Perfil
Nascimento:12 mai 1928
Casou-se com Maria do Socorro da Silveira Reijnen (7 set 1942 - 31 Mai 2003)
Professor Toon. Foto de 29 de agosto de 2013 |
Psicólogo.
Ex-professor do Colégio Dom Cabral – Campo
Belo
Ex-professor do Imaco – Belo Horizonte
- nas disciplinas de História e Psicologia
Ex-Vice-Diretor da FUNABEM – Fundação
Nacional do Bem Estar do Menor
Filhos: Alexandre Matheus da Silveira Reijnen e Renata da Silveira
Reijnen.
Apresentação
Fomos novamente a Santa
Tereza, em Belo Horizonte, um bairro que deixou sua marca na vida de muitos
Easistas. Dessa vez, nosso interesse voltava-se para aquele antigo mestre do
Colégio Dom Cabral dos anos 60, que chamávamos de Padre Antônio, mas cujo nome
de origem é Antonius Matheus Reijnen e apelido Toon. Ele, já naquele tempo, gostava
dos movimentos sociais, da juventude, de ensinar teatro e de viver no meio das
pessoas. Fomos, também, movidos por um interesse específico: conseguir dele uma
entrevista para o Blog. Já conhecemos um pouco de sua história: veio da Holanda
como padre crúzio, no final dos anos 1950; esteve inicialmente em Miracema, Rio de Janeiro;
depois foi para Campo Belo de onde, finalmente, veio para Belo Horizonte; e já
no final dos anos 1960, vamos encontrá-lo ajustando o curso de sua vida,
largando a batina e se casando com
Socorro.
Comemoração dos 85 anos na Holanda.
Na foto de cima: Alexandre, de cócoras.
Ao fundo, Toon e os amigos.
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Depois de muitos anos,
queríamos aproximar-nos, ver como ele estava e dar notícias disso aos colegas,
encontristas da EASO. Com isso na cabeça, havíamos marcado uma reunião na casa
onde moram atualmente os padres Guilherme, Tiago, Teófilo e João Maria.
Cumprindo com rigor o horário estabelecido, lá estava ele, às 15:30 hs de um
sábado frio. Viera de carro do Sion para
Santa Tereza, nada demais para um psicólogo de 85 anos, que ainda abre a
clínica para atender a alguns pacientes, pratica natação no Country Clube e
quer trabalhar até quando puder.
Já no início da conversa
— não sei se sempre foi tão direto — perguntou-nos: “o que vocês querem comigo,
exatamente?”. Uma pergunta à queima-roupa ensejou igual reação: “Simplesmente
revê-lo, mas de repente o senhor pode nos conceder uma entrevista para o Blog”,
respondemos. Foi assim, tão simples, que conseguimos esta entrevista.
No dia 29 de agosto de
2013, fomos novamente ao seu encontro. Recebeu-nos, então, no salão de festas
do prédio onde ele mora. Estava com a filha, Renata, e o neto, Toon, uma
criança tipicamente holandesa: cabelos loiros e olhos claros e espertos. Enquanto testávamos os equipamentos de
gravação, o neto brincava com a mãe ali por perto, pois o salão de recepções se
liga, no mesmo nível, aos jardins que rodeiam o prédio.
O neto em 2013, com dois anos. |
E a entrevista teve início.
Toon, o avô coruja, tem a vivacidade de um jovem, a sabedoria de quem vive
intensamente e, acima de tudo, é paciente e receptivo. Transmite aquela
confiança dos que vivenciam o que falam e falam o que pensam. Durante a
entrevista, Toon responde a todas as perguntas, mas não gosta de falar sobre todos
os assuntos; parece que a consciência é sua polícia, mas não a subordina ao
interesse particular e à precaução pessoal. Quando se nega a um juízo de valor
o faz pela própria certeza na limitação ou pela consciência de sua
responsabilidade.
À medida que a entrevista
vai se deslanchando, suas palavras, seus gestos e suas convicções vão
desenhando um homem em que a grandeza se alicerça, exatamente, em não querê-la:
não gosta do mito, da ostentação, das alegorias e da valorização do material.
Quando fala de Francisco, o Papa, deixa isso bem claro: “gosto dele porque não
é um homem do trono”.
As palavras de Toon,
nesta entrevista, mostram o ser humano que vive a plenitude da vida e que busca
a felicidade sem a ilusão de que seja completa. Quanto mais avançamos em compreender
suas ideias, mais elas se fecham em torno de uma linha de coerências: afinal, como
poderia ser completo aquilo que se realiza numa jornada que não termina
enquanto se está vivo? Perguntamo-nos.
Esta entrevista nos deixa
convencidos de que o mais profundo para as pessoas está sempre no mais simples.
Toon nos dá suas referências: a busca da felicidade está no trajeto; os outros
devem ser considerados como companheiros de viagem; devemos valorizar o que temos
e ter uma esperança.
O pensamento de Toon
certamente esquentará, um pouco mais, o nosso V Encontro. Um homem que vive por
inteiro, que tem a coragem de mudar a trajetória de sua vida e moldá-la ao
próprio querer, e que busca a felicidade junto aos outros, não é alguém que se
encontre todo dia. Toon não quer ser mito; mas certamente aceitará nosso respeito.
Pelo menos podemos dizer:
salve Toon!
Os holandeses talvez digam:
sparen Toon!
Perguntas
1. Editor: como o senhor
definiria a vida com base em sua experiência familiar, profissional e
religiosa?
Toon:
a vida é uma preciosidade. A vida é, no fundo, como a gente a quer. Não
pensando em coisa material, mas em relações humanas, a gente é feliz no que a
gente quer; a felicidade total não existe, existe o caminho e nele podemos ser
felizes. A felicidade está no caminho e não na chegada.
2. Editor: na sua visão,
o que é ter uma vida bem sucedida?
Toon:
é uma pergunta bem difícil porque a vida depende das aspirações de cada um,
pois se a pessoa conseguir, parcialmente, realizar o que sonhou, ela é feliz.
Digo parcialmente, pois tudo na vida é relativo, a própria vida é relativa; a
vida é um caminho; o tempo que a gente vive nesta terra, pensando bem, é
pequeno. Nós fazemos parte de uma história e a contribuição para a história
depende muito da gente. Eu sou feliz porque consegui realizar o que sonhei,
gostei muito das pessoas que encontrei. Eu tenho até hoje muitos amigos em vários
lugares deste país e da Holanda.
Padre Agostinho presidiu o
casamento celebrado por
Toon e Socorro, em 1971.
Foto de 2008 (I Encontro da
EASO)
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3.
Editor: numa conversa
anterior, quando conversamos lá em Santa Tereza, o senhor me disse, se entendi bem,
que o que realmente importa é o relacionamento com as pessoas, é o outro. Eu peguei
bem o seu pensamento? O senhor poderia desenvolver um pouco mais essa filosofia
de vida?
Toon:
o outro para mim é sempre aquele que segue o mesmo caminho que percorro e que,
no fundo, tem as mesmas aspirações, ou seja, que quer ser feliz. Onde a pessoa
coloca a felicidade, isso é muito relativo; para mim a felicidade é sempre estar
satisfeito com o que se tem e ver o outro como colega, participando da mesma
vida.
4. Editor: nós, os Easistas, estamos na faixa dos 56 aos 72 anos; como psicólogo, que conselho o senhor nos daria para que possamos enfrentar bem o processo de envelhecimento?
4. Editor: nós, os Easistas, estamos na faixa dos 56 aos 72 anos; como psicólogo, que conselho o senhor nos daria para que possamos enfrentar bem o processo de envelhecimento?
Toon: ficar satisfeito com o que (se) tem. Pensar com alegria sobre as coisas que já teve e tentar viver em direção a uma esperança. E essa esperança é um reencontro com a nossa origem. Pode-se chamar isso de Deus (vídeo abaixo).
5.
Editor: que fatos mais
importantes marcaram sua vida?
Toon: na
Holanda, primeiro foi a morte de meu pai, ele morreu de pneumonia, naquela
época a cura era difícil; depois, a entrada dos alemães na Holanda e, também, a
entrada dos ingleses e americanos, não tanto pela alegria, havia medo também. Puseram
oitocentos canhões na minha rua. Isso perto da capital da província. Na época
era uma pequena aldeia, com 500 a 800 habitantes, hoje deve ter mais de dois
milhões. Minha família toda morava lá, éramos agricultores. Eu catei batatas
quando menino.
No
Brasil, o primeiro fato marcante aconteceu quando eu estava trabalhando em
Campo Belo e me avisaram que minha mãe havia morrido. Eu fiz (celebrei) uma
missa na igreja de Santa Efigênia, de Campo Belo; fiquei emocionado pelo apoio,
principalmente, que a juventude de Campo Belo me deu.
Há
muitas coisas que aconteceram no Brasil, mas eu destaco o meu casamento, que aconteceu
também no meio de outros fatos, como, por exemplo, a difícil aceitação de meus
colegas em relação à minha decisão de largar a batina e me casar; dos
estudantes não, estes me apoiaram.
6.
Editor: como tem sido
sua vida atualmente?
Toon:
Boa, eu tenho ainda meia dúzia de pacientes, atendo um ou outro. A maioria da
minha idade já nem existe e, dos que estão vivos, a maioria não tem mais
atividade. Eu pretendo assegurar essa
minha atividade até quando puder; é bom, é importante, eu me sinto útil e
também me sinto obrigado a fazer alguma coisa. Pratico também a natação.
7.
Editor: o que o senhor
mudaria, em sua vida, se pudesse voltar o tempo e fazer diferente?
Toon:
faria tudo do mesmo jeito.
8. Editor: como o senhor vê a chegada do Papa Francisco?
Papa Francisco: "aceitou sua posição,
mas quis ser, realmente, alguém
para o povo".
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Toon: um homem pelo qual eu tenho admiração, gosto da simplicidade dele e ao mesmo tempo do seu idealismo. Afastou o mito (do cargo). Não é aquele tipo de papa distante das pessoas, não é aquele papa do trono. Aceitou a sua posição, mas quis ser, realmente, alguém para o povo. Eu sinto muita simpatia por este papa, é gente normal, pessoa normal!
9. Rafael: como o senhor
compararia o Brasil de hoje com aquele que existia quando de sua chegada ao
Brasil?
Toon:
quando cheguei aqui, o Brasil era um país lá na América do sul, a ideia era
assim, um país de índios, eu não tinha muito isso, mas a maioria pensava assim.
O brasileiro é fundamental. O brasileiro é muito simpático. Eu encontrei um país
a caminho da modernidade, o Brasil não era um paisinho assim... O Brasil é um
país muito importante. Um povo alegre, muito diferente daquela visão europeia.
Hoje o país melhorou muito, não sei se do ponto de vista humano também. Agora,
me chamaram sempre de comunista, eu não gosto muito dos bancos... e agora eu
apoio essa política de maior distribuição terras, eu gosto disso aí!
10. Rafael: o Senhor hoje
é um crítico da Igreja ou a vê como no caminho certo?
Toon:
a minha pergunta é: o que é a Igreja? A igreja não é aquela organização de Roma,
não. A igreja é a presença de Deus, a consciência da presença de Deus no nosso
meio, tentando fazer o bem que Deus sempre comunicou (apontou), o outro . Se a Igreja não está no caminho certo, pelo menos ela o
procura; se está ou não certa, eu não sou autorizado a falar disso e, também,
não gosto de falar disso. Só tem uma coisa que eu gostei: o papa é uma pessoa
normal, isso eu gostei.
11. Edgard: hoje, aos 85 anos, quais são suas melhores
lembranças da época em que ainda exercia o sacerdócio e fazia parte do austero
comando do Seminário de Campo Belo, junto àquela criançada?
Toon, à direita, prepara os jovens para o teatro. Foto dos anos
1960 quando ele era padre e morava em Campo Belo MG
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Toon: os
próprios jovens, a amizade deles, que me tratavam de igual para igual. Eu
tentei sempre acabar com o mito. O mito não é coisa boa, não. Um grande amigo
meu, desse tempo, chama-se Vicente Odair Spindola, que mora atualmente aqui em
Belo Horizonte.
12. Edgard: que filme
passa por sua cabeça ao lembrar-se daquela linda batina branca com uma
simpática capa preta e uma faixa, também preta, ostentando no peito a cruz
vermelha, fazendo sermões nas festas de Semana Santa e em outras oportunidades?
Toon: a
pergunta é muito comprida... eu não gostava muito daquela batina. Pra mim é
coisa da idade média. O tempo mudou demais... o mundo mudou. Não me lembro muito dos sermões.
Muitos falavam que eu era meio comunista. A culpa (rsrsrs) de eu ter ido para
Campo Belo foi do padre Justino Ele sabia que eu gostava dessas atividades com
os jovens e me convidou para ir para
Campo Belo. Antes disso, eu estava em Miracema.
13
Edgard: tenho uma
grande curiosidade: lembro-me claramente de seu emocionante discurso na Igreja
Matriz de Campo Belo, em 1962, durante a comemoração do Dia das Mães, quando
quase todos choraram. O senhor ainda se lembra disso?
Toon:
eu não me lembro desses discursos. Eu falava o que sentia e pensava, e nem sei
se os outros gostavam.
14. Edgard (Pergunta para a filha Renata):como você define seu pai?
Festa de aniversário das crianças. Foto dos anos 1980. Na frente, Alexandre e Renata. Atrás, Socorro e Toon |
Renata: ai meu Deus do céu! (Toon: “eu não posso nem escutar” (rsrsrs) É, pois é, meu pai não pode escutar. Eu o acho uma pessoa corajosa. Vir ao Brasil, largar a batina. Ele tem uma certa cultura; se adaptou ao Brasil, virou mais brasileiro que holandês. Um homem com sabedoria de vida, teimoso e sempre soube e sabe o que quer, mas tenta não desagradar a ninguém. É um bom pai, foi um bom marido. Uma pessoa extremamente independente que soube se virar na vida mesmo passando por situações muito difíceis.
15.
Marcos Rocha: qual a
sua opinião sobre o celibato exigido pela Igreja Católica de todos os padres e,
como desdobramento desta questão, o que o senhor pensa sobre o posicionamento
da Igreja em relação ao papel que poderiam ter os ex-padres (que optaram pelo
casamento, como é o seu caso) no atual momento do catolicismo? Pois é sabido
que as vocações sacerdotais têm diminuído em todo o mundo e, portanto, faltam
tantos padres em praticamente em todos os países do mundo...
Renata e o filho Toon, em Arnhem, Holanda, onde morou com o marido por 3 anos. |
Toon:
o mundo está em crise, nós estamos numa mudança de época, mudança de
mentalidade. Como vai ser, ninguém sabe porque precisaria ser um profeta, mas que o mundo está em mudança nós sabemos
que está. Não é só o Brasil, a Holanda e sei lá onde mais, agora é o mundo, um
pouquinho oriental e ocidental, ... vamos ver como vai ser isso. Um país
curioso é a Rússia, um lado ocidental, mas o outro lado muito oriental. Mas
aquele presidente da Rússia, cala a boca! (Risos)
Neste
contexto e voltando à pergunta: o
celibato eu acho uma coisa boa, mas o celibato obrigatório, ligado a uma
vocação, eu não acho certo, não. Agora, o celibato por opção livre da pessoa,
aí sim. Quanto aos ex-padres serem convidados para atuar na igreja, não sei se
seria uma boa coisa. Nem sei se seriam bem aceitos e também nem sei se eu mesmo
seria bem aceito. Não sei qual seria a reação. Nunca pensei nisso.
16.
Marcos Rocha: ainda como desdobramento
da pergunta anterior, o que o senhor pensa sobre os escândalos que têm surgido
em vários países (EUA, Irlanda, Portugal, também aqui no Brasil e até no
Vaticano!) sobre pedofilia e homossexualismo praticados por padres. O Sr. vê
alguma correlação entre esses desvios de conduta de padres e até bispos
católicos e a exigência ou obrigação do celibato?"
Toon: com relação ao celibato poderia ter alguma correlação. Como já disse, o celibato obrigatório não é
uma boa coisa.
17.
Santana: nos anos
sessenta, o senhor nos incentivou muito ao gosto pelo teatro e pelas
representações cênicas, gostaríamos de saber se, posteriormente em sua vida
profissional, o senhor organizou peças teatrais ou se envolveu em outras
atividades artísticas?"
Foto dos anos 1980. A partir da esquerda: Alexandre, Renata, Mônica, Socorro e Toon. |
Toon: não, eu tinha que trabalhar. Não tinha mais tempo
para teatro. Eu sempre apoiei o pessoal que mexia com artes, mas eu mesmo não
tinha tempo; tinha dois filhos pra criar... dava aulas de psicologia e
história. Fui professor do IMACO. O diretor do IMACO, Raul Murad, era muito meu
amigo. Por
aquele diretor eu tenho a maior admiração, muito correto.
18.
Seoldo: a gente cria
raízes novas, adapta-se e tudo... Mas as raízes velhas cobram um preço alto
pelo transplante. Como você se sentiu/sente como um imigrante holandês no
Brasil? Saudades da Holanda? (Em geral, imigrantes sofrem bastante).
Toon: não, eu me senti muito bem aqui desde o início. Eu aprendi
uma coisa que uma pessoa falou para mim, não sei mais quem, mas é o seguinte:
quando você vai ao outro lado, você tem que olhar. Então, quando vim para o
Brasil, eu olhei, não tinha uma ideia moralista do certo ou errado.
19.
Seoldo: nosso grupo de
conscientização lá do Bairro Santa Tereza -BH (do qual você foi o guia/líder e
Socorro uma ativa participante) parece que, de uma maneira ou de outra,
empurrou-me para ir trabalhar na Colônia Pindorama - AL, um projeto de reforma
agrária tipicamente de cunho socialista - participação no trabalho e no ganho.
O que aconteceu com aquele grupo depois de 1968?
Toon: o grupo se dispersou pouco tempo depois de 1968. Ali
pelos anos 70, se não me falha a memória, eu larguei a batina. Casei-me em
1971, e o grupo deixou de existir.
20.
Seoldo: creio que sua
decisao de deixar o sacerdócio foi dura, penosa... porém, corajosa. Admiro
muito sua arrancada e a opção de formar uma família com Socorro. Aonde vocês
foram passar a lua de mel?
Toon: no Rio de Janeiro.
Outras fotos do entrevistado
O neto, o xodó. |