Perguntas
1. Editor: como o senhor
definiria a vida com base em sua experiência familiar, profissional e
religiosa?
Toon:
a vida é uma preciosidade. A vida é, no fundo, como a gente a quer. Não
pensando em coisa material, mas em relações humanas, a gente é feliz no que a
gente quer; a felicidade total não existe, existe o caminho e nele podemos ser
felizes. A felicidade está no caminho e não na chegada.
2. Editor: na sua visão,
o que é ter uma vida bem sucedida?
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O casamento: um dos mo-
mentos marcantes da vida
do entrevistado.
Toon e Socorro (Foto de
1971)
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Toon:
é uma pergunta bem difícil porque a vida depende das aspirações de cada um,
pois se a pessoa conseguir, parcialmente, realizar o que sonhou, ela é feliz.
Digo parcialmente, pois tudo na vida é relativo, a própria vida é relativa; a
vida é um caminho; o tempo que a gente vive nesta terra, pensando bem, é
pequeno. Nós fazemos parte de uma história e a contribuição para a história
depende muito da gente. Eu sou feliz porque consegui realizar o que sonhei,
gostei muito das pessoas que encontrei. Eu tenho até hoje muitos amigos em vários
lugares deste país e da Holanda.
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Padre Agostinho presidiu o
casamento celebrado por
Toon e Socorro, em 1971.
Foto de 2008 (I Encontro da
EASO)
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3.
Editor: numa conversa
anterior, quando conversamos lá em Santa Tereza, o senhor me disse, se entendi bem,
que o que realmente importa é o relacionamento com as pessoas, é o outro. Eu peguei
bem o seu pensamento? O senhor poderia desenvolver um pouco mais essa filosofia
de vida?
Toon:
o outro para mim é sempre aquele que segue o mesmo caminho que percorro e que,
no fundo, tem as mesmas aspirações, ou seja, que quer ser feliz. Onde a pessoa
coloca a felicidade, isso é muito relativo; para mim a felicidade é sempre estar
satisfeito com o que se tem e ver o outro como colega, participando da mesma
vida.
4. Editor: nós, os Easistas, estamos na faixa dos 56 aos 72 anos; como psicólogo, que conselho o senhor nos daria para que possamos enfrentar bem o processo de envelhecimento?
Toon: ficar satisfeito com o que (se) tem. Pensar com alegria sobre as coisas que já teve e tentar viver em direção a uma esperança. E essa esperança é um reencontro com a nossa origem. Pode-se chamar isso de Deus (vídeo abaixo).
5.
Editor: que fatos mais
importantes marcaram sua vida?
Toon: na
Holanda, primeiro foi a morte de meu pai, ele morreu de pneumonia, naquela
época a cura era difícil; depois, a entrada dos alemães na Holanda e, também, a
entrada dos ingleses e americanos, não tanto pela alegria, havia medo também. Puseram
oitocentos canhões na minha rua. Isso perto da capital da província. Na época
era uma pequena aldeia, com 500 a 800 habitantes, hoje deve ter mais de dois
milhões. Minha família toda morava lá, éramos agricultores. Eu catei batatas
quando menino.
No
Brasil, o primeiro fato marcante aconteceu quando eu estava trabalhando em
Campo Belo e me avisaram que minha mãe havia morrido. Eu fiz (celebrei) uma
missa na igreja de Santa Efigênia, de Campo Belo; fiquei emocionado pelo apoio,
principalmente, que a juventude de Campo Belo me deu.
Há
muitas coisas que aconteceram no Brasil, mas eu destaco o meu casamento, que aconteceu
também no meio de outros fatos, como, por exemplo, a difícil aceitação de meus
colegas em relação à minha decisão de largar a batina e me casar; dos
estudantes não, estes me apoiaram.
6.
Editor: como tem sido
sua vida atualmente?
Toon:
Boa, eu tenho ainda meia dúzia de pacientes, atendo um ou outro. A maioria da
minha idade já nem existe e, dos que estão vivos, a maioria não tem mais
atividade. Eu pretendo assegurar essa
minha atividade até quando puder; é bom, é importante, eu me sinto útil e
também me sinto obrigado a fazer alguma coisa. Pratico também a natação.
7.
Editor: o que o senhor
mudaria, em sua vida, se pudesse voltar o tempo e fazer diferente?
Toon:
faria tudo do mesmo jeito.
8. Editor: como o senhor vê a chegada do Papa Francisco?
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Papa Francisco: "aceitou sua posição,
mas quis ser, realmente, alguém
para o povo".
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Toon: um homem pelo qual eu tenho admiração, gosto da simplicidade dele e ao mesmo tempo do seu idealismo. Afastou o mito (do cargo). Não é aquele tipo de papa distante das pessoas, não é aquele papa do trono. Aceitou a sua posição, mas quis ser, realmente, alguém para o povo. Eu sinto muita simpatia por este papa, é gente normal, pessoa normal!
9. Rafael: como o senhor
compararia o Brasil de hoje com aquele que existia quando de sua chegada ao
Brasil?
Toon:
quando cheguei aqui, o Brasil era um país lá na América do sul, a ideia era
assim, um país de índios, eu não tinha muito isso, mas a maioria pensava assim.
O brasileiro é fundamental. O brasileiro é muito simpático. Eu encontrei um país
a caminho da modernidade, o Brasil não era um paisinho assim... O Brasil é um
país muito importante. Um povo alegre, muito diferente daquela visão europeia.
Hoje o país melhorou muito, não sei se do ponto de vista humano também. Agora,
me chamaram sempre de comunista, eu não gosto muito dos bancos... e agora eu
apoio essa política de maior distribuição terras, eu gosto disso aí!
10. Rafael: o Senhor hoje
é um crítico da Igreja ou a vê como no caminho certo?
Toon:
a minha pergunta é: o que é a Igreja? A igreja não é aquela organização de Roma,
não. A igreja é a presença de Deus, a consciência da presença de Deus no nosso
meio, tentando fazer o bem que Deus sempre comunicou (apontou), o outro. Se a Igreja não está no caminho certo, pelo menos ela o
procura; se está ou não certa, eu não sou autorizado a falar disso e, também,
não gosto de falar disso. Só tem uma coisa que eu gostei: o papa é uma pessoa
normal, isso eu gostei.
11. Edgard: hoje, aos 85 anos, quais são suas melhores
lembranças da época em que ainda exercia o sacerdócio e fazia parte do austero
comando do Seminário de Campo Belo, junto àquela criançada?
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Toon, à direita, prepara os jovens para o teatro. Foto dos anos
1960 quando ele era padre e morava em Campo Belo MG
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Toon: os
próprios jovens, a amizade deles, que me tratavam de igual para igual. Eu
tentei sempre acabar com o mito. O mito não é coisa boa, não. Um grande amigo
meu, desse tempo, chama-se Vicente Odair Spindola, que mora atualmente aqui em
Belo Horizonte.
12. Edgard: que filme
passa por sua cabeça ao lembrar-se daquela linda batina branca com uma
simpática capa preta e uma faixa, também preta, ostentando no peito a cruz
vermelha, fazendo sermões nas festas de Semana Santa e em outras oportunidades?
Toon: a
pergunta é muito comprida... eu não gostava muito daquela batina. Pra mim é
coisa da idade média. O tempo mudou demais... o mundo mudou. Não me lembro muito dos sermões.
Muitos falavam que eu era meio comunista. A culpa (rsrsrs) de eu ter ido para
Campo Belo foi do padre Justino Ele sabia que eu gostava dessas atividades com
os jovens e me convidou para ir para
Campo Belo. Antes disso, eu estava em Miracema.
13
Edgard: tenho uma
grande curiosidade: lembro-me claramente de seu emocionante discurso na Igreja
Matriz de Campo Belo, em 1962, durante a comemoração do Dia das Mães, quando
quase todos choraram. O senhor ainda se lembra disso?
Toon:
eu não me lembro desses discursos. Eu falava o que sentia e pensava, e nem sei
se os outros gostavam.
14. Edgard (Pergunta para a filha Renata):como você define seu pai?
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Festa de aniversário das crianças. Foto dos anos 1980.
Na frente, Alexandre e Renata. Atrás, Socorro e Toon |
Renata: ai meu Deus do céu! (Toon: “eu não posso nem escutar” (rsrsrs) É, pois é, meu pai não pode escutar. Eu o acho uma pessoa corajosa. Vir ao Brasil, largar a batina. Ele tem uma certa cultura; se adaptou ao Brasil, virou mais brasileiro que holandês. Um homem com sabedoria de vida, teimoso e sempre soube e sabe o que quer, mas tenta não desagradar a ninguém. É um bom pai, foi um bom marido. Uma pessoa extremamente independente que soube se virar na vida mesmo passando por situações muito difíceis.
15.
Marcos Rocha: qual a
sua opinião sobre o celibato exigido pela Igreja Católica de todos os padres e,
como desdobramento desta questão, o que o senhor pensa sobre o posicionamento
da Igreja em relação ao papel que poderiam ter os ex-padres (que optaram pelo
casamento, como é o seu caso) no atual momento do catolicismo? Pois é sabido
que as vocações sacerdotais têm diminuído em todo o mundo e, portanto, faltam
tantos padres em praticamente em todos os países do mundo...
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Renata e o filho Toon, em Arnhem,
Holanda, onde morou com o marido
por 3 anos. |
Toon:
o mundo está em crise, nós estamos numa mudança de época, mudança de
mentalidade. Como vai ser, ninguém sabe porque precisaria ser um profeta, mas que o mundo está em mudança nós sabemos
que está. Não é só o Brasil, a Holanda e sei lá onde mais, agora é o mundo, um
pouquinho oriental e ocidental, ... vamos ver como vai ser isso. Um país
curioso é a Rússia, um lado ocidental, mas o outro lado muito oriental. Mas
aquele presidente da Rússia, cala a boca! (Risos)
Neste
contexto e voltando à pergunta: o
celibato eu acho uma coisa boa, mas o celibato obrigatório, ligado a uma
vocação, eu não acho certo, não. Agora, o celibato por opção livre da pessoa,
aí sim. Quanto aos ex-padres serem convidados para atuar na igreja, não sei se
seria uma boa coisa. Nem sei se seriam bem aceitos e também nem sei se eu mesmo
seria bem aceito. Não sei qual seria a reação. Nunca pensei nisso.
16.
Marcos Rocha: ainda como desdobramento
da pergunta anterior, o que o senhor pensa sobre os escândalos que têm surgido
em vários países (EUA, Irlanda, Portugal, também aqui no Brasil e até no
Vaticano!) sobre pedofilia e homossexualismo praticados por padres. O Sr. vê
alguma correlação entre esses desvios de conduta de padres e até bispos
católicos e a exigência ou obrigação do celibato?"
Toon: com relação ao celibato poderia ter alguma correlação. Como já disse, o celibato obrigatório não é
uma boa coisa.
17.
Santana: nos anos
sessenta, o senhor nos incentivou muito ao gosto pelo teatro e pelas
representações cênicas, gostaríamos de saber se, posteriormente em sua vida
profissional, o senhor organizou peças teatrais ou se envolveu em outras
atividades artísticas?"
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Foto dos anos 1980. A partir da esquerda:
Alexandre, Renata, Mônica, Socorro e Toon. |
Toon: não, eu tinha que trabalhar. Não tinha mais tempo
para teatro. Eu sempre apoiei o pessoal que mexia com artes, mas eu mesmo não
tinha tempo; tinha dois filhos pra criar... dava aulas de psicologia e
história. Fui professor do IMACO. O diretor do IMACO, Raul Murad, era muito meu
amigo. Por
aquele diretor eu tenho a maior admiração, muito correto.
18.
Seoldo: a gente cria
raízes novas, adapta-se e tudo... Mas as raízes velhas cobram um preço alto
pelo transplante. Como você se sentiu/sente como um imigrante holandês no
Brasil? Saudades da Holanda? (Em geral, imigrantes sofrem bastante).
Toon: não, eu me senti muito bem aqui desde o início. Eu aprendi
uma coisa que uma pessoa falou para mim, não sei mais quem, mas é o seguinte:
quando você vai ao outro lado, você tem que olhar. Então, quando vim para o
Brasil, eu olhei, não tinha uma ideia moralista do certo ou errado.
19.
Seoldo: nosso grupo de
conscientização lá do Bairro Santa Tereza -BH (do qual você foi o guia/líder e
Socorro uma ativa participante) parece que, de uma maneira ou de outra,
empurrou-me para ir trabalhar na Colônia Pindorama - AL, um projeto de reforma
agrária tipicamente de cunho socialista - participação no trabalho e no ganho.
O que aconteceu com aquele grupo depois de 1968?
Toon: o grupo se dispersou pouco tempo depois de 1968. Ali
pelos anos 70, se não me falha a memória, eu larguei a batina. Casei-me em
1971, e o grupo deixou de existir.
20.
Seoldo: creio que sua
decisao de deixar o sacerdócio foi dura, penosa... porém, corajosa. Admiro
muito sua arrancada e a opção de formar uma família com Socorro. Aonde vocês
foram passar a lua de mel?
Toon: no Rio de Janeiro.
Outras fotos do entrevistado
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O neto, o xodó. |
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Renata e o marido, Hans. |