Campo Belo ao amanhecer, em 7 de setembro de 2018 |
Siovani.
Quinta-feira, 06 de setembro de 2018.
Nosso encontro começou ainda em Belo Horizonte quando
recebemos o Walter (Lua), meu colega da turma de 1964, seu filho Otávio e o
amigo deste, Daniel, para iniciarmos nossa viagem a Campo Belo. As apreensões
sobre entraves na estrada logo se confirmaram com o trânsito quase parado em
Contagem, mas, desviando pela Via Expressa, retomamos nossa viagem sem maiores
empecilhos para chegar ao Convento ao cair da noite, onde muitos dos
encontristas já nos esperavam para os primeiros abraços.
Durante a viagem recebemos pelo WhatsApp a patética notícia
que o candidato à presidência, o deputado Bolsonaro, havia sido atacado com uma
faca, porém, sem mais detalhes, até achamos que poderia ser apenas mais um “fake
news”; infelizmente, as ameaças de uma conturbada eleição foram confirmadas
quando em Campo Belo soubemos da veracidade do atentado. Triste país, onde a
vingança e a violência têm sido utilizadas como argumentos em uma eleição.
Enquanto dirigia, lembrava minha última partida de Campo Belo, em novembro de
1966: como eu havia cumprido os pontos necessários para ser aprovado, fui
liberado das provas finais; o Eustáquio tinha que ir a Belo Horizonte para
votar, parece-me que no dia 15, e os padres resolveram que eu poderia ir mais
cedo para casa, aproveitando o Eustáquio para acompanhar-me até Belo Horizonte.
Opa! ou fui eu a companhia que ele necessitava para passar incólume pelas
barreiras que havia nas estradas? Havia um congresso de estudantes programado
para acontecer, e os suspeitos de para ele se dirigirem eram simplesmente
retirados dos ônibus. Foi nesse clima de apreensão que fizemos a viagem, pois o
Eustáquio corria risco de não poder passar. Parece-me que fui um bom escudo
para ele. Eram tempos conturbados, as arbitrariedades aconteciam a qualquer
momento, atingindo a qualquer um cuja face não o protegesse; as minhas
lembranças se recusam a serem varridas para baixo dos tapetes da indiferença. E
foi nesse clima que dei meu adeus ao colégio onde permanecera por três anos,
pois não tinha mais a intenção de retornar.
Mas mesmo temendo por tempos vindouros de muitas
preocupações, apague-se da memória tudo que corre pelos jornais, afaste os
ouvidos da TV e entregue-se voluntariamente ao ambiente de paz que o Convento
nos oferece junto a tantos amigos que, pelo menos ali, esquecem tais ardores e
dissabores para entregarem-se à mais pura amizade. E no pátio do Colégio
Dom
Cabral a fanfarra já estava perfilando-se para nos oferecer uma acolhida
prazerosa, enquanto nos entregávamos à dura tarefa de saborear os deliciosos
pratos que nos foram oferecidos como boas-vindas pelos padres, acompanhados por
um chope de qualidade, sucos e refrigerantes, e conversas interrompidas por um
ano.
A fanfarra continua brilhando |
Foi um grande prazer ouvir o Pe. Tiago, que o Tupy nos
permitiu a companhia levando-o ao encontro, discorrer livremente sobre os nomes
completos dos padres que o Olímpio queria lembrar, sentindo-me um tanto
frustrado pelos meus tropeços na questão de lembrança de nomes, pois quando os
procuro, argh! eles somem, e nada disso acontecia com ele, tinha-os pronto sem
titubear.
E a fanfarra do Colégio continua a brilhar como nos tempos do
Pe. Cornélio: novamente a memória nos invade a fazê-lo desfilar cheio de garbo
à frente dos seus alunos em momentos esperados por todos na cidade. O Pe.
Wilson tocou num ponto sensível ao perguntar-nos se também nós, seminaristas,
participávamos da fanfarra, e a decepção que sentíamos na época por isto não
nos ser permitido ainda aflorou. Uma estreita comunicação com os alunos
externos não era bem vista pelos antigos padres.
Mas a noite só trouxe festa: fanfarra, comidas, bebidas,
conversas, abraços e uma boa noite de descanso para retirar a tensão que as
estradas sempre causam.
Sexta-feira. A algazarra
das maritacas e dos pássaros acordaram-nos bem cedo, e para esperar o horário
do café nada melhor que um filme leve, cheio das caretas e das espertezas de
Totò, o grande ator italiano precursor dos nossos trapalhões, arejando o
espírito para colocar-me sempre mais longe das angústias que ameaçam nossas
vidas.
Fim do filme, Totò não muda, ladrão ou policial é sempre o
herói terno da malandragem à italiana, semelhante à nossa, e lá se vai
novamente um pensamento sobre este povo ingênuo que se deixa levar por quase
nada. Apague-se. Vamos ao café.
Bons dias para todos e para nós. Mesa boa, mesa farta de
bolos deliciosos. Queijo e pão de queijo da melhor tradição mineira. Frutas e
sucos. Uma comunhão de boa vontade que
os padres nos oferecem, e quando as bocas têm um intervalo de descanso,
conversas; ninguém tem pressa de deixar as mesas descansarem, e assim os
regimes se despedem sem remorso.
A manhã era livre, poderíamos ir ver o desfile cívico na
praça da Matriz, onde o José Geraldo reservava aos seus amigos um lugar de
destaque, mas muitos resolveram perambular por ali mesmo nas dependências do
Convento, aproveitando mais da companhia dos amigos debaixo de uma boa sombra.
Convento, aproveitando mais da companhia dos amigos debaixo de uma boa sombra.
Para o almoço foi-nos oferecido um churrasco. A barrica de chope,
que nos havia recebido na noite anterior, estava a postos, pronta a servir o
refresco para nossas gargantas ávidas, com ou sem colarinho. E, como já se tornou
costume em nossos encontros, a Germana apresentou-se sob os cuidados do Lua,
que nos ensina como deve ser apreciada. Ao lado da tradicional garrafa com
palha de banana, uma outra, a Neide, era própria para fazer uma deliciosa
caipirinha. Bom, foi só aí que descobrimos o seu rótulo “Unaged”. Perigosa a
danada, o álcool se esconde debaixo do gelo e do açúcar fazendo os incautos
bambolearem sem aviso, discorria o Lua. Para acompanhar o churrasco, arroz e um
delicioso tropeiro, que logo deixou só lembranças; a satisfação se aliou à
alegria no cuidado que o Nicodemos e os padres tiveram em escolher um bom
churrasqueiro que nos pudesse fazer ainda mais celebrar nossos reencontros.
A tarde avançando e a turma foi recolhendo-se aos quartos
para uma sesta. Como meus olhos recusam-se a fechar enquanto a luz existe,
ficamos por ali, eu e o Caio, a trocarmos lembranças daqueles tempos antigos
tendo como visão as dependências que as acalentavam.
Foi-se a tarde, um banho para esgotar o pouco suor e era hora
do jantar, um estrogonofe delicioso nos preparou para a reunião que haveria
após. A tristeza não deixou de nos visitar quando a Nazaré recebeu a notícia
que seu pai havia sofrido uma queda e teve que ser hospitalizado; ela sentiu
muito e devido a isto foi-nos comunicado que eles partiriam cedo na manhã
seguinte, e o Lulu se prontificou a levá-los de volta a Belo Horizonte.
O Tupy preparara um vídeo colecionando muitas fotos dos
tempos do seminário e dos nossos encontros, rememorando os muitos padres
crúzios que passaram por ali e pelo Brasil. Deixo a lembrança que este, que vos
faz este relato, no primeiro encontro foi apenas um participante, não tendo em
nada colaborado para organizá-lo, embora o Tupy me tenha apresentado em um
quadro dos pioneiros.
E colocou-se em discussão o local do próximo encontro:
O Nicodemos propôs Leopoldina, com o intuito de permitir aos
ex-seminaristas dessa cidade a oportunidade de participar dos nossos encontros,
porém, pela dificuldade de organização, a proposta foi rejeitada. Propusemos um
encontro em Alagoas, na Foz do Rio São Francisco, aproveitando que o Seoldo
pretende visitar o local onde trabalhou e conheceu a Judith, mas as
dificuldades que o próprio Seoldo colocou e a distância tornaram a proposta
inviável. O Lua se prontificou a contatar um seu amigo que tem uma bela pousada
em Arraial d’Ajuda, que nos pode oferecer condições especiais; aguardaremos uma
proposta efetiva antes de nos decidirmos. O Lulu propôs abrir um grupo (o que
já foi feito) para continuarmos a discussão.
E sem a definição do local do próximo encontro, fomos todos
dormir.
Sábado. A manhã
se levantou na mesma algazarra dos pássaros, e o café da manhã nos alegrou nos mesmos
moldes do dia anterior. A gentileza dos padres e irmãos do Convento fazia-se
sempre presente, havendo um momento em que alguns ohs! foram ouvidos quando das
mãos de um Irmão foi oferecido um pedaço de banana assada com canela. Humm!
Tínhamos o dia programado para passarmos no Náutico Clube, e
por volta das nove horas tomamos um ônibus que nos levou até lá, na estrada
para Boa Esperança. Tristeza pelos nossos amigos que partiram cedo, alegria do
Irmão Marcos e do seminarista Duiany que puderam aproveitar os lugares deixados
vagos. Chegamos ao clube, ora chamado AcquaPark Mar de Minas, ambiente muito
agradável, com tobogãs, piscinas diversas incluindo uma belíssima com ondas, fazendo
a festa do Otávio, filho do Lua, e do Daniel, e também de alguns dos
encontristas como o Eustáquio, que desceu
pelo tobogã mais íngreme deixando para trás o dinheiro que ficara no seu bolso.
pelo tobogã mais íngreme deixando para trás o dinheiro que ficara no seu bolso.
Embora a água fria tenha espantado a maioria, o dia foi gostoso,
almoço idem, e até mesmo um jogo de cartas se fez presente entre as mulheres,
que sentadas debaixo de uma ampla sombra debaixo de um grande telhado
disputaram uma longa partida de Buraco. Às quatro horas tomamos o ônibus para
voltar a Campo Belo.
As ondas do Mar de Minas |
Houve uma missa solene
e à noite estávamos livres. O grupo se dispersou à procura do que mais
agradasse a cada um. Fizemos uma incursão à pastelaria no centro da cidade onde
pudemos apreciar pastéis bem servidos e trabalhados, e boa noite.
Domingo. A rotina
das manhãs se fez novamente presente e no refeitório apreciamos o café da manhã
acompanhado pelas despedidas que começaram a serem feitas. A maioria se
precipitou para pegar a estrada cedo com temor do grande fluxo de carros que à
tarde provavelmente causaria problemas de engarrafamentos, principalmente na
chegada a Belo Horizonte.
E o X Encontro encerrou-se
definitivamente em nossa casa quando nos despedimos do Lua e dos dois meninos
que com muita alegria nos acompanharam, e o Otávio levou para casa o novo
apelido de Lua Nova.
Foram momentos de descontração e alívio das pressões que o
ambiente de apreensão do país está causando-nos. Muitos agradecimentos devemos
deixar para o Nicodemos, que coordenou o evento com maestria, para os padres e
irmãos do Convento que nos receberam com tanta simpatia e aos funcionários que
abrilhantaram a cozinha. Quero ainda deixar registrado que me preocupei com os
baixos valores cobrados pela nossa estadia, conversei com o Nicodemos a
respeito, e ele me disse que tudo foi calculado para servir-nos com a única
intenção de ganhar a nossa alegria: nosso muito obrigado pelo que realizaram.
E obrigado a todos pela companhia tão prazerosa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário