene e à noite estávamos livres. O grupo se dispersou à procura do que mais agradasse a cada um. Fizemos uma incursão à pastelaria no centro da cidade onde pudemos apreciar pastéis bem servidos e trabalhados, e boa noite.

Domingo. A rotina das manhãs se fez novamente presente e no refeitório apreciamos o café da manhã acompanhado pelas despedidas que começaram a serem feitas. A maioria se precipitou para pegar a estrada cedo com temor do grande fluxo de carros que à tarde provavelmente causaria problemas de engarrafamentos, principalmente na chegada a Belo Horizonte.

E o X Encontro encerrou-se definitivamente em nossa casa quando nos despedimos do Lua e dos dois meninos que com muita alegria nos acompanharam, e o Otávio levou para casa o novo apelido de Lua Nova.

Foram momentos de descontração e alívio das pressões que o ambiente de apreensão do país está causando-nos. Muitos agradecimentos devemos deixar para o Nicodemos, que coordenou o evento com maestria, para os padres e irmãos do Convento que nos receberam com tanta simpatia e aos funcionários que abrilhantaram a cozinha. Quero ainda deixar registrado que me preocupei com os baixos valores cobrados pela nossa estadia, conversei com o Nicodemos a respeito, e ele me disse que tudo foi calculado para servir-nos com a única intenção de ganhar a nossa alegria: nosso muito obrigado pelo que realizaram.

E obrigado a todos pela companhia tão prazerosa.