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quinta-feira, 30 de junho de 2011

Entrevista com Tião Rocha

Entrevistado: Tião Rocha (62)
Antropólogo, Folclorista e Educador Popular. Presidente do CPCD - Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento.
Articulador e criador de tecnologias e métodos de ensino de uma escola aberta (não formal).
Ganhador de diversos prêmios de órgãos nacionais e internacionais;
Membro do Fórum Econômico Mundial, pela Fundação Schwab, Suiça.


Tião Rocha nos tempos de Campo Belo,
Minas Gerais, de 1961/1964
Descendo a  Rua Paraisópolis, na divisa do Bairro Santa Tereza com o Horto, em Belo Horizonte, fomos ao encontro do nosso ex-colega de seminário de Campo Belo, Minas Gerais, o Tião Rocha. Temos com ele um forte laço de estima atado nos tempos da Escola Apostólica Santa Odília, desses difíceis de desamarrarem-se. Agora que organizamos esses Encontros periódicos que reúnem amigos da adolescência, estamos em busca de um pouco da história de cada um, na medida em que o tempo nos permitir, esperamos que cada um de nós possa se revelar e mostrar por onde anda sua vida e por onde caminham suas realizações, que valores tem e o que pode nos ensinar. Este que estamos procurando agora é o resultado da transformação e desenvolvimento daquele menino que nos anos 1960 corria conosco nos campos de pelada, ou atrás das frutas do mato, das laranjas e das águas da Usina Velha, e que caçava passarinho com o Geraldo Lemos e colhia jatobá e araticum em árvores altas. Aconteceu conosco que as amizades esmaeceram com um longo tempo de afastamento, mais de quarenta anos, mas que, suprimida a distância e reativados os contatos, logo se reacenderam. Estes Encontros, sem nos tirar do que somos hoje, fazem-nos relembrar das brincadeiras da sala de recreio, dos jogos de finco no pátio em frente, das pelejas para derrubar ou rachar os piões dos menos peritos, e de tantos outros brinquedos.
Tião Rocha, já de muito, é um grande educador com visibilidade no meio educacional, já publicou diversos livros, concluiu muitos projetos nas áreas sociais e está em plena atividade operacional e intelectual. Reconhecido pela mídia e pelos setores das comunidades mais exigentes em termos de desenvolvimento humano, ele coleciona, o que não é um fim, muitos prêmios nacionais e internacionais. (Vide link Tião Rocha premiações)

Terminada a entrevista, toda gravada em áudio para reprodução em computador, Tião Rocha dirigiu uma mensagem aos seus colegas Encontristas da EASO (única gravada em vídeo) que, nesta edição, colocamos em primeiro lugar:  



Compondo o perfil do Entrevistado

Sentados embaixo de um quiosque de sapé, sombra fresca e ambiente muito agradável, guarnecidos com uma garrafa de café ao estilo mineiro, iniciamos nossa conversa com a intenção de traçar, pela palavra do próprio entrevistado, o seu perfil.

Tião Rocha, o educador popular. 

Frases: "Especializei-me em cultura popular"; "Sou educador popular por opção política";
"Minha área de graduação é história e pós-graduação na área de antropologia cultural".


Filosofia política, religião e pessoas inspiradoras

Queríamos também passar para o leitor uma visão mais profunda sobre nosso entrevistado e pedimos-lhe que falasse sobre sua filosofia política e religiosa, e quais são as pessoas que o inspiram.
Frases: "O meu desencanto é no geral com os partidos, hoje eu sou defensor do Setor Zero que é governado pela ética"; "Hoje eu sou Líder Social Brasileiro (2007) pela Fundação Schwab e Folha de São Paulo"; "Eu acredito em Deus, mas não acredito nas religiões que estão aí"; "Inspiram-me: Guimarães Rosa, Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Leonardo Boff e Nelson Mandela. Guimarães Rosa diz que temos que beber de todas as águas, eu procuro fazer isso. Paulo Freire (para mim é um verbo que se conjuga no presento do indicativo : eu paulofreiro, tu paulofreiras, ele paulofreira...)"
.



O trabalho, o aprendizado e os prêmios

Frases: "Fui professor durante muitos anos, há 30 anos eu tive um “insight” (como dizem os americanos) e nós  mineiros chamamos  de "clarão" mesmo"; "Eu fui o primeiro professor da Universidade Federal de Ouro Preto a pedir demissão. Segundo eles, a gente só podia sair de lá com o pé na cova"; "Em 1984 criei o CPCD"; "É possível fazer educação em qualquer lugar, só não é possível fazer educação sem bons educadores"; "O projeto Araçuaí: Cidade Sustentável (Vale do Jequitinhonha), foi escolhido, em 2011, como um dos cinco projetos de cidades em sustentáveis do Mundo, em Estocolmo, Suécia"; "Minha dedicação é absoluta para o CPCD"; "Hoje, trabalhamos no Maranhão, no Projeto Cuidando do Futuro, para reduzir a mortalidade infantil neonatal em 17 municípios"; "Em Moçambique, onde trabalhei na década de 90,  aprendi que para educar uma criança é necessário toda uma aldeia"; "Aprendi com eles a convocar 'a aldeia', seja para salvar crianças da morte, seja pra zerar o analfabetismo, seja para tirar da ideologia do auto-desprezo as populações marginalizadas (em Moçambique as pessoas morriam de melancolia), mas para isso eu tive que desaprender".



Os tempos do seminário

 


Ele nos falou do período em que esteve no seminário e sobre suas lembranças daquele tempo.
Frases: "Eu estudei lá de 1961 a 1964"; "Até 2008 eu não me lembrava de quase nada, essas memórias apagadas voltaram dentro do I Encontro"; "As boas lembranças que vieram sempre com relação às amizades e ao companheirismo, principalmente no futebol. De resto, eu achava aqueles padres muito chatos, prepotentes. O único que tornou-se, posteriormente meu amigo e companheiro de ideal foi o Justino, com quem bebi boas e honestas cachaças. Grande figura: o primeiro ambientalista que conheci".





Uma vocação?

Mostramos ao Tião Rocha algumas fotos antigas que foram enviadas pelo Raimundo Nonato Costa em 2008 para que fossem utilizadas, na medida em que aparecessem as oportunidades ou necessidade, ouça o que ele disse no áudio abaixo:



O que é um ser humano bem-sucedido?

Perguntamos-lhe o que é um ser humano bem-sucedido. A resposta está no áudio abaixo.
Frases: "O ser humano bem-sucedido é aquele que consegue viver a sua vida com dignidade"; "A vida é uma dádiva que a gente recebe e que tem que ser vivida plenamente; a vida não tem segundo tempo, nem segunda divisão ... tem que ser vivida a cada momento"; "Como diz Guimarães Rosa, 'viver é perigoso, porque não se viveu ainda'.  A gente está aqui de passagem, somos inquilinos da Terra, para realizar quatro coisas: para ser livre, para ser feliz e para ser educado, a outra coisa para isso é ter saúde. A única coisa que precisamos “ter”  é saúde, o resto temos que 'ser'  ”.

O aprendizado transformador

Pergunta: o que distancia você daquele Sebastião acadêmico?
Frases: "Eu tive, em 1974, um aluno chamado Álvaro..... um dia eu cheguei na escola, eles me disseram, temos um problema, o Álvaro se matou... aquilo me marcou de tal ordem (não saber porque ele havia se matado) que me prometi, nunca mais vou perder um (aluno)...O Álvaro ficou encantado, tornou-se um anjo que me acompanha todos os dias de minha vida... Se tornei-me um educador (aquele que aprende) e deixei de ser professor ( aquele que ensina), devo isso a ele..."



Perguntas relacionadas ao ramo de conhecimento e desenvolvimento do entrevistado.

Como medir o sucesso na educação?

Que medições podemos aplicar para avaliar o sucesso na educação?  Foi nessa linha de questionamento que entramos na próxima pergunta.
Frases: "É uma pergunta que eu já me fiz em 1995: o que garante qualidade na educação? construímos e  aplicamos, até hoje, 12 indicadores, chamados de IQPs; Estes Indicadores (IQPs) (link) ... se transformaram em tecnologia social certificada: indicadores sociais"; "O ponto do doce é quando as pessoas descobrem que podem; os gringos chamam de “impowerment”...lá no sertão nós dizemos é “empodemento”, quer dizer ...”nóis pode”...rsrsrsrsrs. Muito antes do Barack Obama nós já usávamos o “nós podemos”... mudar o Mundo".



O  conceito de família

Ele não foge das perguntas, é fácil arrancar-lhe uma opinião, um ensinamento que nos leve a uma reflexão, em nenhum momento se fechou em copas, mostrou-se por inteiro. Confira o que é a família na visão deste Educador (áudio abaixo).
Frases: "Família para mim significa lugar do acolhimento. Quem nunca teve colo ou cafuné não sabe dar cafuné para o outro"; "Eu fui criado em casa e na rua; eu adoro a rua e fiz nela meus grandes amigos, até hoje,  e parte importante da minha aprendizagem de solidariedade"; "Como educador eu não quero tirar os meninos da rua, eu quero mudar a rua...se é nelas que nos formamos como cidadãos e como povo, por que privar os meninos disto..."; "Nós, adultos, deveríamos ser “pais e responsáveis “ por todas as crianças, independentes se nascidas da  gente ou não ..."

O ENEM como meio de inclusão social

Tião Rocha, o que você acha do ENEM como um meio de inclusão social? A resposta está no áudio abaixo.
Frases: "O modelo do ensino que temos está perdido"; "A pergunta é: nós queremos criar um mundo dos espertos ou de gente ética?"; "Pobreza, para mim, não é defeito"; "O modelo (de ensino) vai só se modernizando, mas não se transforma; existe, hoje, uma lógica mercantilista: a escola tornou-se o 'aparelho ideológico do mercado'... e que mercado!"; "E se todo o sistema hoje de avaliação está preso à esta ótica mercantilista, portanto o ENEM cumpre apenas este papel. É uma pena!"


Bullying, homofobia e preconceitos em geral


Frases: "O nó da questão é quando as 'diferenças' entre as pessoas são transformadas em "desigualdade', o outro deixa de ser 'diferente' e torna-se um 'desigual', um inimigo. Pronto! Encrenca! precisamos ouvir e aprender com as diferenças"; "Ser diferente é bom, nos enriquece como humanos; se nós não pegarmos e ir a fundo nesta questão... vamos viver em guetos"; "A solução: todas as escolas – do prezinho ao pós-doctor – deveriam se construir a partir da Carta da Terra "








Tião Rocha, o antídoto

Tião foi recentemente entrevistado num programa de televisão chamado "Antídoto", pegando a deixa, nós lhe perguntamos: Tião, você é antídoto para qual tipo de veneno? Confira a resposta no  áudio abaixo:


O folclore e a história dos meninos

Perguntado sobre a importância do folclore na história local, Tião Rocha respondeu e fez os desdobramentos que passam por sua histórica pessoal como motivo de sua inquietação com a falta de conhecimento da história das crianças, e da herança cultural de cada uma delas; falou sobre os motivos que o levaram a cursar história e, posteriormente, pós-graduar-se em antropologia. Tudo começou quando ele afirmou em sala da aula: "Eu sou sobrinho de uma rainha". (Escute o áudio abaixo).


Obrigado!

Terminada esta entrevista, agradecemos de coração ao nosso amigo e colega Tião Rocha que emprestou-nos alguns minutos de suas preciosas 30 horas diárias de trabalho. De nossa parte, saímos do CPCD certos de que valeu a pena tornar aquele dia 22 de junho de 2011, véspera de feriadão,  um pouco mais elástico.