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domingo, 29 de setembro de 2013

Reflexos do V Encontro

                                                                                                                                               Por Siovani

Sempre da esquerda para a direita: no chão: Benone, Marcos Rocha, Lulu, Nicodemos, Clayton, Antônio de Ázara, o menino Otávio (na cadeira). Assentados no palco: padre José Cláudio, Edgard, Chicão, Olímpio, Santana com Laura no colo , José Geraldo, Alberto Medina,Tupy, Roosevelt, Eustáquio, Rafael, Siovani e Lua. Em cima do palco: Geísa, Cátia, Dita, Liana, Nazaré, Cecília, Marta, Catarina, Marina, Ica, Marina, Maria José e Rosimere. Foto de 21 de setembro de 2013. Local: espaço onde foram os dormitórios  dos ex-seminaristas que ali permaneceram depois de 1963.

Sexta-feira, 20 de setembro de 2013.


A estrada faz uma curva caprichosa e segue à direita para cumprir seu destino de leva e traz, mas nós a abandonamos para seguir em frente, relaxados pela sensação de alívio que nos vem quando chegamos ao nosso destino. E, novamente, este destino é Campo Belo: uma rotatória nos acolhe para nos arrancar da estrada e jogar-nos, como em passe mágico, dentro da cidade, sem aquela tão normal periferia feia e depauperada que recebe os viajantes em nossas cidades.


Naquela rotatória nasce a rua principal num ondular de subida que ainda esconde o centro da cidade. Do alto daquela ondulação a cidade irrompe em nossos olhos e afunda-nos no passado, onde a memória vai repousar.



O olhar, apagado já pelo cansaço, descortina por aquela
rua o colégio ainda lá longe. Foto de 20 de setembro de
2013 a partir do alto da Avenida Afonso Pena, Campo Belo,
Minas Gerais, Brasil

Quem ali chega agora é um menino alquebrado pelo peso da mochila, carregada de laranjas, que o empurrou por algumas léguas. O olhar, apagado já pelo cansaço, descortina por aquela rua o colégio ainda lá tão longe. O olhar corre pela rua que novamente sobe em busca do outeiro que culmina na praça central, e aquele olhar busca alento para percorrer aquela pesada subida em passos não mais tão firmes quanto na debandada da manhã alegre em que partira ávido pelo dia de fartura à frente. 


Isso tudo se passa num átimo, porque agora o carro incansável nos entrega, bem ali no meio da descida, ao Hotel Champagne. Chegamos sob o crepúsculo das seis horas, hora em que um certo ar de mistério envolve a cidade. E lá no hotel já nos recebem alguns dos colegas que também suaram por aquela rua sob a carga das laranjas e das esperanças.




Espaço Antares, um local tranquilo e agradável  onde o Santana e seus familiares haviam preparado uma bela recepção. Foto de 20 de setembro de 2013. Aparecem da esq. para a dir.: Cecília e José Geraldo; Olímpio; Antônio de Ázara e Ica; Tupy e Marina; e Liana.
Geísa recebe das mãos do Eustáquio,
o coordenador deste encontro,      um
 prêmio em louvor à competência e à
simpatia em exercê-la.  Foto de 21 de
de setembro de 2013.
Um pequeno relaxamento após a tensão da estrada em um refrescante banho e seguimos para o Espaço Antares, um local tranquilo e agradável onde o Santana e seus familiares haviam preparado uma bela recepção. Mas antes, o anjo da guarda do Eustáquio, e nosso, nossa simpática amiga Geísa, sempre presente a ajudar a organização dos encontros, recebia-nos com um crachá para cada um a troco de uma pequena colaboração para custear as despesas do V Encontro.


A lua cheia também veio nos brindar com sua presença misteriosa no horizonte e o nosso amigo Walter, o Lua Cheia, encheu-se ainda mais num sorriso de satisfação para agradecer ao Eustáquio, nosso presidente, a bela homenagem que este lhe prestava com convidada tão ilustre.



A noite que ainda nos trouxe a bem-vinda presença dos cole-
gas Clayton (2); José Geraldo (4) e Roosevelt (6). Os núme-
ros indicam a posição dos citados, a partir da esquerda.
(clique nas fotos para ampliá-las lado a lado. Fotos acopladas. 
A lua ia subindo no céu sobre a cidade e os nossos colegas, pouco a pouco, apareciam trazendo seus sorrisos e abraços na costumeira alegria que sustenta os nossos encontros e nos faz esperar com ansiedade o ano escorrer até o próximo. Enquanto nos reencontrávamos, a irmã do Santana distribuía pelas mesas deliciosos acepipes que nos fartaram pela noite adentro. Noite que ainda nos trouxe a bem-vinda presença de colegas que pela primeira vez participaram de nosso encontro, o Roosevelt, um dos primeiros seminaristas, e, dali mesmo de Campo Belo: o José Geraldo e o Clayton. Este, um colega que entrou comigo em 1964, e que me trouxe uma alegria particular em revê-lo. Ausências sentidas dos colegas de Juiz de Fora que chegariam apenas na manhã do sábado.


E também pudemos contar alegremente com a agradável presença do Padre Guilherme, representante dos antigos padres crúzios, que aceitou nosso convite para deixar Belo Horizonte e participar do nosso encontro.


Identificados e cumprimentados os encontristas, o Lulu foi solicitado a fazer uma explanação sobre o nosso blog e a mostrar como encontrá-lo na vastidão da internet. Desnecessário comentar aqui sobre esses temas, pois estáis aqui.


Maria José exibe um dos belíssimos
 livros que ganhou pelo segundo lugar
do concurso de fotos.
Flaviane, que representou a sua mãe, Fá-
tima, exibe o prêmio do primeiro lugar
do concurso de fotos: rosas desidratadas
emolduradas em pátina trabalhada.
As fotos vencedoras do Concurso de Fotos do IV Encontro estavam em exposição no recinto, e o Marcos Rocha, que praticamente sozinho promoveu, coordenou, revelou as fotos e patrocinou, fez a entrega aos vencedores da premiação. Ouvimos com prazer muitos ohhhs! de júbilo pelos belos prêmios recebidos; estes acenderam a cobiça de todos pelos futuros, o que certamente causará uma avalanche de fotos nos próximos concursos. O Tupy foi bastante alfinetado pela ausência na foto que certamente ganharia o prêmio máximo se ele estivesse presente. Ele se escusou, pedindo que culpassem a natureza, que nos faz exigências inadiáveis.
Santana, representando seu filho Jr,
recebe alguns livros pelo terceiro lugar
do concurso de fotos.
Na foto, Laura (4 anos) ao lado de 
Otávio (7 anos) em linda apresenta-
ção.
Para não nos deixarem dizer que nossos encontros são encontros de senhores de cabelos brancos e de suas respectivas senhoras, duas graças irromperam em nosso meio, o Otávio, 7 anos, já nosso velho conhecido, filho do Lua, e a Laura, 4 anos, netinha do Santana; esta também acompanhada de sua bela e simpática mãe, Flaviana. Liberado um microfone para declamações, as duas crianças roubaram a cena com desenvoltas e animadas canções que exigiam aplausos e pedidos de bis.



Catarina cantou e declamou.
Ouvimos, ainda, poemas e canções antigas entoadas pela Catarina, pela Dita e pelo Lua, que, enciumado talvez com o sucesso das crianças, declamou atrapalhadamente dois poemas, pois a Germana já estava cobrando seus vapores, e só para lembrar-lhe como é o poema que era o campeão de apresentações em nossas aulas de declamação (todos o aprendíamos de tanto ouvi-lo), eis o original:


      


Dita cantou e encantou








Lua e Germana declamam duas poesias







Visita à Casa Paterna

                              Luiz Guimarães

Como a ave que volta ao ninho antigo

Depois de um longo e tenebroso inverno,

Eu quis também rever o lar paterno,

O meu primeiro e virginal abrigo.


Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,

O fantasma talvez do amor materno,

Tomou-me as mãos, olhou-me grave e terno,

E, passo a passo, caminhou comigo.


Era esta a sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)

Em que da luz noturna à claridade

Minhas irmãs e minha mãe... O pranto


jorrou-me em ondas... Resistir quem há-de?

Uma ilusão gemia em cada canto,

Chorava em cada canto uma saudade.  



O Seoldo, mesmo permanecendo em sua longínqua morada, não podia faltar ao nosso encontro, por isso tratou de contratar uma transposição bilocal com destino a Santana do Jacaré, mas com escala em Campo Belo. E, assim, com o corpo acomodado, sem fazer nada, em uma piscada de olho estava incorporado na voz potente do Marcos Rocha e falou (a caixa alta, pelo que pude apreender, foi para simular a voz potente):



AMIGOS COLEGAS EASISTAS,


Marcos Rocha vestiu o pensamen-
to do Seoldo com sua potente voz
de veludo. 
QUE TENHAM UM BOM ENCONTRO E SE COMPORTEM DIREITINHO, SOBRETUDO EM SANTANA DO JACARÉ! ESTAREMOS (JUDITE E EU) AÍ  EM PENSAMENTO COM VOCÊS. ABRAÇOS E LEMBRANÇAS A TODOS!


SANTA ODÍLIA (SO), O VELHO SEMINÁRIO

MISTURADO COM COLÉGIO DOM CABRAL

SOLTOU NO MUNDO UM GRUPO VISIONÁRIO

BUSCANDO SEMPRE O CAMINHO PRINCIPAL


NO SANTA ODÍLIA SÓ SE PENSAVA NO FUTURO

NO SANTA ODÍLIA SE REZAVA PRA CHUCHU

NO SANTA ODÍLIA, TUDO VERDE, TUDO PURO

ARROZ, FEIJÃO, ANGU; ÀS VEZES, TUTU


NO SANTA ODÍLIA ERA TUDO ORGANIZADO

NO SANTA ODÍLIA SE ESTUDAVA COM PRAZER

NO SANTA ODÍLIA NADA ERA DECORADO

NO SANTA ODÍLIA SE COMIA PRA VALER


NO SANTA ODÍLIA SE TRADUZIA O LATIM

NO SANTA ODÍLIA SE CANTAVA NA CAPELA

NO SANTA ODÍLIA ERA SÓ CAMA DE CAPIM

NO SANTA ODÍLIA NÃO SE FICAVA NA JANELA


NO SANTA ODÍLIA HAVIA HORA PARA TUDO

NO SANTA ODÍLIA O MELHOR ERA O RECREIO

NO SANTA ODÍLIA ROUPA LIMPA, NÃO BARBUDO

NO SANTA ODÍLIA ERA SÓ DEZ OU NOVE E MEIO


NO SANTA ODÍLIA SE ABAIXAVA A CABECA

NO SANTA ODÍLIA A CABEÇA NÃO CAÍA

NO SANTA ODÍLIA ERA SÓ DEUS OBEDEÇA

NO SANTA ODÍLIA TODOS FILHOS DE MARIA


NO SANTA ODÍLIA ERA POUCA A PORCARIA

NO SANTA ODÍLIA NINGUÉM ERA DESBOCADO

NO SANTA ODÍLIA NAO HAVIA CORRERIA

NO SANTA ODÍLIA O RUIM ERA O PECADO
Seoldo e Judite, os mais presentes dos
ausentes. Foto de setembro de 2012 


NO SANTA ODÍLIA CADA UM COM APELIDO

CANHÃO, MAMONA, PICOLÉ, CUTIA

PIGMEU, QUADRADO, PACU, ESPRIMIDO

NO FIM, TODOS FILHOS DE MARIA!


O SANTA ODÍLIA ERA COMO FORMIGUEIRO

NO SANTA ODÍLIA TUDO ERA MARCADINHO

NO SANTA ODÍLIA SEMPRE HAVIA BISCOITEIRO

O SANTA ODÍLIA', NO FINAL, FOI NOSSO NINHO.


(Easista Seoldo, Setembro de 2013, V ENCONTRO)



E a noite ia correndo em conversas animadas, e a Germana corria nas gargantas secas de tanta fala, e, então, o inevitável! O matreiro Baco fez questão de mostrar sua personalidade na voz mais rascante de alguns que insistiam em afrontar os seus poderes, e então... Então nada, tudo correu maravilhosamente até que fomos em busca de uma cama para deitar nosso cansaço. E depois me disseram que os últimos só partiram cerca de uma hora da madrugada. E boa noite a todos, até amanhã.



Sábado, 21 de setembro.


As poucas horas de sono não foram, como de costume, impedimento para o despertar com as primeiras luzes do dia, que nos trouxeram o chilreio inconsequente dos pássaros e o matraquear insolente das maritacas em bando. À espera da hora para as atividades do dia, restei-me na cama a ver o belíssimo filme de Jean Cocteau, Orpheu, onde o poeta dedilha imagens inusitadas sobre o outro mundo, que pode ser penetrado através dos espelhos, portas que são para aquele mundo; esquisita e bela metáfora para o nosso caminho indelével pelo tempo que podemos contemplar nos espelhos. Porém, sem me ater ao lado sinistro, estava eu do outro lado do espelho, percorrendo um caminho inverso rumo aos meus dez anos, quando cheguei em Campo Belo, com ainda todo o mundo criado na minha infância a me suster. E por aquele espelho podia eu contemplar aquele mundo a ruir e sobre as ruínas ver nascer um outro mundo, carregado de dúvidas e insubmissões.


O padre Wilson celebrou a missa ajudado pelos padres José
Cláudio e Elione.
Mas às dez horas tínhamos novo compromisso. Descemos para o café onde já nos reencontramos com diversos easistas (esta palavra foi criada pelo Seoldo ou Marcos Rocha para referir-se a nós, ex-seminaristas da Escola Apostólica Santa Odília, EASO, e também passo a adotá-la). Dirigimo-nos, em seguida, para a Igreja da Santa Cruz, onde os novos padres crúzios fariam uma missa para o grupo. Para isso vesti-me com o meu mundo dos dez anos, mas naquele mundo havia uma transição, os padres ainda não estavam nos altares completamente de frente para nós, o latim ainda não havia sido esquecido e um sentimento sisudo e silencioso do sagrado era acolhido nas igrejas. Sem nenhum saudosismo, apenas constatando a mudança, a criança percebeu que os novos padres não preservam aquela aura sagrada em que ela fora criada e ensinada a respeitar. Muda o mundo, mudam os indivíduos; as catedrais não precisam mais contar histórias nos seus vitrais e nas suas paredes, substituídas pelo ferro bruto das ondas da nova mídia. O padre de hoje veste-se como nós, nada o diferencia, seu poder mítico está soterrado junto com o latim.

 

Durante a missa chegaram os easistas de Juiz de Fora, e como o Padre Wilson, que celebrava ajudado pelos padres José Cláudio e Elione, conclamara-nos a trocar votos de paz, de repente a igreja se viu envolta em confusão de abraços e votos que também serviram como efusiva recepção aos que chegaram. A alegria foi enorme, envolvida pela música que o coral, que acompanhou a missa, entoava.


Tupy  entrevista o Padre Guilherme.
Comungados os que tinham fome, insaciados os que não puderam, a missa terminou e o Tupy requisitou a presença, ali mesmo na capela, do Padre Guilherme para uma entrevista. As perguntas já haviam sido anteriormente enviadas aos padres de Belo Horizonte e suas respostas foram lidas, e depois acrescidas com comentários do padre ali presente. Ficamos sabendo ou fomos relembrados da história dos crúzios no Brasil: porque vieram, as dificuldades encontradas e a superação de tudo. Mas essa entrevista será publicada posteriormente aqui neste blog.


Finda a entrevista fomos convidados a visitar as obras do convento, ali ao lado da igreja, onde nos aguardava uma caipirinha e um sol de meio-dia que preocupou os destelhados, assim como eu, que não têm a proteção natural dos cabelos, pois era a primeira exposição ao sol primaveril nesta temporada. As obras estão apenas nas fundações, mas o entusiasmo do Padre Wilson nos mostrava os dormitórios, a cozinha e todas as dependências futuras do convento. E o Nonato, que tem na barriga um relógio a vácuo, que dispara um alarme estrondoso quando sua hora chega, já circulava nervoso pedindo o cumprimento da agenda sagrada do almoço em atraso.


Os novos padres crúzios também nos ofereceram um almoço
Os novos padres crúzios também nos ofereceram um almoço servido onde antes foram nossos antigos dormitórios, espaço agora transformado em um salão de eventos do colégio. Após o almoço o Padre Wilson nos exortou novamente, pois lá em Nova União já tinha lançado a ideia, a participar no esforço da obra na campanha “Um milhão de amigos" de colaboradores, apelo que não precisaria ser feito para lembrar-nos que somos gratos àqueles antigos padres crúzios que nos sustentaram por alguns anos e nos propiciaram os estudos gratuitos. As camisetas da campanha foram rapidamente adquiridas pelos presentes.


Tarde livre, a programação do encontro nos chamava para um jantar em uma churrascaria nova, recentemente inaugurada. As nossas mesas unidas ocuparam toda a extensão do local e as conversas animadas distraíam os aborrecimentos causados pelo churrasco servido; digna de nota, apenas a muçarela, da qual ouvi elogios. Mas nada é suficiente para causar-nos dissabores quando estamos reunidos; com bom churrasco ou não, nossa festa está garantida. E a noite também foi se alongando e retornamos para o hotel quase à meia-noite.



Domingo, 22 de setembro.


O dia amanhecia com a promessa de um belo passeio a Santana do Jacaré, cidade onde as turmas mais novas faziam piqueniques e onde os mais antigos passavam parte de suas largas férias. Porém, como o Seoldo já nos antecedeu com uma crônica deliciosa sobre a cidade, remeto-vos, aos que ainda não a conhecem, a ela, com a promessa de boas gargalhadas (crônica publicada neste blog em 2 de agosto de 2013: Férias em Santana do Jacaré); e por aqui vou limitar-me ao nosso passeio.


Antônio José Ferreira, o Santana, quando anunciava: "Agora
vamos passar por..." (já havia passado -- rs rs rs)
Saímos do hotel num ônibus que, se humilhava a jardineira lá de Nova União por seu porte, não contagiava a todos com a mesma galhardice. Santana, não a cidade, mas o Antônio José que lhe herdou o nome, foi intimado a se fazer de cicerone. Ele bem que tentou, mas quando ele anunciava: "agora vamos passar por...", invariavelmente estava atrasado: "Ah, já passou!". Até que uma deu certo, quando ele anunciou que íamos passar por uma fazenda de confinamento de gado que existia no lado esquerdo da estrada. Foi apressado e com satisfação que o Otávio gritou: "O lado esquerdo é meu". Foi seu pai quem nos contou que, para distraí-lo nas viagens, eles faziam apostas sobre quem avistava mais bois, cada um com um lado da estrada.


E chegamos às margens do Rio Jacaré, que tantas recordações deixaram nos easistas. O Otávio, para consolar o pai, disse-lhe que contou oito bois no lado direito da estrada, portanto, o placar deve ter ficado cerca de 299 a 8. Abriu-se uma porta, a do ônibus também, para uma sessão de fotos com o rio indiferente posando preguiçosamente ao fundo, mal sabendo que era o personagem principal de toda a história. Ainda tivemos tempo de perceber que além do saber cachaceral, o Lua entende também, quem diria, de água, pois nos deu uma aula sobre a maneira de tirar a areia do rio para desassoreá-lo. E assim os nossos encontros também nos enchem a cada dia de mais saber e cultura.


Mãe de Toinzé, Margarida Barbosa Diniz: a graça, a simpatia
e a dignidade estampadas em seus cabelos brancos imaculados. 
Santana do Jacaré é uma pequena cidade do tipo que o nosso cicerone nos mostrava: "Vejam ali... Ah! Já passou!", mas, além do rio, conta com uma família acolhedora que nos recebeu com prazer extremo, apesar do cansaço que lhe levamos. A primeira acolhida foi da própria mãe do Toinzé: a graça, a simpatia e a dignidade estampadas nos seus cabelos brancos imaculados. E, aos poucos, toda a família foi surgindo, a Laura e sua mãe, outro filho, a esposa Fátima, que por motivo de saúde não comparecera em Campo Belo, irmãos, sobrinhos e papagaio.


O Ibama levou os jacarés,
ficaram as miniaturas e o
nome da cidade. 
A história registra que Santana do Jacaré teve dois jacarés, que o povo da cidade tratava com as tripas de galinhas, pois das carnes os jacareenses é que se fartavam, mas, mesmo assim, conta-se que um jacaré comeu a pata do outro, que ficou manco. Os dois cascudos viviam satisfeitos secando a pele ao sol na beira do rio até que, num belo dia daqueles em que as autoridades levantam com a vontade férrea de fazer o bem prevalecer, o Ibama levou os judiados bichinhos para seu abrigo aconchegante, onde, sem nenhum exagero, os pobres morreram três dias depois, e, assim, Santana só não perdeu o jacaré do seu nome, mas eles deixaram muitas lembranças espalhadas pelas paredes da cidade, jacarezinhos em miniaturas, com hábitos noturnos.


Mas, como acabam as boas histórias, 
a mocinha (Ica) e o mocinho (Ázara)
mostraram a que vieram.

Ninguém reclamou da demora da banda, o papo ali na praça seguia animado, mas a aflição do Toinzé foi grande. Se a banda vem... A banda não vem... A banda vem, vamos ver a banda; se não vem, é porque foi ligeirinha: "Olha a banda! Ih, passou!". E porque todos estávamos mesmo à toa na praça, a banda passou e chegou; não só a banda, o terno de congado também. A alegria se espalhou pela praça, e, muito além da alegria, o baile dançante que o Antônio de Ázara protagonizou: se a Ica não quer dançar, azar, pois há quem queira; do meio do congado arranjou uma parceira atrevida e lá se foi a bailar; e quando o congado recomeçou sua cantoria, enrolou-se no meio das meninas, de mãos dadas, cantando, dançando, agachando, subindo novamente. Ufa!




Vamos almoçar que o Nonato tá nervoso com a hora do despertador ultrapassada.


Lá na Pousada do Juca um espetinho pronto já nos esperava saindo da brasa. O churrasquinho e a cerveja serviram como antepasto para o almoço que em seguida foi servido. Além da cerveja, surpresa das surpresas para aqueles meninos que não mediam distâncias para ir buscar algumas frutas: um balaio cheio de laranjas descansava pachorrento abaixo da barraquinha dos churrascos.  E, mordomia assim seminarista só poderia encontrar no céu, nem precisava descascar, era só estender a mão e sair com a gordinha suculenta espremida na boca. São de gentilezas assim que somos muito gratos à família do Santana.


Numa  decisão  regada  a  cerveja e  pinga da  cabeça     ou 
na cabeça, foram definidos o local, Belém,  e a coordenação
 do VI  Encontro: Nonato(4) e Chicão (5)      na  organização
 em Belém; Tupy(2), na qualidade de nativo,  assessora    na
 definição de roteiro turístico;  Lua  (1) e  Shirley (3) buscam,
junto  às agências de  viagem, um pacote econômico.
Todos fartos e sem remorsos, foi hora de passar para a nossa reunião, onde seria decidido o lugar do próximo encontro. À sugestão da cidade de Belém, colocada desde o encontro anterior, foi contraposta, pelo Benone, um resort em Angra dos Reis, e o Ázara sugeriu que fossemos um pouco mais longe, à Belém de Israel, à Terra Santa. Levantou-se uma discussão pela preocupação com o aspecto financeiro que poderia impedir a presença de alguns, por outro lado, falou-se também que deveríamos nos ater aos lugares que tivessem uma ligação com os easistas, o que descartava Angra dos Reis. Enfim, Belém do Pará foi aprovada quase que por unanimidade, exceto talvez pelo Ázara que votou pela outra.


Tudo resolvido, ainda faltava uma tarefa a executar: as fotografias de despedida à beira do rio, ali mesmo ao fundo da pousada, que levavam também a esperança de uma delas vencer o próximo concurso de fotos.




Elas na foto da despedida à beira do rio Jacaré.



Eles na foto da despedida à beira do rio Jacaré. 


E as despedidas começaram por aqueles que dali mesmo retornariam aos seus lugares, atravessando o espelho de volta ao mundo real. Findas as despedidas e os agradecimentos a todos os familiares do Santana por nos propiciarem tão maravilhosa acolhida, voltamos ao ônibus que nos levaria de volta a Campo Belo. Um pouco mais vazio, o ônibus não manifestava o mesmo entusiasmo que havia na manhã, embora uns tenham puxado algumas músicas.


À noite ainda nos encontramos com alguns easistas na praça em frente à matriz, e depois fomos fazer uma pequena ceia. O Padre Guilherme nos acompanhou junto com o casal Tupy em um fim de encontro leve, amigo e camarada.



Segunda-feira, 23 de setembro.


Descemos para o café-da-manhã e encontramos ainda a turma de Belém, bandeirantes tardios que desbravam este Brasil em busca de nosso ouro: nossa amizade. E que logo partiram em direção ao Pará. Em seguida fomos nós, o último casal dos easistas a deixar o Hotel Champagne, apagando as luzes do nosso V Encontro.
O casal dos easistas que apagou a luz do V Encontro:
Siovani e Rosimere.


Resta-nos agora decidir como chegar ao nosso VI Encontro, mas, parafraseando o Seoldo, o melhor seria pegar uma carona na cauda da estrela que brilha solitária lá no alto do céu da nossa bandeira, que se não é a estrela de Belém, que conduziu os reis magos, é a estrela que nos conduzirá ao Pará, acima da linha do equador, e que atraiu os padres crúzios ao Brasil.




Um trajeto escrito nas estrelas: o mapa da terra e o mapa do céu - curiosa
coincidência (vide texto à direita)
Há uma curiosa coincidência que percebi há alguns anos. Quando eu viajava de Miracema para Campo Belo, eu fazia a viagem em quatro etapas. Saía de Miracema e ia a Leopoldina, onde almoçava e conheci o Seoldo, o Bessa e o Ázara; dali seguia para Juiz de Fora, onde dormia; na manhã seguinte partia para Belo Horizonte, onde, finalmente, pegava o ônibus para Campo Belo. Estas cinco cidades, todas com a presença dos crúzios, formam num mapa as cinco estrelas do Cruzeiro do Sul, Campo Belo lá no alto. Observei ainda que os padres crúzios ou estavam dentro da região do cruzeiro ou nas extremidades do prolongamento do braço da cruz: Rio de Janeiro, pelo lado esquerdo de Juiz de Fora; Belém, pelo lado direito de Belo Horizonte. É por tudo isso que o Hamlet se espantava com os mistérios dos céus.


Até Belém do Pará.

    


              

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Senhora Dona Menina


Na Torre da Igreja

Por Siovani

- Boa noite, Dona Menina!

- Boa noite! Que bons ventos lhe trazem, Dona Filinha, ou foi algum bicho que lhe apoquentou em casa pra expulsar você pras bandas de cá?

- Nem lhe conto, Dona Menina, até que num aparece mesmo que fui desentranhada lá de casa por um bando esconjurado de formiga? Tô de tudo desinquieta e aperreada, aprecisando mesmo de prosear com a Senhora Dona Menina pra modo de um desmemoriamento.

- Mas o que que houve, dona, que agonia mais despropositada lhe tomou?

- Um trem de coisicas perrengues, Dona Menina, mas sabe como é, né? Um tico daqui, um apertinho ali, mais a precisão que num é pouca, e quando uma alma se dá conta quer inté deixar o desinfeliz vivente e pegar um pé de vento para ir falar lá com o Mestre Nosso Senhor.

- Num se apoquente tanto, Dona Filinha, a cada dia o pão que o Senhor Jesus Cristinho nos permite, para melhor servir na sua seara.

- A Senhora Dona Menina é própria um refrigério, e foi mesmo ansim mesmo que eu vim dar tento pras suas parolices e ensinanças, prum assossego do meu atarefamento.

- E a meninada, Dona Filinha, tanto tempo não lhe vejo que nem sei, a quantos anda a tropa?

- Pois num é, Dona Menina, ano que vai, ano que entra, as regra num vem e os guri num falha. Tudo adicionado e arredondado, completou treze: nove moleque e quatro guria. Fico em ponto de amalucar.

- E a senhora ainda num tá assegurada que a natureza precisa de um adjutório?

- Eu aprezo muito os conselho da Senhora Dona Menina, mas nesse propósito num posso apraticar, né? O Zé num deixa a mim nem um tico de brecha de falar o arrazoamento.

- Eta santa ignorância!

- A Senhora sabe como é, né? Ele inté que vai lá levar pro Padre Joaquim as preocupação que o pão pode ser minguado pra umas tantas boca, mas o vigário entinta a fala de tanto vermelho do coisa ruim lá de baixo, que o pobre dá uma viravolta avexado.

- Minha Virgem Santíssima, proteja o roto de pedir conselho ao estropiado!  

- E a senhora sabe, né? O vigário ajunta bem assublinhado que só a abestinência num é pecado, mas sabe como é, né? Num há modo de assuceder a tal abestinência, vai dia, menos dia, o cabresto da besta se arrebenta.

- E aí a farra corre solta, né Dona Filhinha? Com o cabresto arrebentado sobram uns meses bens elásticos para o parque de diversão funcionar bem azeitado.

- Pois num é, Dona Menina? Às vez a gente consegue inté umas boa compensação. Mas a Senhora Dona Menina falando dessas coisa me avexa e me avermelha.

- Deixa estar, Dona Filinha, que o pecado mora é na cabeça que o vê. Me conta das proezas dos meninos.

- Proezas, que mané de proezas, eu cá me viro e coço e os disgramado me arrelia com traquinices. As criação lá do terreiro é que sabe bem no direito o que é bom pra tosse. Me dá uma gastura ver os desprotegido aturar as maldade daquelas peste.

- São coisas de meninos sadios, Dona Filinha, melhor na lide das traquinices que dando aperreio em cima de uma cama.

- Eu tento não me destrambelhar, Dona Menina, mas às vez tem hora que não dá, e o tamanco tem que chorar pra modo de dar uma chegança naqueles modo dos inferno.

- Pra que isso, Dona Filinha, fecha um olho e toma um chazinho de camomila. Toma aqui, leva esta imagem da Virgem Aparecida para ajudar a apaziguar. Coloque ela reinando em sua casa e ela ficará à coca, espreitando pela sua paz.

- Que a Virgem lhe dê ouvido, Dona Menina! Vou de certo fazer um arreglo com ela pra me fazer uma modorra.

- E o Dadinho, Dona Filinha, quem te viu, quem te vê, a senhora deve de estar muito orgulhosa dele. Domingo na missa ele estava apurado ajudando o vigário, todo garboso naquela batina vermelha.

- Sei não, Dona Menina, às vez fico no orgulho, às vez às avessa.

- Eh, Dona Filinha, a senhora tá muito embrulhada, põe pé no mundo, mulher! Nem tanto ao léu, nem tanto ao créu.

- Sabe o que é, Dona Menina, é que antonte mesmo o Padre Joaquim foi lá na chácra me fazer um reclame, deu um pito danado em eu mais o Zé.

- E que foi que aquele dromedário foi reclamar?

- Pois antão, ele disse que queria desautorizar o Dadinho do adjutório na missa, e ansim tal que o moleque não tinha mesmo jeito de civilizar.

- Mas que foi que o menino fez, Dona Filinha?

- Bão, a senhora sabe como é, né? Toda tarde a igreja fica cerrada e só abre pra noite por causa das ladainhas, né? No entretanto daquele dia de tarde teve as prédicas para um morto defunto e a igreja havera de ser aberta. Ultimada as exéquia do falecido, que nem mesmo fiquei de conhecimento do quem, o padre refechou a porta e foi tirar uma pestana.

- Até agora não vejo assunto pra nenhum pandemônio.

- O budum é que o Dadinho mais o primo dele, o Teté, coroinha que nem ele, enquanto o defunto restava em duro pra modo o padre desvelar suas bênção, os dois excomungado em sorrateio treparam pelo escadório da torre no conluio de chegar inté os sino. Pois foi aí que a maiada da porca torceu o rabo, pois tanto a porta da torre foi fechada como devera de ser também a da igreja.

- Virgem! Os dois ficaram bem presos na torre!

- Sem a mais reles via de escapatória!

- Coitados dos meninos! E como foi que deram a escapadela de lá?
Igreja Matriz de Miracema, RJ, foto da década de 1950,
cedida  por  Nilo Marins

- Os dois ficou que nem mosca na pega da teia de aranha quando se assuntaram que não tinha fugida. Galgaram em outra vez o escadório lá pelas grimpa da torre, que era só a janela que ficou pro mundo, e se tocaiaram por embaixo do sino para vislumbrar se alguma alma atalhava lá por abaixo na entrada da igreja. Pra minha mitigação da injúria, os dois gambá ficaram uma pareia de tempo vislumbrando só o vazio. O sol ardido não deixava vazão pra criatura nenhuma se aventurar pelo chão fervido de pedra.

- Mas Dona Filinha, que aflição dos coitadinhos! Que pena que me dá.

- Que pena que nada, Dona Menina, lá em casa pena quem tem é galinha.

- Mas e aí, Dona Filinha, conta o resto que estou em aflição pelos pobres meninos.

- É que o tempo tarda mas finda por desempareiar no buraco da âmbula e um desinfeliz acabou por em aparecer. Os dois maroto se esgoelavam lá de cima enquanto o pobre aparvalhado procurava esclarecer se alguma andorinha dera a falar, até que avistou uma cabecinha debaixo do sino.

- E aí?

- Ademorou um tanto pro moço por antena que os dois tava preso lá e as pestes pediram pra chamar o padre.  Emburrado por modo de ser alevantado do sono e de ter que se abatinar, lá foi o coitado abrir a porta da torre e nem viu que os desavergonhado chisparam, cada qual num lado da perna dele, no instante mesmo que mal se arreganhou a porta e se escafederam no rumo da sacristia que sabiam ficar aberta.

- Ave Maria! Fico feliz que os malandrinhos não foram apanhados.

- Mas, Senhora Dona Menina, a senhora num acha que o Dadinho merecia uma esfrega das boas?

- Mas por quê, Dona Filinha?

- Por azucrinar o padre vigário.

- Que nada, Dona Filinha, merecem mais é uma paga. Mula velha só funciona com umas boas lambadas. Manda os dois passar aqui que tenho uns caraminguás pra eles.  

- Senhora Dona Menina!

- Ah, pois, ha, ha, ha...