Na Torre da Igreja
Por Siovani
- Boa noite,
Dona Menina!
- Boa noite!
Que bons ventos lhe trazem, Dona Filinha, ou foi algum bicho que lhe apoquentou
em casa pra expulsar você pras bandas de cá?
- Nem lhe
conto, Dona Menina, até que num aparece mesmo que fui desentranhada lá de casa
por um bando esconjurado de formiga? Tô de tudo desinquieta e aperreada,
aprecisando mesmo de prosear com a Senhora Dona Menina pra modo de um
desmemoriamento.
- Mas o que
que houve, dona, que agonia mais despropositada lhe tomou?
- Um trem de
coisicas perrengues, Dona Menina, mas sabe como é, né? Um tico daqui, um
apertinho ali, mais a precisão que num é pouca, e quando uma alma se dá conta
quer inté deixar o desinfeliz vivente e pegar um pé de vento para ir falar lá com
o Mestre Nosso Senhor.
- Num se
apoquente tanto, Dona Filinha, a cada dia o pão que o Senhor Jesus Cristinho
nos permite, para melhor servir na sua seara.
- A Senhora
Dona Menina é própria um refrigério, e foi mesmo ansim mesmo que eu vim dar
tento pras suas parolices e ensinanças, prum assossego do meu atarefamento.
- E a
meninada, Dona Filinha, tanto tempo não lhe vejo que nem sei, a quantos anda a tropa?
- Pois num
é, Dona Menina, ano que vai, ano que entra, as regra num vem e os guri num
falha. Tudo adicionado e arredondado, completou treze: nove moleque e quatro
guria. Fico em ponto de amalucar.
- E a
senhora ainda num tá assegurada que a natureza precisa de um adjutório?
- Eu aprezo
muito os conselho da Senhora Dona Menina, mas nesse propósito num posso apraticar,
né? O Zé num deixa a mim nem um tico de brecha de falar o arrazoamento.
- Eta santa
ignorância!
- A Senhora
sabe como é, né? Ele inté que vai lá levar pro Padre Joaquim as preocupação que
o pão pode ser minguado pra umas tantas boca, mas o vigário entinta a fala de
tanto vermelho do coisa ruim lá de baixo, que o pobre dá uma viravolta avexado.
- Minha
Virgem Santíssima, proteja o roto de pedir conselho ao estropiado!
- E a
senhora sabe, né? O vigário ajunta bem assublinhado que só a abestinência num é
pecado, mas sabe como é, né? Num há modo de assuceder a tal abestinência, vai
dia, menos dia, o cabresto da besta se arrebenta.
- E aí a
farra corre solta, né Dona Filhinha? Com o cabresto arrebentado sobram uns
meses bens elásticos para o parque de diversão funcionar bem azeitado.
- Pois num
é, Dona Menina? Às vez a gente consegue inté umas boa compensação. Mas a
Senhora Dona Menina falando dessas coisa me avexa e me avermelha.
- Deixa
estar, Dona Filinha, que o pecado mora é na cabeça que o vê. Me conta das
proezas dos meninos.
- Proezas,
que mané de proezas, eu cá me viro e coço e os disgramado me arrelia com
traquinices. As criação lá do terreiro é que sabe bem no direito o que é bom
pra tosse. Me dá uma gastura ver os desprotegido aturar as maldade daquelas
peste.
- São coisas
de meninos sadios, Dona Filinha, melhor na lide das traquinices que dando
aperreio em cima de uma cama.
- Eu tento
não me destrambelhar, Dona Menina, mas às vez tem hora que não dá, e o tamanco
tem que chorar pra modo de dar uma chegança naqueles modo dos inferno.
- Pra que
isso, Dona Filinha, fecha um olho e toma um chazinho de camomila. Toma aqui,
leva esta imagem da Virgem Aparecida para ajudar a apaziguar. Coloque ela
reinando em sua casa e ela ficará à coca, espreitando pela sua paz.
- Que a
Virgem lhe dê ouvido, Dona Menina! Vou de certo fazer um arreglo com ela pra me
fazer uma modorra.
- E o Dadinho,
Dona Filinha, quem te viu, quem te vê, a senhora deve de estar muito orgulhosa
dele. Domingo na missa ele estava apurado ajudando o vigário, todo garboso
naquela batina vermelha.
- Sei não,
Dona Menina, às vez fico no orgulho, às vez às avessa.
- Eh, Dona
Filinha, a senhora tá muito embrulhada, põe pé no mundo, mulher! Nem tanto ao
léu, nem tanto ao créu.
- Sabe o que
é, Dona Menina, é que antonte mesmo o Padre Joaquim foi lá na chácra me fazer
um reclame, deu um pito danado em eu mais o Zé.
- E que foi
que aquele dromedário foi reclamar?
- Pois
antão, ele disse que queria desautorizar o Dadinho do adjutório na missa, e
ansim tal que o moleque não tinha mesmo jeito de civilizar.
- Mas que
foi que o menino fez, Dona Filinha?
- Bão, a
senhora sabe como é, né? Toda tarde a igreja fica cerrada e só abre pra noite
por causa das ladainhas, né? No entretanto daquele dia de tarde teve as
prédicas para um morto defunto e a igreja havera de ser aberta. Ultimada as
exéquia do falecido, que nem mesmo fiquei de conhecimento do quem, o padre
refechou a porta e foi tirar uma pestana.
- Até agora
não vejo assunto pra nenhum pandemônio.
- O budum é
que o Dadinho mais o primo dele, o Teté, coroinha que nem ele, enquanto o
defunto restava em duro pra modo o padre desvelar suas bênção, os dois
excomungado em sorrateio treparam pelo escadório da torre no conluio de chegar
inté os sino. Pois foi aí que a maiada da porca torceu o rabo, pois tanto a
porta da torre foi fechada como devera de ser também a da igreja.
- Virgem! Os
dois ficaram bem presos na torre!
- Sem a mais
reles via de escapatória!
- Coitados
dos meninos! E como foi que deram a escapadela de lá?
Igreja Matriz de Miracema, RJ, foto da década de 1950, cedida por Nilo Marins |
- Os dois
ficou que nem mosca na pega da teia de aranha quando se assuntaram que não
tinha fugida. Galgaram em outra vez o escadório lá pelas grimpa da torre, que
era só a janela que ficou pro mundo, e se tocaiaram por embaixo do sino para
vislumbrar se alguma alma atalhava lá por abaixo na entrada da igreja. Pra
minha mitigação da injúria, os dois gambá ficaram uma pareia de tempo
vislumbrando só o vazio. O sol ardido não deixava vazão pra criatura nenhuma se
aventurar pelo chão fervido de pedra.
- Mas Dona
Filinha, que aflição dos coitadinhos! Que pena que me dá.
- Que pena
que nada, Dona Menina, lá em casa pena quem tem é galinha.
- Mas e aí,
Dona Filinha, conta o resto que estou em aflição pelos pobres meninos.
- É que o
tempo tarda mas finda por desempareiar no buraco da âmbula e um desinfeliz
acabou por em aparecer. Os dois maroto se esgoelavam lá de cima enquanto o
pobre aparvalhado procurava esclarecer se alguma andorinha dera a falar, até
que avistou uma cabecinha debaixo do sino.
- E aí?
- Ademorou
um tanto pro moço por antena que os dois tava preso lá e as pestes pediram pra
chamar o padre. Emburrado por modo de
ser alevantado do sono e de ter que se abatinar, lá foi o coitado abrir a porta
da torre e nem viu que os desavergonhado chisparam, cada qual num lado da perna
dele, no instante mesmo que mal se arreganhou a porta e se escafederam no rumo
da sacristia que sabiam ficar aberta.
- Ave Maria!
Fico feliz que os malandrinhos não foram apanhados.
- Mas,
Senhora Dona Menina, a senhora num acha que o Dadinho merecia uma esfrega das
boas?
- Mas por
quê, Dona Filinha?
- Por
azucrinar o padre vigário.
- Que nada,
Dona Filinha, merecem mais é uma paga. Mula velha só funciona com umas boas
lambadas. Manda os dois passar aqui que tenho uns caraminguás pra eles.
- Senhora
Dona Menina!
- Ah, pois, ha,
ha, ha...